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Roteiro inclusão digital deficiencia auditiva

Por:   •  24/11/2016  •  Trabalho acadêmico  •  2.328 Palavras (10 Páginas)  •  171 Visualizações

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- Estamos aqui com a Cláudia Mendes de Oliveira, que faz parte do corpo de servidores aqui do Instituto Federal Farroupilha – Câmpus Santo Ângelo. Ela é uma profissional intérprete de LIBRAS e eu gostaria de fazer alguns questionamentos em relação aos motivos do que levaram ela a ser uma intérprete de LIBRAS.

- Bem, a minha motivação foi a minha filha, porque eu tenho uma filha quem 20 anos e ela nasceu com uma perda (auditiva) severa nos 2 ouvidos, sendo considerada surda. Então, isso me levou a procurar novas maneiras de ter uma comunicação com ela, porque a pessoa surda não desenvolve a linguagem moral muito bem, então nós tínhamos muita dificuldade em se comunicar com ela até que ela começou a aprender LIBRAS, assim eu comecei a aprender junto com ela, aprendendo os sinais básicos para que a gente pudesse se comunicar, ter o mínimo de comunicação. Então essa foi a minha maior motivação.
- Desde lá eu venho aprendendo, fiz vários cursos na área de LIBRAS. Hoje eu participo de uma associação, na verdade há 14 anos faço parte da Associação de Surdos daqui de Santo Ângelo , onde a gente tem um envolvimento com grande parte dos Surdos de Santo Ângelo e da região. E tudo isso incentivou a cada vez aprender mais, em 2008 fiz a capacitação em LIBRAS, que é um curso de 700 horas com banca de proficiência. Aí eu me formei profissional intérprete. E agora estou atuando aqui, é o primeiro ano que eu estou atuando como profissional intérprete, porque até então eu nunca tinha trabalhado na área, só tinha trabalhado em eventos voluntários na área da educação, mas agora sim que realmente estou trabalhando como profissional.
- Só a partir de 2015 que você então começou...
- Só a partir de 2015 que eu estou atuando mesmo na área, como profissional. Já atuei como voluntária na área da educação, como bibliotecária, mas o primeiro ano que estou atuando como profissional é aqui.
- Eu gostaria de saber também como é receber uma criança surda na família.
- No primeiro momento é um impacto muito grande, na verdade é um susto porque a gente não sabe o que vai enfrentar, que tipo de realidade que tu vai vivenciar, os obstáculos que vai enfrentar, além de tudo a gente não conhece, não sabe, tudo é novo e diferente, não é aquilo que você planejava. Mas com o tempo, com muitos estudos, pesquisas e bastante envolvimento você vai descobrindo que pode ser tranquilo, normal, dentro das diferenças que existem: diferenças linguísticas, comunicação diferenciada... E no processo de desenvolvimento familiar e social, você consegue ter uma vida normal, basta aprender... Eu como no caso fui buscar aprender que o primeiro ponto era a comunicação e sempre vai ser, pois a única dificuldade que o surdo tem é o de se comunicar pois ele se comunica em LIBRAS e dificilmente oraliza, mas no mais tudo tranquilo.
- Como foi o desenvolvimento educacional da tua filha em todo esse período desde criança até os 20 anos de idade?
- Bom, dizer que foi fácil não foi. Porque as dificuldades que se enfrenta é uma falta de estrutura muito grande que existe em todas as áreas educacionais, em todas as esferas: municipal, estadual, particular. Todas elas não têm estrutura, ainda mais há 15 anos atrás. Pois ela começou com 4/5 anos a ser pré-jardim e ela começou numa escola regular, fez 1 ano em uma escola regular até que eu descobri que tinha uma escola em Santo Ângelo que tinha uma professora que já sabia LIBRAS, era a Escola Esther então no outro ano eu matriculei ela na escola. Lá ela estudava em uma classe especial.

