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Epistemologia da Musicologia Contemporânea

Por:   •  21/1/2019  •  Artigo  •  2.393 Palavras (10 Páginas)  •  163 Visualizações

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“Epistemologia do trabalho musicológico”

Beatriz Magalhães Castro (UnB)

[Agradecimentos]

Propomos nesta breve discussão uma revisão da epistemologia do trabalho musicológico no contexto dos arquivos e edições musicais e no contexto mais amplo da musicologia (dita nova, crítica, etc), ou simplesmente musicologia, como percebida nas suas atualizações pós-estruturalistas. Enquanto exercício epistemológico, focado sobre aquilo que se busca problematizar, poderíamos perguntar:

  • O que é conhecimento? (científico, sistemático) em música?
  • Como este conhecimento é adquirido?
  • Como sabemos o que sabemos?

As mesmas perguntas poderiam ser feitas em relação aos paradigmas do conhecimento musicológico e do fazer musicológico no Brasil, seja a partir do conhecimento a priori como aquele a posteriori, neste caso, a partir da experiência acadêmica e de pesquisa no país. Desta forma no mesmo exercício perguntaríamos:

  • O que (ou que) é conhecimento (científico, sistemático) em música (no Brasil)?
  • Como o conhecimento é adquirido (no Brasil)?
  • Como sabemos o que sabemos (sobre, do e no Brasil)?

Estas questões embora aparentemente inócuas ou com respostas possivelmente ligeiras podem, contudo, deixar transparecer uma realidade bastante mais complexa. Afinal, desde quando podemos afirmar que tenha havido uma consolidação de estudos sistemáticos em música no país? Sob que formas ou estruturas oferecemos para a formação de novos pesquisadores? Que estruturas de pesquisa oferecemos no país para a difusão do conhecimento e do conhecimento gerado no país? Que formas de avaliação ou de retro- ou antro- alimentação dispomos? E por fim, sob que enquadramento epistemológico trabalhamos em musicologia no Brasil?

Um conjunto de complexidades ainda nos espera quando evocamos particularidades do desenvolvimento destes paradigmas no Brasil, sempre presentes de forma supostamente adiada, diferida, posposta, procrastinada, em relação ao desenvolvimento de outros países, principalmente na Europa e Norte América. Mas “porque” e “como” isto se dá?

Bachelard em “La formation de l'esprit scientifique” (1938) demonstrou como o progresso da ciência poderia ser bloqueado por certos tipos de padrões mentais, criando o conceito de obstáculo epistemológico (“obstacle épistémologique”). Uma tarefa do exercício epistemológico seria então tornar evidentes os padrões mentais usados (no caso na ciência), para ajudar (os cientistas) a ultrapassarem os obstáculos ao conhecimento.

Conhecemos os vários exemplos na história da formação intelectual do Brasil, como estes encontrados na Exposição Nacional de 1861, levada depois a Londres, onde o stand brasileiro externava de forma quase caricatural, o convívio dum paradigma extrativista com um paradigma industrial empresarial, como a seguir,

[pic 1]

[pic 2][pic 3]

Esse convívio tautócrono entre teorias e paradigmas, mesmo que pertencentes a momentos históricos distintos se, pode ser considerado como uma característica dos processos de fricções culturais num mundo em crescente globalização, pode também denotar um empréstimo necessário para a construção de novos paradigmas/epistemes na e da cultura.

Neste processo temos que de qualquer forma nos perguntar quais obstáculos epistemológicos terão (ou não) sido ultrapassados, nos tornando aquilo que, digamos, hoje somos, trabalhamos, criamos?

RATIO STUDIORUM

É inegável o peso da Ratio Studiorum jesuítica no ensino das artes nas redes dos colégios estabelecidos no Rio de Janeiro, Pará, Bahia e São Paulo, como forma de doutrinação (dos selvagens) do Novo Mundo.[1] A Ratio, logo transformada em lei, vigorou até 1773, quando a Ordem foi finalmente supressa no Reino de D. José I. Com o seu restabelecimento em 1814 pelo papa Pio VII, e com a restituição do Colégio Romano em 1824 pelo papa Leão X, foi necessária a sua revisão, ocorrida em 1832, contribuindo para a sua (também inegável) permanência no pensamento brasileiro.

Surgindo no âmbito da reforma da Universidade em Portugal promovida por D. João III, a ascensão dos jesuítas reveste-se de uma significação especial para o estudo das fontes filosóficas da formação cultural brasileira. Fundado no ano de 1548 em Coimbra, o Colégio das Artes tornou-se, a partir de 1555, ano em que passou a ser administrado pelos jesuítas, um centro de aristotelismo – o aristotelismo português – que se tornou a base da educação brasileira. Juntamente com a Universidade de Salamanca, constituíram-se nos principais eixos formadores do conhecimento e da cultura colonial, refletida nas esferas de uma pré-ciência, do direito e da religião. Nossa cultura filosófica, como simples reprodução daquilo que se pensava em Lisboa, justificava que no Rio de Janeiro, na Bahia, no Pará, a Companhia de Jesus mantivesse imitações do Colégio das Artes de Coimbra, onde se ensinava filosofia, teologia, humanidades e direito canônico.

Assim, a questão chave atravessando todo o pensamento escolástico – a harmonização das duas esferas da fé e da razão produzirá tensões em relação aos avanços do pensamento ocidental, especialmente nas fricções com o humanismo renascentista e a reforma protestante[2], e subsequentemente o iluminismo cartesiano[3].

Assim, o possível afastamento do Brasil da tutela intelectual de Portugal é dificultado pelo próprio afastamento de Portugal do movimento científico europeu do século XVII. Na sua reação face à eclosão da reforma protestante (1500s), com os jesuítas no comando (1599), a cultura filosófica portuguesa adormece no comentário teológico e a influência jesuítica fecha Portugal à renovação científica. Neste sentido, “transmitiram ao Brasil Colonial um humanismo anacrônico, de base erudita e de tendência dogmática” (BRAY, 2005).

Apesar da repercussão das ideias políticas e filosóficas da Revolução Norte Americana e Francesa persiste uma censura Portuguesa, em pleno século XVIII, contra aqueles que liam obras dos filósofos iluministas, “presos por praticarem o crime de enciclopedismo”. Assim, ao herdar a cultura filosófica (e ainda a cultura jurídica) de Portugal, a introdução do tomismo no Brasil pelos jesuítas, que detinham o monopólio do ensino na colônia, produziu uma formação escolástica aos primeiros letrados no início dum processo civilizatório brasileiro marcado pela reprodução daquilo que se aprendia nos centros de ensino na Metrópole.

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