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Rir e tragédia na indústria cultural: catarse administrada

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Por:   •  18/11/2014  •  Projeto de pesquisa  •  1.781 Palavras (8 Páginas)  •  212 Visualizações

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O riso e o trágico na indústria cultural: a catarse administrada

6.1 Introdução

Theodor Adorno, no ensaioTeoria da Semiformação (2003)2 , escrito em 1959,constatava que a burguesia, quando conquistou o poder nos países europeus, estava maisdesenvolvida culturalmente que os senhores feudais e que sua formação foi um dos fatoresfundamentais para a afirmação enquanto classe hegemônica e para o desempenho de tarefaseconômicas e administrativas.Diz ofrankfurtiano: “A desumanização implantada pelo processo capitalista de produção negouaos trabalhadores todos os pressupostos para a formação e, acima de tudo, o ócio” (Adorno, 2003, p. 06).

O ócio – il dolce far niente – seria o tempo livre destinado à restauração das forças desgastadas pelo trabalho, mas, sobretudo o tempo que o trabalhador deveria dispor para reorganizar seus momentos de vida, a partir de seus interesses e necessidades, em atividades que lhe dessem prazer, crescimento espiritual, conhecimentos novos, gosto pela vida; momentos integrais de sua existência.

O “riso e o trágico” são duas manifestações humanas habilmente trabalhadas pela indústria dos bens culturais para manterem as pessoas ocupadas e distraídas e, ao mesmo tempo, interconectadas às infindas informações que invadem seus lares e suas vidas. Através do riso e do trágico os trabalhadores, mas não só eles, aliviam suas tensões, apaziguam suas consciências, extravasam seus sentimentos.

O termo káthasis tem origem na medicina antiga. Significa liberação do que é estranho ao organismo e lhe causa perturbações. Purgação, desembaraço, alívio. De bem estar físico-somático se passa, em Orfeu, para o bem estar espiritual: catarse é uma forma de purificação e absolvição dos atos injustos através de sacrifícios e jogos aprazíveis. Em Platão, catarse confirma o sentido primeiro de purificação, de conservação do que traz bem estar espiritual, de desembaraço de tudo que gera distúrbios, e, além disso, ganha conotações novas: designa libertação da alma em relação ao peso da materialidade corporal, aos prazeres, aos desejos, recolhimento da alma em si mesma, reencontro com a sabedoria.

Aristóteles utiliza freqüentemente catarse no sentido médico, como purificação, purgação. É também o primeiro a dar a ela uma expressão estética, uma espécie de libertação ou serenidade que a poesia e a música provocam no homem. A tragédia, pela imitação sublime e próxima dos conflitos humanos, através das vozes da música e da poesia dramática, suscita nos participantes o terror e a piedade, e com isso leva-os à purificação de tais afetos, gerando calma, serenidade.

A arte séria, bem como a filosofia antiga, são frutos da cisão entre intelectuais e trabalhadores manuais. Para que uns poucos pudessem realizar expressões imortais da alta cultura ou usufruir esteticamente da essência purificadora das obras primas era preciso que a maioria dos mortais trabalhasse duro, gerando alimento, calor, segurança. Hoje, a arte degenerada industrial — ao mesmo tempo em que o usufruto de suas produções se encontra cada vez mais à disposição de todos os clientes — leva ao extremo a contradição entre produtores e consumidores de cultura: estes últimos não têm necessidade de elaborar a mais simples cogitação, a equipe de produção pensa o tempo todo por eles. Enquanto a arte séria, expressão estética de um sofrimento sublimado, assume contradições reais, aponta dissonâncias de seu tempo, e, como promesse de bonheur, mesmo vivendo na era da troca, antecipa um mundo não mais regido pelo mercado, a obra aligeirada industrial extirpa de sua forma estética os elementos críticos presentes na cultura, explicita a todo momento seu caráter afirmativo e glorifica perenemente o sempre dado (Cfr. Rouanet, 1998, pp. 118-119).

Se, na ideia de “formação” ressoam momentos de finalidade que deveriam levar os indivíduos a ser afirmarem como racionais numa sociedade racional e como seres livres em uma sociedade livre, na realidade da “semiformação”, desenvolvida com a pronta e integral ajuda da indústria cultural, se incorpora a onipresença do espírito alienado e tudo fica aprisionado nas malhas de socialização. “Por inúmeros canais se oferecem às massas bens de formação cultural. Neutralizados e petrificados, no entanto, ajudam a manter no devido lugar aqueles para os quais nada existe de muito elevado ou caro (Adorno, 2003, pp. 5 e 8)”.

6.2 A dimensão catártica do trágico.

A arte trágica, enquanto processo purificador do indivíduo, se encontra densamente analisada nos escritos de Nietzsche (1996), particularmente no de 1871. Ao escrever sobre a origem da tragédia grega, observa que a criação e o desenvolvimento da arte resultam de seu duplo caráter: ela é, ao mesmo tempo, apolínea e dionisíaca. Apolo é o deus do sonho, Dionisos o da embriaguez. Com Apolo, a aparência, cheia de beleza, do mundo do sonho, é a condição primeira de todas as artes plásticas, como também uma parte essencial da poesia. Apolo, o deus da faculdade criadora de formas, portanto, da expressão, é também o deus da advinhação, diria, da interpretação a partir dos indícios da aparência. Mais ainda: vamos encontrar em Apolo, intimamente vinculado às faculdades anteriores, uma outra linha delicada que é a extrema ponderação, o livre domínio de si nas emoções mais violentas e a serena sabedoria nas ações da vida. É o deus da lógica, da coerência interna, do equilíbrio perfeito (Cfr. Nietzsche, 1996, pp.37-43).

Dionisos, por sua vez, representa o mundo da embriaguez, do estado narcótico, em que os homens se liberam de suas amarras culturais, cantam seus hinos, expressam febrilmente seus desejos; representa o excesso de vitalidade presente na renovação primaveril, aquela que alegremente explode em toda a natureza, desperta a vontade de viver no indivíduo, convida-o insistentemente a aniquilar-se no total esquecimento de si mesmo, no mergulho absoluto na unidade cósmica.

As características que configuram o espírito apolíneo e o espírito dionisíaco se negam frontalmente, se consideradas em si mesmas. No entanto na tragédia grega primordial, a tensão entre esses dois espíritos lhe dá força, beleza e expressão artística. Mas vede – diz Nietzsche – Apolo não podia viver sem Dioniso). Nietzsche vai mais longe em sua análise ao observar que, se de um lado, o mito trágico deve ser compreendido como uma representação simbólica da sabedoria dionisíaca, que assume formas próprias

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