- E que idade ela tinha ?
- Ela tinha 5/6 anos.
- Aí você transferiu ela pra essa escola...
- Transferi ela pra Escola Esther, na classe especial. Ali ela ficou até os 10 anos de idade, ela fez até a 4ª série lá. Mas assim, o processo da classe especial era, no meu ponto de vista, melhor pra ela. Mas no decorrer do tempo eu fui percebendo que aquela metodologia de ensino era muito básica pra capacidade que ela tinha, a gente acompanhava em casa e percebia que ela podia ir mais e mais, ficava meio restrita aquela aprendizagem lá. Era restrita a metodologia de ensino. Isso começou a me preocupar porque a gente começou a ter muitas dificuldades com ela, ela repetiu 2 anos e não queria mais repetir, ela queria ir pra frente, e quando questionávamos as professoras elas diziam que o que para uma criança ouvinte era 1 ano, para uma criança surda tinha que estudar 1 ano e meio para equivaler a aprendizagem. Então, isso já foi me deixando desconfortável, porque não é possível isso, entre outras coisas achava que era uma escola que segregava porque tinha uma sala de surdos com diferentes idades, na 4ª série tinha um surdo com 20/22 anos de idade que não saía da 4ª série, os intervalos eram separados, eles não se envolviam com os ouvintes. Então era uma coisa que surdos tinha um monte deles dentro daquela sala de aula.
- Totalmente à parte dos ouvintes.
- À parte dos ouvintes, então muitas vezes eu questionei para incluir ela em uma sala regular, me responderam que ela não iria aprender, isso tudo foi mudando a minha forma de pensar e aquela visão que eu tinha de que “aquilo ela melhor pra ela”. Foi bom, foi importante porque ela começou a aprender LIBRAS, ela começou a desenvolver coisas que ela não desenvolvia, mas nesse contexto foi ficando muito restrito porque ela podia muito mais. Mas foi ficando ali, limitado. Então chegou ao ponto que eu resolvi tirar ela de lá.
- Que idade a Taíse tinha quando você decidiu tirar ela daquela escola?
- Ela tinha 10 anos na época, como eu já trabalhava numa escola municipal e tive apoio da diretora de lá ela disse: - Vamos colocar ela aqui, vamos fazer todo o possível. Então eu realmente “arranquei” ela daquela escola e coloquei na outra, porque eu fui contra tudo e contra todos: contra as pessoas da escola, contra a minha família... Porque ninguém queria.
-  Houve resistência então da tua família.
- Sim, resistência da minha família. Tinham muito medo de colocar ela numa rede regular, uma sala com 20/30 alunos, realmente era uma realidade totalmente diferente da dela. Mas eu tive de encarar isso. Até mesmo porque nessa época só se falava de inclusão, as pessoas surdas já não tinham mais espaço, as classes especiais eram para ser excluídas, mas aí também eles não estavam sendo incluídos em lugar nenhum. Foi uma decisão de tentar mudar isso, então ou escolhia deixar ela naquela classe especial “não se sabe até quando” ou tentava mudar ela para que viesse a melhorar e se desenvolver. Então coloquei ela naquela escola municipal, claro que chegamos lá e não tinha intérprete e nenhum professor na área de LIBRAS, foi tudo difícil no começo. Mas continuei buscando apoio, fui atrás do que ela precisava que primeiro era um intérprete porque ela já era fluente em LIBRAS, portanto toda a aprendizagem dela iria ser desenvolvida em LIBRAS, ela precisava de um intérprete. Então busquei na secretaria, por 3 vezes não fui recebida pela secretária, depois fui conversar com o prefeito e nesse momento ele mandou que contratasse um profissional intérprete. Demorou mais ou menos 3 meses até que conseguiram colocar um intérprete na escola e dentro disso, no primeiro contato foi bem difícil porque a Taís também resistiu, ela se sentiu perdida naquele espaço em que só ela era surda, todos eram ouvintes, então era bem complicado pra ela enfrentar isso mas eu apoiei ela e continuei insistindo que isso era o melhor pra ela e ela começou a se desenvolver, criar laços e também a ensinar pros colegas a LIBRAS. Foi um trabalho bem legal porque ela começou a ensinar e até hoje ela tem amigas daquela turma lá.
- Daquela época?
- Até hoje ela tem amigas daquela turma lá. E depois desse processo ela começou a pensar: “Ah, isso tá ficando legal, porque eu estou começando a aprender em LIBRAS.” Nesse contexto ela foi se desenvolvendo, tivemos muitas dificuldades em relação à metodologia de ensino, em relação a professores, porque é um impacto muito grande chegar e colocar um aluno surdo e o professor ter que saber que tem de dar uma aula um pouco diferenciada, que tem que mudar algumas coisas. Mas, com jeito nós sempre conseguimos organizar.
- Então acontece uma resistência por parte dos professores com alunos surdos?
- Não chega acontecer uma resistência, mas o medo do desconhecido, de talvez não saber como trabalhar dessa forma, por exemplo: Tinha uma professora que trabalhava muito com música, e na aula de música a Taís ficava “boiando”, então nessas aulas a Taís dizia pra mim “a professora só trabalha música”. Aí eu disse “filha, explica pra ela que você é surda”. Isso aconteceu, no dia que a professora entrou na sala, a aula da professora era maravilhosa pelo que eu conhecia, mas uma aula boa para ouvintes.
