A Mulher cantada em (per)verso e prosa: da naturalização ao empoderamento

A mulher cantada em (per)verso e prosa:

da naturalização ao empoderamento

Ciro José Tabet^[1]

Resumo:

Este artigo analisa letras de algumas obras da Música Popular Brasileira trazendo para o debate questões como a imagem da mulher “coisificada” vista como objeto de descarte. Em contraposição, analisa também letras de música que propõem a valorização do feminino. Propomos uma reflexão acerca dos avanços e retrocessos destas duas faces da atualidade musical brasileira, visto que a construção do feminino está atrelada à conjuntura cultural e social. O escopo deste trabalho pauta-se na discussão sobre recursos de linguagem, construção de modelos identitários, práticas sociais e dominação androcêntrica. O universo musical demonstra que, apesar da mulher ter alcançado reconhecimento em vários espaços da sociedade, ela ainda continua enfrentando forças contrárias e resistentes a esse reconhecimento, o que mostra que ainda há muito que ser feito para que a mulher seja plenamente valorizada na sociedade.

Palavras-chave: Música; linguagem; dominação masculina; empoderamento feminino.

Abstract:

This article analyzes the lyrics of some works of Brazilian Popular Music bringing to the debate issues such as the image of the "considered" woman seen as object of discard. In contrast, it also analyzes music lyrics that propose the appreciation of the feminine. We propose a reflection on the advances and setbacks of these two faces of the Brazilian musical reality, since the construction of the feminine is tied to the cultural and social conjuncture. The scope of this work is based on the discussion about language resources, construction of identity models, social practices and androcentric domination. The musical universe demonstrates that although women have achieved recognition in various areas of society, they still face opposing and resisting forces, which shows that there is still much to be done to ensure that women are fully valued in society.

Keywords: Music; language; male domination; female empowerment.

1. INTRODUÇÃO:

Pesquisas realizadas por Nascimento (2008) e Araújo (2013) demonstram a valorização ou a desvalorização da imagem feminina nas relações de gêneros em músicas de vários períodos. Rocha e Fazenda (2014) complementam que as músicas, dependendo de seu conteúdo, podem dar legitimidade a comportamentos que violam e constrangem a mulher. Daí, a importância da linguagem presente na letra das músicas que, segundo Louro (1997, p. 65) “não apenas expressa relações, poderes, lugares; ela os institui; ela não apenas veicula, mas produz e pretende fixar diferenças”.

Dessa forma, as músicas constituem pedagogias culturais de gênero cujos discursos ensinam modos de ser e de viver. Conforme Quad (2003,p.55), gênero “é o conjunto daquilo que se pensa sobre o masculino e o feminino”. Conforme Scott (1995), gênero é um elemento construído culturalmente e diz respeito à codificação e decodificação que um grupo social faz das diferenças sexuais e de seus significados

No mercado da música brasileira, encontramos frases de efeito que desqualificam a figura feminina. Mesmo com os avanços alcançados pelas mulheres nas diversas instâncias da sociedade, em pleno século XXI ainda é muito forte a tendência à “coisificação” nas músicas e peças publicitárias que reduzem a mulher ao seu corpo e enfatizam o quanto são “descartáveis”. No mercado fonográfico do país, principalmente no gênero musical funk, há muitas músicas que depreciam de forma contundente a mulher, tratando-a como objeto de prazer que deve ser descartado quando não lhe parece mais conveniente. Melhem e Rosa (2013) mencionam que não são raros os exemplos em que as próprias mulheres incentivam essa atitude, sustentando discursos machistas sem sequer o perceber, expondo-se voluntariamente à “coisificação”.

Por outro lado, existe um movimento em curso no Brasil contrário à veiculação de músicas de sucesso que trazem mensagens depreciativas para o universo feminino, cujos conteúdos passam despercebidos por muitas pessoas. Sucessos como “Nega do cabelo duro” e “Maria sapatão”, marchinhas clássicas do carnaval brasileiro, acabam sendo preteridas por apresentar mensagens politicamente incorretas e incompatíveis com a militância social observada na atualidade.

Ao analisarmos a história da música popular brasileira do século XX e início do século XXI, encontramos a reprodução do pensamento de cada época, na qual a imagem feminina é retratada conforme as relações sociais reinante entre homens e mulheres. Sant’Anna (1990,p.13) enfoca a música popular como produto cultural que “foi sempre o lugar das grandes confissões, porque nela o desejo sempre expôs sua ânsia de realização”.

Nesse sentido, Gomes (1996) defende que não podemos admitir a sociedade como um espaço neutro, e sim entendê-la como um ambiente permeado por contradições e conflitos que precisam ser problematizados, objetivando reduzir e quiçá eliminar as desigualdades entre os gêneros.

Dessa forma, este trabalho tem por objetivo observar como a mulher é retratada nas letras de algumas canções, analisando como a imagem do feminino é valorizada ou desvalorizada na música popular brasileira.

1. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS:

A pesquisa tem uma abordagem qualitativa viabilizada por meio de uma análise documental. Entende-se como documento a fonte de dados brutos para quem o investiga, cuja análise envolve um conjunto de operações, verificações e transformações realizadas a partir do mesmo com a finalidade de atribuir-lhe um significado relevante relacionado a um problema de investigação (CALADO; FERREIRA, 2004, p.3). Os documentos analisados foram letras de três músicas do universo popular brasileiro que trazem mensagens que ora valorizam, ora estereotipam a imagem da mulher que é cantada (como melodia ou como flerte), cuja mensagem pode ser depreciativa ou positivada.

Ao problematizar as músicas como veículo que pode contribuir para valorizar ou desvalorizar as mulheres, questionamos: Que mensagens acompanham as letras que retratam a submissão feminina ante o androcentrismo em pleno século XXI? Porque diversas músicas ainda vinculam a figura feminina a objeto de prazer, diversão e perversão?

Para uma análise que possibilita a compreensão acerca do tema proposto, as análises foram sustentadas por discussões trazidas por autores como Iara Beleli (2007), Luzia Rodrigues da Silva e Maria Cecília de Lima (2008) e Valdonilson Barbosa do Santos (2013) que nos embasarão na discussão com a utilização de recursos de linguagem, dominação masculina, empoderamento feminino, além de temas como gênero, cultura e identidade.