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Quando A Lei é Surda - Resumo -psicologia Forense

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Por:   •  28/3/2014  •  3.450 Palavras (14 Páginas)  •  712 Visualizações

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Quando a lei é surda: um caso recente na história da relação entre psicologia e direito

 

RESUMO

Este trabalho apresenta uma análise do caso de José, um surdo-mudo que foi tomado como louco e, por ter sido acusado de tentativa de homicídio, foi condenado ao internamento em hospital psiquiátrico. O caso é um exemplo do que Michel Foucault chama de ubuesco e ilustra as relações entre a Psicologia e o Direito, em especial os fundamentos políticos da psicologia forense.

Palavras-chave: surdez; ubuesco; Foucault; Direito; subjetividade

Xibolete: Sentença de Morte?

Há um episódio da história judaica que gostaríamos de usar aqui como alegoria sobre o caso que iremos apresentar. Os habitantes da tribo Efraim tentavam fugir do massacre militar que a tribo de Gileade lhe impôs. Tinham que atravessar, disfarçados, o rio Jordão, mas para isso precisavam passar pelos guardas gileaditas. Estes submetiam todos aqueles que desejavam fazer a travessia a um simples teste: deviam dizer a palavra xibolete que, em hebraico, significa espiga. Os efraimitas não conseguiam dizer o som do /x/ e diziam "sibolete". A pronúncia dessa palavra era, ao mesmo tempo, a denúncia de sua origem e, consequentemente, sua sentença de morte (cf. Juízes, 12:5-6, em A Bíblia Sagrada). Quarenta e duas mil pessoas foram mortas, ainda segundo o relato bíblico. Ainda hoje, a palavra xibolete é usada como sinônimo de senha ou palavra que identifica o pertencimento a um grupo. Mas, não é esse o detalhe que queremos evidenciar nessa trágica história. Trata-se de tornar visíveis os efeitos mortíferos causados por uma impossibilidade de dizer. Se os efraimitas foram mortos por sua incapacidade de pronunciar corretamente a palavra, veremos, no caso analisado a seguir, o que um surdo sofre quando sua "palavra" não é compreendida. Guardadas as devidas proporções – como pede toda alegoria – vejamos como se dá a travessia desse sujeito que não sabia pronunciar a palavra "certa".

 Um Surdo no Tribunal

Reconhecendo a necessidade de promover o acompanhamento2 dos acusados sob suspeita de sofrimento mental e o tratamento dos pacientes judiciários submetidos à medida de segurança, e garantindo a efetividade das sentenças judiciais, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais - TJMG criou, em 2000, o Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário Portador de Sofrimento Mental (PAI-PJ). Esse programa tem a finalidade de fornecer à autoridade judicial subsídios para decisão nos incidentes de insanidade mental e promover o acompanhamento da aplicação das medidas de segurança ao agente infrator, tanto na modalidade de internação quanto na modalidade de tratamento ambulatorial (TJMG, 2001). Foi por meio desse programa que tivemos acesso ao caso que iremos analisar.

Desde já, ressaltamos que o caso em questão é um daqueles que Michel Foucault designou ubuesco. O termo faz referência ao personagem de Alfred Jarry, o Rei Ubu, que governava de forma grotesca e violenta. O poder do Rei Ubu serve de alegoria para o absurdo dos atos de poder. Foucault toma como ubuescos os discursos médico-judiciários que visam a atestar a periculosidade de alguém. São discursos com estatuto científico, pois são ligados à medicina; pelo poder decisório que possuem, são discursos de vida e de morte – ou, no caso apresentado a seguir, de liberdade ou reclusão; e, ainda, talvez, o mais trágico: são discursos que fazem rir (Foucault, 1975/2001).

São as seguintes as informações recolhidas dos autos judiciais, levemente modificadas a fim de preservar a privacidade de José, como desejamos aqui nomeá-lo. Ele era surdo-mudo, recebeu uma medida de segurança por ter sido considerado inimputável num processo de tentativa de homicídio e quase esteve internado por anos em manicômios por determinação judicial. Cumpria a medida de tratamento ambulatorial, mas tinha um comportamento preocupante, pois se recusava a ser acompanhado pela saúde mental e não fazia uso de medicação psiquiátrica. Sempre que a equipe de acompanhamento o atendia, era necessário que um intérprete da LIBRAS23 estivesse presente, para servir de mediador, e mesmo este tinha dificuldades para entendê-lo. Em resumo, os adjetivos que o descreviam eram o de ser surdo-mudo, louco, agitado, criminoso e perigoso.

 A História dos Autos

Temos uma primeira descrição de seu crime presente no expediente policial. Lá se afirma que o denunciado, utilizando-se de instrumento cortante, desferiu golpe contra a vítima causando-lhe lesões. Ele atacou a vítima de surpresa, não dando a esta a mínima chance de se defender. Nesse documento, em busca de uma explicação para o crime, foi dito que, quando crianças, denunciado e vítima desentendiam-se frequentemente, razão pela qual o denunciado quis se vingar, tentando matar a vítima, sem, no entanto, conseguir cumprir sua meta. Já num momento posterior, em depoimento, José, acompanhado de seu pai, que assinou suas declarações e que, apesar de não compreender o paciente muito bem até hoje, curiosamente, serviu de intérprete, confirmou o que constava no Boletim de Ocorrências. Ainda, acrescentou-se que o declarante é uma pessoa muito nervosa, mas não faz uso de remédio controlado.

O depoimento seguinte teve a presença de um intérprete e, coincidentemente, temos um texto mais extenso, afirmações mais completas, ricas em detalhes como, aliás, é característico das descrições dos surdos-mudos. É um texto que apresenta dados contraditórios com o primeiro. Temos descrições de "sacanagens" que a vítima fazia com o declarante desde pequeno e que persistiram até a idade adulta, informações de que ele agira em legítima defesa sem intenção de matar a vítima, afirmações de como o declarante não gosta de brigas e faz de tudo para evitá-las, além de inúmeros detalhes sobre o dia do crime.

"Ser surdo é, em primeiro lugar, não ser escutado" (Mortez, citado por Benvenuto, 2006, p. 227). Essa é a primeira constatação a se fazer diante dos depoimentos de José. Como precisa de um intérprete para dizer o que pensa, a chance de não ser escutado ou mal-interpretado é sempre grande. Como é típico no caso das minorias oprimidas, sua voz é sempre

A Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) foi reconhecida como meio legal de comunicação e expressão pelos surdos do Brasil pela Lei nº 10.436 de 24 de abril de 2002. De acordo com essa lei, a LIBRAS é a forma de comunicação e expressão de ideias e fatos em que o sistema linguístico, com estrutura gramatical própria,

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