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O Massacre de Suzano: Da Impossibilidade do Reconhecimento

Por:   •  2/5/2023  •  Bibliografia  •  2.220 Palavras (9 Páginas)  •  38 Visualizações

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Massacre de Suzano: da impossibilidade do reconhecimento

Henrique Garbellini Carnio

Doutor e mestre em Filosofia do Direito e Teoria do Estado pela PUC/SP. Pesquisador Colaborador no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, com pós-doutorado em filosofia. Professor do núcleo de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, professor permanente do curso de mestrado e doutorado em direito da FADISP e do programa de mestrado em direito constitucional econômico da UNIALFA.

André Ryoki

Psicanalista e Historiador formado pela USP.

Na manhã do dia 13 de março desde ano, em Suzano, município da Grande São Paulo, dois rapazes mataram o gerente de uma locadora de carros, roubaram um veículo do pátio e rumaram para a Escola Estadual Raul Brasil, localizada a poucos quarteirões de distância. Armados com um revólver, uma besta, facas e machados, os dois rapazes invadiram a escola, mataram oito pessoas e feriram outras doze. A polícia já estava a caminho quando o rapaz mais novo matou o cúmplice e a seguir tirou sua própria vida.

Com a morte dos dois rapazes, é impossível saber o que de fato motivou os acontecimentos daquela manhã. E embora notícias de eventos semelhantes nos cheguem frequentemente pela mídia, o horror, o absurdo e as emoções que mobilizam beiram o indizível. Talvez por isso o termo genérico de “massacre” tenha circulado imediatamente depois do acontecido, inscrevendo-o ao lado de outros numa tentativa de atribuir, pela semelhança, alguma lógica, alguma mínima possibilidade de compreensão: massacre de Realengo, massacre de Columbine, massacre de Erfurt, massacre de Sandy Hook, massacre de Virginia Tech, massacre da Nova Zelândia, etc. “Massacre” é um nome possível para um ato que simplesmente se recusa a fazer sentido?

“Surtaram!”; ou “Dois psicopatas, tá na cara!”; ou ainda “Deviam mexer com droga”, são tentativas de diagnosticar a saúde mental dos dois, pois isso talvez aplacasse a angustia perante o absurdo, já que é muito difícil sustentar a vida se o que acontece nela é imprevisível, aleatório e sem sentido. A realidade torna-se mais e mais ameaçadora na exata medida em que não damos conta de formular discursos capazes de adestrá-la. Apesar da impossibilidade de diagnosticar os dois rapazes, seus atos absurdos levantam questões sobre o “oxigênio mental” em que vivemos. A primeira questão que aflora diz respeito, justamente, à abrangência do fenômeno assim denominado “massacre”. Da Nova Zelândia até Suzano, passando pelos Estados Unidos, Alemanha e Noruega: os eventos são manifestações locais de um fenômeno global. Esse fenômeno passa, necessariamente, pelas tecnologias comunicacionais que parecem ter aprisionado a vida, reivindicando dela o mesmo status de “real”.

O mundo digital, especificamente aquele que se organiza em função das redes sociais, é o mundo do excesso: de informações, de velocidade, de alcance, etc. A frase “nunca se consumiu tanta notícia e nunca se esteve tão mal informado” é um clichê bastante gasto, mas que aparece com clareza na mensagem de despedida que os dois rapazes deixaram num fórum da internet. Na mensagem, eles agradecem os outros membros do fórum pelo apoio e pela ajuda no planejamento da ação e declaram que em breve estarão “diante de Deus, com nossas 7 virgens”. Não é uma coincidência que algumas interpretações do Corão, o livro sagrado do Islã, prometem para os mártires mortos na jihad o Paraíso, onde encontrarão água fresca em abundância e 72 virgens para o seu eterno deleite. A diferença no número é irrelevante se lembrarmos que, no senso comum, o jihadista é apenas um terrorista, e que “terrorista” é aquele que “toca o terror”. A circulação dessa confusão informacional, que aproxima os signos Islã/ jihad/ terrorismo/ “tocar o terror”, aparece inclusive no imaginário de facções criminosas. Os membros do PCC têm o hábito de se tratarem jocosamente por “Bin Laden”; na Paraíba, surgiu há poucos anos uma nova facção que se nomeou “Okaida”, um claro aportuguesamento de “Al-Qaeda”.

A ameaça terrorista está articulada à reivindicação, a exemplo do IRA e do ETA, que reivindicavam independência territorial e autonomia política; à retaliação, como foram os ataques a Paris em novembro de 2015, assumidos pelo ISIS em resposta à participação militar do Estado francês na guerra da Síria e do Iraque; ou à desestabilização social, econômica e psicológica, como os atentados de 11 de Setembro nos Estados Unidos. Nem o PCC, nem a “Okaida”, nem os rapazes de Suzano são ou eram jihadistas. Não há o mais remoto indício de que sequer professassem alguma simpatia pela religião muçulmana. Mas é evidente que eles pegaram para si e levaram a cabo a ideia de “tocar o terror”. Há reivindicação? Há retaliação? Não nos autorizamos a responder tais perguntas, mas podemos articular alguns elementos para avançar na reflexão.

O fórum on-line acima citado, onde os rapazes publicaram sua mensagem de despedida, foi criado em 2013 por um analista de informática condenado a 41 anos de prisão por vários crimes (racismo, incitação ao crime, associação criminosa, divulgação de pedofilia e terrorismo). O fundador do fórum (assim como vários frequentadores e colaboradores, inclusive os dois rapazes responsáveis pelo massacre) era um “InCel”, sigla em inglês para “Celibatário Involuntário”. A expressão designa homens que culpam a sociedade em geral e as mulheres em particular pelo fracasso de suas vidas amorosa e sexual. Além do discurso misógino dos InCel, no fórum circulam em igual monta mensagens racistas, homo e transfóbicas, e um claro ódio a tudo o que é diferente. No contexto europeu e norte-americano, a esse caldeirão de ódio adiciona-se o supremacismo branco e desumanização do imigrante.

Não podemos dizer que supremacistas, machistas misóginos, racistas e homofóbicos são a mesma coisa. Não são. Mas estão, todos eles, de alguma forma relacionados às tensões que emergem a partir das conquistas de direitos de grupos historicamente marginalizados. Alguns desses grupos não conquistaram nada mais do que a simples visibilidade, mas isso já é suficiente para provocar fraturas irreparáveis porque o tempo das mudanças não é homogêneo: ao mesmo tempo que casais homoafetivos conquistaram o direito à adoção, que sujeitos transgêneros conquistaram o direito à identidade social condizente com a identidade de gênero, só para citar dois exemplos do contexto brasileiro, a religião que conquista mais e mais adeptos no país são as diversas denominações neo-pentecostais, que tem um importante alicerce do seu proselitismo justamente na condenação dos homossexuais e transsexuais.

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