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Crítica utopia

Por:   •  5/6/2015  •  Trabalho acadêmico  •  2.274 Palavras (10 Páginas)  •  191 Visualizações

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O humano medieval era dotado de laços subjetivos com os valores absolutos e com a ideia de ordem eterna. Este era o imaginário tradicional, no qual o homem via diante de si um mundo estático construído pelo estigma da cópia. O moderno, por sua vez, é um ser autônomo. Ele não desmente a visão realista do existir tradicional, mas duvida que os princípios de sua imobilidade surjam de uma causalidade cósmica universal. Com esse corte, é agora possível experimentar a vida como obra a realizar, isto é, com o destino aberto e não predeterminado.

A modernidade vai assumir uma forma histórica e a coerência com a consciência genética obriga a erguer a cultura pelas medidas do relativo, mantendo os seus mecanismos autorreprodutivos permeáveis à negação e à inovação.

A fundação moderna terá de se deslocar progressivamente da consciência histórica, sob a ótica do absoluto, em busca de fundamentos antropológicos e divinos que justifiquem as suas construções culturais. Ainda quando a modernidade contemple a historicidade humana, ela será concebida como percurso gestatório do fim dos tempos, e, desta forma, será uma sequência da evolução do ser rumo ao Progresso.

A instauração da crise dos fundamentos modernos atinge todos os elos da construção cultural, iniciando-se a crucificação do sujeito. Quando os fenômenos históricos são interpretados sob a hipótese do determinismo do progresso, o humano aparece como mera criatura e a história se torna um mistério, sem se ter noção de qual a sua fonte, uma vez que o Divino não poderia produzir algo tão imperfeito, enquanto que a natureza não seria capaz de fazer tamanha subjetividade. Este é, portanto, o momento em que ocorre o eclipse do espírito utópico.

Os padrões da modernidade absolutista colocam a utopia em crise permanente. Enquanto se perpetuarem, jamais se retomará a cultura do sujeito, tampouco desabrochará, uma vez mais, o ânimo transcendente. Essa crise do utópico manifesta-se sob formas específicas ao sabor das circunstâncias, embora estas reflitam também uma lógica progressiva da coisificação humana intrínseca à práxis absolutista. Significa dizer que as formas de expressão de crise estarão se distanciando cada vez mais das noções de sujeito e de utopia. Ao mesmo tempo, as concepções deterministas do mundo histórico irão se fechar, em nome do Progresso, a qualquer reconhecimento da autonomia humana.

Mannheim já apontava para o desfalecimento do utópico nas primeiras décadas do século anterior, concomitante à emergência do cientificismo. A ilusão do historicismo do século XIX era de que as construções históricas se faziam à luz de uma determinação evolucionária, completamente à margem da imaginação e do desejo humanos. Assim sendo, não existia arbitrariedade e nem um sujeito soberano, dono de seu destino e de suas convicções.

A credibilidade do cientificismo evaporou, recolocando a responsabilidade pelo futuro nas mãos do sujeito ético, que, por sua vez, não reage já que experimenta um surto de descrença num devir radical, diante dos males da modernidade capitalista. O indivíduo torna-se deprimido, submerso em suas crises internas e indiferente ao que o cerca. A estratégia existencial termina limitada por um pragmatismo totalmente paradoxal, que somente almeja uma sobrevivência segura e prazerosa em meio ao modo de ser do capitalismo.

A vida deixa de ser obra e predestinação, pois esta também representa um comando teleológico. Aposta-se agora numa experiência existencial sem sentido, aportada pura e simplesmente no trabalho e no consumo. Esta é, portanto, a marca fundamental da chamada cultura pós-moderna. Na suposta falência de todas as outras experiências, a nova civilização passa a ser vista como a última das culturas, bem como a melhor de todas elas.

O "fim da utopia" atinge o seu auge no quadro contemporâneo, quando a consciência do presente debruça-se sobre si mesma numa abstração atemporal que apaga do olhar humano as luzes do passado e do futuro e revela, enganosamente, o dado como uma pesada fatalidade.

A queda do comunismo foi recebida dramaticamente pelo espírito utópico, que se despedaçou, e foi também utilizada ideologicamente pelo Capital como um desmentido inapelável de todo ideal de perfeição. O futuro foi posto em questão: deixou de encarnar a promessa de felicidade e passou a ser imaginado como a região da dúvida.

A tragédia comunista foi, no entanto, tão impactante para o espírito utópico quanto para a ideia da história-evolução que o cientificismo sustentava. A velha imagem do devir como um passo irreversível do progresso humano se desmanchou nos sucessivos reencontros com o passado que a experiência comunista protagonizou. Contudo, o espírito utópico, embora alquebrado, livrou-se da saga do evolucionismo e encontra-se novamente livre para criar.

O futuro é o portador de uma ilusão: a imagem do melhor escondia os contornos de um mundo perverso. O realismo antropológico justifica a imperfeição do mundo capitalista, tomado pela opressão e pela exploração. Diante disso, o desejo de transcendência refluiu para uma depressão, sendo então ultrapassado pelo fluxo ascendente do pragmatismo burguês.

A visão fatalista da globalização também está presente na vida prática "pós-moderna". A partir de 2008, eclode uma crise sui generis na trajetória da economia capitalista, provocada pela ganância desregrada dos principais agentes econômicos. O conflito não provém de um desequilíbrio transitório no âmbito da dinâmica sistêmica, mas sim da ação de uma subjetividade delirante, que segue rigorosamente o comando axiológico da escatologia do lucro.

A globalização revela, assim, sua verdadeira face, isto é, a de um projeto imperial da dominação e da acumulação capitalistas. Os mercados são desnacionalizados em nome da livre concorrência internacional. Com isso, estimula-se a concorrência de vida ou morte, com o intuito de eliminar-se o maior número de concorrentes. Caminha-se, dessa maneira, a passos largos para a configuração de um reino do monopólio econômico. O mundo e o destino humanos há um bom tempo já são reféns dessas gigantescas corporações mercantis, enquanto elas próprias permanecem inteiramente alheias a esse mundo e a esse destino.

A vida contemporânea carece de valores alternativos no circuito das representações simbólicas, o que garante o monopólio capitalista do universo ideal. O campo dos valores é substituído pelo culto do narcisismo materialista, bloqueando a consciência da sublimidade e da sociabilidade humanas.

No momento em que desabrochar uma nova disposição à transcendência, o espírito crítico-criativo saberá reconhecer no sistema ético-cultural vigente um arremedo de modernidade construída em nítida oposição às imagens originais dos novos tempos, estampadas no decurso de um longo movimento renascentista.

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