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A Jurisprudência total deve ser vista como obra exemplar da sabedoria jurídica.

Por:   •  17/4/2017  •  Trabalho acadêmico  •  34.164 Palavras (137 Páginas)  •  231 Visualizações

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JURISPRUDÊNCIA ROTAL

(doutrina e jurisprudência).

Pe. Mario Luiz Menezes Gonçalves

2016

“Lex imponitur aliis per modum regulae et mensurae”

   (Santo Tomás, Summa Theologiae, I-II, 90, 4).

Discurso do papa Bento XVI à Rota Romana (26 de janeiro de 2008)

A celebração do primeiro centenário do restabelecimento do Tribunal Apostólico da Rota Romana, sancionado por São Pio X em 1908 com a Constituição apostólica «Sapienti consilio», (...) torna ainda mais vivos os sentimentos de apreço e de gratidão com que me encontro convosco. (...) O valor da jurisprudência rotal não é uma questão fatual de tipo sociológico, mas é de índole propriamente jurídica, porque se coloca ao serviço da justiça substancial. Portanto, seria impróprio reconhecer uma contraposição entre a jurisprudência rotal e as decisões dos tribunais locais, os quais são chamados a realizar uma função indispensável, ao tornar imediatamente acessível a administração da justiça, e ao poder averiguar e resolver os casos na sua consistência por vezes ligada à cultura e à mentalidade dos povos.

O direito não pode ser reduzido a um mero conjunto de regras positivas que os tribunais são chamados a aplicar. O único modo para fundar solidamente a obra jurisprudencial consiste em concebê-la como verdadeira prática da «prudentia iuris», de uma prudência que não é absolutamente arbitrariedade ou relativismo, porque consente ler nos acontecimentos a presença ou a ausência da específica relação de justiça que é o matrimônio, com a sua real espessura humana e salvífica. Só desta forma as regras jurisprudenciais adquirem o seu verdadeiro valor, e não se tornam uma compilação de regras abstratas e repetitivas, expostas ao risco de interpretações subjetivas e arbitrárias.

(...) A jurisprudência rotal deve ser vista como obra exemplar da sabedoria jurídica. (...) Na Igreja, precisamente devido à sua universalidade e à diversidade das culturas jurídicas nas quais está chamada a trabalhar, há sempre o risco que se formem, «sensim sine sensu», "jurisprudências locais", cada vez mais distantes da interpretação comum das leis positivas e até da doutrina da Igreja sobre o matrimônio. Faço votos por que sejam estudados os meios oportunos para tornar a jurisprudência rotal cada vez mais claramente unitária, assim como efetivamente acessível a todos os agentes da justiça, de forma a encontrar aplicações uniformes em todos os tribunais da Igreja.

Nesta ótica realista deve ser compreendido também o valor das intervenções do Magistério eclesiástico sobre as questões jurídicas matrimoniais, inclusivamente os discursos do Romano Pontífice à Rota Romana. Eles são uma guia imediata para as ações de todos os tribunais da Igreja porque ensinam com autoridade o que é essencial sobre a realidade do matrimônio. O meu venerado predecessor João Paulo II, no seu último discurso à Rota, advertiu contra a mentalidade positivista na compreensão do direito, que tende para separar as leis e as orientações jurisprudenciais da doutrina da Igreja. Ele afirmou: «Na realidade, a interpretação autêntica da palavra de Deus, realizada pelo magistério da Igreja, tem valor jurídico na medida em que se refere ao âmbito do direito, sem ter necessidade de qualquer ulterior passo formal para se tornar jurídica e moralmente vinculante. Depois, para uma sadia hermenêutica jurídica é indispensável captar o conjunto dos ensinamentos da Igreja, colocando organicamente cada afirmação no centro da tradição. Deste modo poder-se-á evitar quer interpretações seletivas e deformadas, quer críticas estéreis a passos individuais» (A.A.S 97 [2005], p. 166, n. 6).

Comentário:

 

Na aproximação do centenário do restabelecimento do Tribunal Apostólico da Rota Romana, pela Constituição Apostólica Sapienti consilio (29-VI-1908) de S. Pio X – o precedente Tribunal, cujas raízes se encontram no séc. XIV, tinha cessado a sua actividade com o desaparecimento dos Estados Pontifícios (1870) –, Bento XVI quis reflectir sobre «o valor da jurisprudência rotal no conjunto da administração da justiça na Igreja».

Segundo a Const. Apost. Pastor bonus, a função da Rota Romana é tripla: a) é o Tribunal superior de apelação da Santa Sé; b) providencia à unidade da jurisprudência; c) com as suas sentenças, ajuda os Tribunais inferiores. Daí que os Papas anteriores se tenham dirigido habitualmente aos membros do Tribunal, dando orientações sobretudo a respeito das causas matrimoniais.

Donde vem a relevância jurídica das sentenças rotais? Em primeiro lugar, do valor dos precedentes judiciais, sobretudo tratando-se de um Tribunal de última instância, que influi nas sentenças dos Tribunais inferiores, dando critérios a seguir na vida eclesial.

Daí quis o Papa ressaltar a importância de se chegar na Rota Romana a uma jurisprudência comum, a uma «unidade nos critérios essenciais de justiça», como «bem eclesial público de particular importância».

Com efeito, os tribunais locais permitem que a justiça seja imediatamente acessível, tendo em conta a cultura e a mentalidade particulares. Contudo, as suas sentenças devem estar «fundamentadas nos princípios e nas normas comuns de justiça», dada a comunhão na Igreja.

Nestes cem anos, a jurisprudência da Rota Romana ofereceu um contributo significativo no campo matrimonial, concretizado na codificação vigente. Como conseguir essa jurisprudência unitária que pretende o Papa, isto é, uma comum interpretação e aplicação das actuais normas jurídicas? É sabido que, presentemente, a jurisprudência da Rota Romana é contrastante em vários temas, e os juízes diocesanos seguem naturalmente a linha que lhes parece mais adequada. Penso que a via será os auditores rotais continuarem no sulco da tradição canônica e da doutrina da Igreja, secundando nas suas sentenças as orientações que têm sido dadas pelos Papas, como manifestação da vontade do legislador.

Bento XVI chama a atenção para o fato de a aplicação da lei canônica exigir que se apreenda bem qual é a essência do matrimônio, o que nos leva a reflecir. Com efeito, para decidir sobre a existência ou não de um matrimônio concreto, é necessário saber claramente o que é o matrimônio, essa realidade antropológica, teológica e jurídica. A decisão traduz sempre a ideia que se tem do que é o matrimônio. Ora acontece que, presentemente, não existe na doutrina canónica unanimidade nem claridade sobre qual é a essência do matrimônio; mais, afirma-se que não se trata de um assunto prioritário. Antes do Vaticano II, eram desautorizadas pela Santa Sé as opiniões contrárias à então doutrina tradicional; a partir do Concílio, uma ampla corrente pretendeu rever a doutrina para a adaptar à cultura contemporânea, chegando-se a um certo estado de confusão, com consequências na resolução das causas matrimoniais. Talvez a explicação esteja em não se saber como conjugar o aspecto canónico do matrimônio (a sua validade) com o seu aspecto personalista (a vivência do casal).

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