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TRANSEXUALIDADE E O USO DO BANHEIRO DA EMPRESA

Por:   •  29/9/2021  •  Artigo  •  2.021 Palavras (9 Páginas)  •  61 Visualizações

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TRANSEXUALIDADE E O USO DO BANHEIRO DA EMPRESA

Daniel Lisboa[1]

Guilherme Mayer Amin[2]

A conquista dos direitos humanos, que perpassa pela concretização dos direitos de primeira a quarta dimensão (ou geração), ainda está em continuidade. Nos Estados Democráticos de Direito, como o Brasil, as formas de proteção à dignidade do ser humano – seu maior patrimônio – têm sido aperfeiçoadas.

Nesta nova era de afirmação da dignidade humana, ganharam grande relevo, no campo da Antropologia e da Psicologia, as pesquisas sobre gênero, sexualidade e diversidade sexual. Concepções ocidentais historicamente comuns acerca desses temas têm sido desconstruídas e reformuladas pelos estudiosos desde a década de 1960. A principal delas é a de sexo/gênero.

Temas conexos demonstram essa variabilidade. Se há menos de 50 anos a homossexualidade era considerada anomalia[3] (e ainda o é, infelizmente, por parcela politicamente organizada da sociedade), cada vez mais as pessoas compreendem que se trata apenas de uma orientação sexual – não uma “opção”, tampouco uma doença. A transexualidade haverá de seguir o mesmo caminho.

Atualmente, sexo e gênero são reconhecidos como conceitos distintos, ainda que análogos. O sexo refere-se às conformações biológicas do indivíduo, analisadas sob a perspectiva da reprodução (“macho”, “fêmea” – homem e mulher), enquanto gênero é a convicção pessoal, subjetiva de cada pessoa acerca de sua identidade social, o que pode incluir o aspecto sexual. Daí falar-se em identidade de gênero, que é a assimilação personalíssima do indivíduo com uma identidade masculina, feminina ou mesmo nenhuma dessas (HENRIQUES; BRANDT; JUNQUEIRA; CHAMUSCA, 2007, p. 19).

De fato, o órgão genital nada diz sobre a construção subjetiva que define o ser humano que o porta. Assim é que, por exemplo, homens que não têm mais os testículos, retirados cirurgicamente no tratamento de câncer, continuam sendo tão homens quanto antes, se é dessa forma que se sentem. Sua identidade de gênero, que os acompanha, é masculina. O mesmo ocorre com as mulheres que retiram os seios, ovários ou útero no tratamento de doenças.

Uma pessoa transexual também não é definida pelo órgão genital com que nasceu. Ela se identifica com um gênero diferente do seu sexo biológico e passa, naturalmente, a agir e perceber-se socialmente de acordo com a sua identidade de gênero.

Por isso, a pessoa transexual que pertença ao gênero feminino, sentindo-se, percebendo-se e agindo como mulher, tem o direito de ser tratada igualmente como mulher – independentemente de ter realizado ou não cirurgia de transgenitalização. Ela é mulher, pois o que a torna uma está muito à frente de sua genitália ou do sexo que consta formalmente de seus documentos. Convém rememorar a célebre locução de Simone de Beauvoir (1967, p. 9): “ninguém nasce mulher: torna-se mulher”. Quando a situação é oposta, a conclusão é a mesma.

A prerrogativa de ser tratado(a) de acordo com sua identidade de gênero decorre da própria dignidade humana de que o(a) transexual é titular (art. 1º, III, da CRFB), bem assim do direito ao igual respeito e consideração que, como esclarece Ronald Dworkin (2002, p. 419), a todos deve ser reconhecido. E vale lembrar, com José Afonso da Silva (2010, p. 196), que a promoção da dignidade humana do outro significa a exaltação da sua própria.

Também de se recordar que essas espécies de direitos contam com eficácia horizontal, que permite sua imposição não só verticalmente ao Estado, mas perante particulares – chamada por alguns de eficácia transversal dos direitos fundamentais (MENDES; COELHO; BRANCO, 2007, p. 268). E isso se dá mesmo em relações jurídicas privadas com subordinação jurídica autorizada, como o contrato de emprego.

Nesse contexto, o empregador do(a) trabalhador(a) transexual tem a obrigação de respeitá-lo(a) na sua identidade de gênero, abstendo-se de qualquer tratamento discriminatório (art. 3º, IV, da CRFB, art. 373-A, CLT, art. 1º, Lei 9.029/95, art. 3º, § 1º, Lei 11.340/06).

Essa obrigação se origina, pelo menos, de duas bases jurídicas: primeiro, do dever específico decorrente da normatividade da principiologia constitucional – dada a constatação da hermenêutica contemporânea, que confere eficácia normativa aos princípios, contrapondo-os às regras enquanto espécies do mesmo gênero: normas (ALEXY, 2001, p. 83). Segundo, do dever anexo de conduta do empregador-contratante, inerente à sua boa-fé objetiva (art. 422 do CC c/c art. 8º, parágrafo único, da CLT).

Por conseguinte, o poder empregatício atribuído pelo ordenamento jurídico ao empregador (arts. 1º, IV e 170, II, da CRFB, art. 2º da CLT) deve ser exercido na conformidade das normas constitucionais e internacionais de valorização da pessoa do trabalhador (arts. 1º, IV, 7º, “caput” e 170, III e VIII, da CRFB, art. 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. 7º do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ratificado pelo Brasil).

Logo, em todas as suas dimensões – diretiva, regulamentar, fiscalizatória e disciplinar (DELGADO, 2013, p. 663) –, o exercício do poder empregatício encontra limites na sua contraface: os direitos fundamentais e da personalidade do trabalhador. Entre estes, estão os direitos dos(as) empregados(as) transexuais à identidade de gênero e à imagem (art. 5º, V e X, da CRFB e arts. 11 e 12 do CC).

A identidade de gênero, enquanto direito fundamental, tem sido reconhecida em diversas esferas, especialmente pelo Poder Judiciário, que já há mais de 10 anos vem autorizando retificações de prenome em registro civis e, mais recentemente, também de sexo, sem qualquer apontamento de que se trata de pessoa operada – como se nota da decisão do TJSP, 3ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível n. 994.08.04577-8, de 23/02/2010.

Para além da eficácia vertical do direito, como dito, também a horizontal deve ser reconhecida aos cidadãos e cidadãs.

Desse modo, não se verifica motivo para que o(a) empregado(a) não seja tratado no ambiente de trabalho pelo prenome que elegeu como seu, e com as condições inerentes ao gênero com o qual se identifica.

Estabelecidos tais pressupostos, não se pode negar que a utilização do banheiro feminino no ambiente de trabalho é um direito da empregada transexual. O mesmo no que se refere ao empregado transexual em relação ao masculino, se assim sentir-se confortável.

O comum argumento de que a presença da mulher transexual não transgenitalizada, em banheiro feminino, causaria risco de violência sexual às empregadas do sexo feminino não se sustenta. É que não existe estimativa nem estatística alguma sobre violência sexual sofrida por mulheres cujos agentes sejam transexuais. Preocupante, na realidade, é o risco de violência, inclusive sexual, de mulheres transexuais em banheiros masculinos.

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