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O Clovis ou a Criatividade Popular Num Carnaval Massificado

Por:   •  10/2/2023  •  Artigo  •  4.192 Palavras (17 Páginas)  •  68 Visualizações

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O Clovis ou a criatividade popular num carnaval massificado 1

Alba Zaluar Guimarães

Muito se tem dito sobre o fim do carnaval de rua ou, mais drasticamente, o fim

do carnaval na cidade do Rio de Janeiro. Aqui, dizem, a indústria do turismo ou os meios

de comunicação de massa, ao imporem seus padrões estéticos próprios de seu púbico

e ao exigirem a transformação dessa festa num espetáculo para turistas e

telespectadores teriam acabado com a espontaneidade a criatividade populares. O povo

aqui estaria sendo espoliado da sua cultura, roubado de suas formas de manifestação

mais autêntica. Esse diagnóstico pessimista parece-me estar preso, por um lado, a uma

concepção dualista da cultura – a popular em oposição à cultura erudita – sem que se

esclareçam as passagens e movimentos contínuos que ligam uma à outra, e, por outro

lado, ao simples desconhecimento do que se passa fora do centro da cidade, foco desse

carnaval massificado. Não pretendemos negar, portanto, que existam tendências à

massificação, mas sim negar que ela seja a única tendência presente na festa popular.

Sem quer dar conta de toda a sua história ou de todos os seus inúmeros e contraditórios

aspectos, escolhemos uma fantasia, uma brincadeira observada na periferia da cidade:

o Clovis 2 .

Esta escolha não é ingênua. Ela nos leva a duvidar da ideia que toma o carnaval

como um ritual domesticado, em que pobres e ricos se reúnem no espaço aberto pela

licença, pela libertação do corpo, pela sensualidade realizando uma trégua nos conflitos

e diferenças entre eles. O Clovis, ao contrário, nos faz pensar na ambiguidade da cultura

popular: autônoma mas eternamente dependente ou vinculada à cultura dominante,

irreverente mas submissa, contestatória mas deferente.

1

Este artigo foi Publicado nos Cadernos CERU, n. 11, 1976. Após um trabalho de campo realizado entre

dezembro de 1976 e fevereiro de 1977, a primeira versão foi apresentada na Reunião Anual da SBPC em

julho de 1977. Da discussão ficaram as sugestões de Antonio Augusto Arantes, Claudio Martins Neto e

Marlyse Meyer. A segunda versão foi apresentada na 1ª. Jornada de Especialistas do Carnaval, foi

parcialmente modificada em função das críticas de Maria Isaura Pereira de Queiroz que me levaram a

esclarecer melhor meu pensamento.

2

O Clovis foi “descoberto” ou trazido à área legitimada da cultura nacional por alguns artistas plásticos

que, fugindo à especulação imobiliária, refugiaram-se na periferia da cidade. Aloysio Zaluar, um destes

artistas, foi o primeiro a registrá-lo na sua pintura. Foi ele quem, além de me levar para conhecê-lo,

ajudou-me com sua presença amiga na pesquisa.

1Mas a recíproca não é verdadeira. Grande parte da população desses bairros é

originária do centro urbano, trazendo daí as manifestações carnavalescas tipicamente

cariocas, ou conhecidas como tal: as escolas de samba, o desfile das “bonecas”, os

blocos de sujo, que se misturam com as tradições locais. Entender o Clovis é situá-lo no

conjunto desses folguedos e fantasias, é ver as relações internas da sociedade local, com

seu elenco de personagens e representações, que se instauram durante o carnaval.

Observei o carnaval de rus pincipalmente em Pedra de Guaratiba, lugarejo rural

antes habitando quase que exclusivamente por pescadores e pequenos produtores –

meeiros, parceiros, posseiros e pequenos proprietários - mas que hoje apresenta sinais

visíveis de invasão por gente da cidade. Artistas, intelectuais ou funcionários

aposentados para lá se mudam, fugindo à carestia e ao burburinho do centro urbano do

Rio de Janeiro, junto com muitos trabalhadores urbanos pouco qualificados que,

expulsos da favela, são para aí empurrados. Carentes de recursos urbanos, tais como

água encanada, meios de transporte, escolas, cinemas, hospitais, esta vasta zona

oferece moradia mais barata para todos. Por outro lado, os antigos habitantes

diversificam suas atividades, passando a vender sua força de trabalho nas construções,

ou mesmo em fábricas, cujo número aumenta dia a dia naquela região. Em alguns casos,

especialmente entre os antigos pescadores, há substituição da ocupação anterior, ou o

completo abandono desta, com a consequente proletarização.

Pedra de Guaratiba já tem, portanto, uma aparência multifacetada sem que

apresente os contrastes gritantes observáveis imediatamente na cidade. Suas ruas

estreitas e a rodovia, os botecos e os restaurantes chiques, as casinhas simples e

coloridas bem perto das chácaras de classe média abastada não chocam pelo fosso

social que parece existir entre os habitantes de outras zonas da cidade. Por enquanto aí

convivem uma pequena classe média típica do subúrbio carioca,

...

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