- Sim.
- Então a Taís ficava sem compartilhar daquela aula, porque era trabalhado só música, então é complicado. Num momento ela fez isso, disse: “Profe., você se esqueceu que sou surda?”.  E a Profe. disse então que não sabia o que iria fazer, no momento não era uma coisa que ela não queria, ela não sabia como lidar. A professora me procurou, ela queria que eu auxiliasse ela, eu auxiliei no sentido de como levar algo relacionado a música. Então, nesse trabalho eu auxiliei muitos professores dizendo: “Ah, a gente pode usar isso, pode usar aquilo.”, foi assim que a gente foi fazendo em todo esse processo do 1º grau dela até a 8ª série né. E foi o momento em que eu tive esse envolvimento mais direto com esses professores, porque eu trabalhava com isso nas escolas, então ficou mais fácil nesse contexto em que eles me procuravam, eram acessíveis. Alguns resistiram no começo, mas depois foi feita essa jogada porque eu nunca cheguei assim e disse: “Professor, você tem que fazer isso, é assim e pronto. A Lei diz isso e pronto”. Não era assim que funcionava sabe, eu sempre conversava: “Acho melhor assim...”. Pedia que primeiro elas se manifestassem, porque é sempre importante que elas se manifestem do que a pessoa surda se manifeste. E depois eu auxiliava.
Mas foi tudo bem, ela não repetiu nenhum ano, não perdeu nenhum ano e conseguiu terminar o Primeiro Grau, né.
- Como é que foi pra ela entrar no Segundo Grau?
- Aí também foi uma nova batalha, porque ela mudou para uma escola Estadual e também não tinha intérprete de LIBRAS onde ali era mais necessário ainda pois eram várias disciplinas. Era um contexto totalmente diferenciado porque era numa escola com quase 2 mil alunos, era bem cobrado, mas no contexto de socialização e de aceitação dela foi bem, porque ela já vinha desse trabalho de inclusão, ela já estava...
- Ambientada.
- Totalmente localizada, né. E ela chegou bem, até mesmo porque ela trouxe colegas de lá, que vieram de lá, então ela não estava mais “perdida”. Apesar de ser uma escola enorme, com quase 2 mil alunos, ela tinha os colegas que ela trouxe junto, né. Então todos já ficaram na mesma turma e isso facilitou a comunicação. Mas no primeiro momento foi uma novidade muito grande, até mesmo pra escola porque foi a primeira aluna surda que entrou na escola, mas também tive apoio da Direção, tive apoio de vários professores que sempre me auxiliaram e que estavam ali tentando. Só que dentro deste contexto a gente estava procurando um intérprete e eu só consegui colocar um intérprete lá no segundo trimestre com uma liminar judicial. Porque eu vi na secretaria e não existia nenhum cargo de intérprete no Estado, então consegui isso através de uma liminar judicial e de lá então veio todo esse processo que continuou todo esse trabalho até ela se formar, né.
- Até ela se formar no Segundo Grau.
- Até ela se formar no Ensino Médio. E ela se formou, foi tranquilo também não perdeu nenhum ano, passou várias intérpretes por lá, alguns que se formaram junto com ela também. Mas ela conseguiu, né. E agora ela está cursando faculdade, ela faz Design na Unijuí em Ijuí/RS, já está no segundo semestre, e lá tem 6 intérpretes que tem lá. Então tem uma troca de intérpretes, mas ela está muito bem. Esse semestre ela foi bem nas notas e agora tá indo.
- Tá prosseguindo com os estudos.
- Tá prosseguindo com os estudos.
- Isso é muito legal de ver esse tipo de desenvolvimento, né.
- Sim, nossa. Ela passou muita coisa, mas ela nunca desistiu. Tinha uns momentos que ela achava assim: “ah mas é muito difícil, é complicado”. Mas daí eu sempre dizia pra ela: “nada é fácil, nada é fácil, também é complicado pra um ouvinte, não é porque é ouvinte ou surdo que é diferente. Se tu tens ou não tens outras dificuldades tu vais aprender igual, só que as barreiras existem, tem que ‘correr atrás’ ”. E ela sempre “correu atrás” né, ela trabalha durante o dia e estuda de noite, faz 2 anos que ela trabalha numa empresa de Contabilidade, ela é auxiliar-administrativa. Ela sai direto do trabalho e vai pra faculdade. E tá bem feliz.
- Mas é interessante saber essa parte da felicidade da pessoa.
- Sim.
- Conseguir os objetivos.
- Ela é uma pessoa realizada. Eu vejo ela como uma pessoa realizada, e tenho certeza que ela vai chegar muito mais longe, que ela vai terminar a faculdade dela, já pensa em fazer outras coisas, fazer especializações. Na verdade ela queria fazer Designer em Moda né, mas ainda não conseguir ir, mas talvez no futuro ela vai fazer. É um objetivo, então ela que vai buscar.
[risos]
- Então, muito obrigado Cláudia pelo seu depoimento, pela entrevista. E vamos encerrar o vídeo por enquanto.
- Tá bem então, de nada. [risos]

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