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Pensamento religioso Machiavelli

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Por:   •  25/3/2014  •  Pesquisas Acadêmicas  •  8.335 Palavras (34 Páginas)  •  388 Visualizações

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Maquiavel

Para Maquiavel, o que confere valor a uma religião não é a importância de seu fundador, o conteúdo dos ensinamentos, a verdade dos dogmas ou a significação dos mistérios e ritos. Importa não a essência da religião e sim sua função e importância para a vida coletiva. A religião ensina a reconhecer e a respeitar as regras políticas a partir do mandamento religioso. Essa norma coletiva pode assumir tanto o aspecto coercivo exterior da disciplina militar ou da autoridade política quanto o caráter persuasivo interior da educação moral e cívica para a produção do consenso coletivo.

Maquiavel é conhecido pelo propósito, firmado em O Príncipe, de considerar "mais conveniente seguir a verdade efetiva da coisa do que a imaginação desta" (Il Principe, capítulo XV). Na análise do fenômeno religioso, podemos constatar a utilização deste "método": a religião é examinada a partir de seus efeitos práticos, ou seja, pela capacidade de despertar tanto o medo quanto o amor dos cidadãos a favor do vivere civile. Em outras palavras, "seguir a verdade efetiva da coisa" implica em privilegiar a "causa eficiente". Tratando-se da religião, consiste num determinado procedimento metodológico que analisa esse fenômeno por sua capacidade de cumprir a tarefa cívica de mobilizar os homens a favor do fortalecimento do Estado. Em semelhante modo de considerar as coisas, as questões teológicas perdem importância. Diante disso, como fica o papel da Providência? Pode-se ainda afirmar que ela dirige o destino dos homens? Sustenta-se ainda a convicção cristã de que a marcha dos homens é uma ascensão para Deus?1

Tommasini,2 numa extensa nota de sua magistral obra sobre a vida de Maquiavel, apresenta a polêmica histórica em torno do pensamento religioso maquiaveliano. As posições, na avaliação deste biógrafo, variam do elogio à condenação: enquanto para alguns, como H. Plato, Maquiavel considerou a religião, sobretudo, como condição indispensável para a manutenção da liberdade, para outros, como C. Cantú, o Secretário da República de Florença foi o fundador da doutrina do Estado ateu que forjou, sobre o modelo greco-romano, a nova civilização, suprimindo Cristo e o Evangelho. Concordamos com Tommasini: o melhor modo de estudar o pensamento religioso de Maquiavel não é o de verificar se foi "cético ou crente, se foi pagão ou cristão, se estava mais próximo da Reforma ou de Loyola, e sim o de ver historicamente, na ordem do movimento e do pensamento religioso, como ele se conduziu, o que pensou, o que fez".3

Acatando a sugestão de Tommasini, podemos dizer que, para Maquiavel, não há a menor dúvida de que a origem da religião é puramente humana e possui, como toda instituição, fundadores e chefes. Aliás, e de modo mais preciso, é no ato fundador de uma religião que se revela de modo mais elevado a virtù de um indivíduo: "Entre todos os homens dignos de elogio, os que mais louvor merecem estão os que foram chefes e fundadores das religiões" (Discorsi I, 10). Por ser de origem humana, a religião também está sujeita às leis de nascimento, desenvolvimento e morte que determinam todos os elementos criados: "Nada é mais certo do que o fato de que todas as coisas do mundo têm um termo. (...) Falando de corpos mistos, como repúblicas ou seitas, digo que são salutares aquelas alterações que as reconduzem ao seu princípio" (Discorsi III, 1).

Ainda que não exista ato humano que traga maior glória a alguém do que fundar uma religião, o valor propriamente dito de uma religião, para Maquiavel, não é derivado da fama de seu fundador, do conteúdo dos ensinamentos, da verdade dos dogmas ou da significação dos mistérios e ritos. Numa palavra, daquilo que se costuma chamar "essência da religião". Pelo contrário, a grandeza de uma religião decorre da função e importância que ela exerce em relação à vida coletiva. Ambas, função e importância, são de caráter normativo: a religião ensina a reconhecer e a respeitar as regras políticas a partir do mandamento religioso. Essas normas coletivas podem assumir tanto o aspecto coercivo exterior da disciplina militar ou da autoridade política quanto o caráter persuasivo interior da educação moral e cívica para a produção do consenso coletivo. Como é possível que um mesmo fenômeno obrigue, ao mesmo tempo, externa e internamente? Não estaríamos, aqui, diante de uma contradição no pensamento maquiaveliano? Gennaro Sasso, notando também esse duplo significado da religião,4esclarece que se trata "de um contraste muito mais do que de uma contradição".5

Com efeito, a fundação e estabilidade de um Estado dependem da virtù, não apenas do príncipe, mas também do povo. Assim, a dupla função da religião, de coerção e de persuasão, coincide, respectivamente, com a virtù do príncipe e a do povo. A religião, compreendida como instrumentum regni, requer do príncipe a capacidade de servir-se de modo sagaz da fé do povo para levá-lo à obediência da lei civil. Quer dizer, somente um príncipe virtuoso é capaz de levar o povo a temer a desobediência às ordens do Estado como se fosse uma ofensa a Deus. E por que o povo estaria mais propenso a obedecer às ordens divinas do que às humanas? Para Maquiavel, isso se deve à superioridade da eficácia do mandamento divino em relação à lei humana para submeter o povo, pois este "teme muito mais romper os juramentos do que as leis por prezar mais o poder de Deus do que o dos homens" (Discorsi I, 11).

No entanto, nenhuma construção política pode ser erigida e mantida unicamente com instrumentos extrínsecos, com base em uma coerção externa tão-somente. Maquiavel chama expressamente a atenção para o fato de que o Estado não pode depender apenas da virtù excepcional de um homem, pois "se um é apto para organizar, não durará muito a coisa organizada se a coloca sobre os ombros de um só" (Discorsi I, 9). É imprescindível, portanto, contar com a virtù do povo para alcançar a estabilidade do Estado. A fé religiosa, compreendida como a vida profunda do povo expressa nos bons costumes e na educação moral e cívica, constitui-se na razão de ser davirtù política dos membros e no fundamento interno do Estado. Vamos proceder, na seqüência, a um exame mais detalhado, com base nos textos da obra de Maquiavel, desses dois distintos significados da religião.

A função de coerção externa da religião ou a submissão ao poder instituído

Maquiavel introduz o tema da religião, no primeiro livro dos Discorsi, na perspectiva do ordinatore. Isto é, daquele que, se não irá propriamente

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