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Cosmonauta e ciência espetacular - Emanuel Galdino

Por:   •  13/7/2017  •  Artigo  •  1.378 Palavras (6 Páginas)  •  163 Visualizações

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O astronauta e a espetacularização da ciência – Por Emanuel Galdino

Quando iniciou as postagens de fotos do planeta Terra capturadas diretamente da Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês), o astronauta canadense Chris Hadfield não imaginava que se tornaria mundialmente famoso nas redes sociais Twitter e Facebook. De volta ao chão firme no último dia 13 de maio, após passar cinco meses no comando da missão 35, Hadfield já era conhecido como “Astronauta Pop”. O motivo para a plena conquista do espaço cibernético foram as mais de 25 milhões de visualizações de suas crônicas da vida no espaço contadas em pequenos vídeos no site YouTube.

As películas receberam total apoio da Agência Espacial Canadense (CSA) e mostravam como um astronauta faz suas refeições, chora, corta o cabelo, torce um pano molhado e faz exercícios físicos. Em termos de divulgação científica, o mais interessante era entender como o campo gravitacional no espaço agia sobre todos esses elementos e tornava um simples hábito diário em algo surpreendente. Hadfield era tão bom cientista quanto era showman e tratou de explicar cientificamente todos os “espetáculos” que encenava em rede mundial.

Todo o frenesi causado nas redes sociais não demorou muito para chegar à mídia tradicional. Sites, jornais e televisão internacionais, do Brasil e principalmente canadenses, trataram de propagar o nome do “Astronauta Pop” como “The guy who made space cool again”. A partir desse momento, apareceram inúmeros perfis e notícias destacando o poder de comunicação e simpatia do comandante da ISS. Apesar dessas reportagens serem publicadas na editoria de Ciência e Tecnologia (C&T) dos meios de comunicação, pouco se falou de ciência e o enfoque era mesmo o entretenimento, com destaque para o nível de divertimento que o público teria ao assistir os vídeos do astronauta. Até mesmo a imprensa diária canadense, que deveria realizar o papel de fiscalizadora das políticas públicas de C&T produzidas em seu país, pôs em prática uma cobertura onde ressaltava apenas o que é chamado pelos estudiosos de divulgação científica como espetacularização da ciência. A única menção na mídia mundial era que o astronauta foi designado para realizar uma caminhada espacial, experimentos científicos (quais?) e testar novas tecnologias (?).

Começo a pensar que Hadfield foi mesmo ao espaço para gastar os CAD$ 420 milhões dos contribuintes canadenses (orçamento anual da CSA), dar aulas de ciências de dentro de uma estação espacial e produzir um vídeo clipe de sua própria versão de “Space Oddity” do David Bowie, quando resolvo (eu mesmo) entrar em contato com a CSA e esclarecer a todas essas dúvidas. Afinal, quais experimentos científicos Hadfield foi fazer no espaço?

Escrevo então um simples e-mail me apresentando como jornalista brasileiro e solicitando informações sobre o trabalho do astronauta canadense na ISS. Quem me responde, poucas horas depois e com todas as perguntas detalhadamente respondidas, é Samir Goulamaly, assessor de comunicação da CSA. Goulamaly me apresenta então os cincos desenvolvimentos científicos canadenses que foram verificados

por Hadfield no espaço. São eles:

• BCAT-C1 - o experimento consistiu na dispersão de partículas em nanoescala em um líquido especial. A função do líquido era manter essas partículas em condições similares às encontradas na Terra. Essa pesquisa auxiliará no desenvolvimento de futuras tecnologias no que se refere a polimento de silicone para uso industrial;

• BP Reg – monitorou a pressão sanguínea dos astronautas com o intuito de prever o risco de desmaios após voos espaciais de longa duração;

• Microflow – é uma versão em miniatura de uma nova tecnologia que pode proporcionar rápida análise de testes de infecções sanguíneas;

• Radi-N2 – monitoramento da exposição de astronautas à radiação de nêutrons potencialmente perigosos;

• Vascular – estudou o impacto do voo espacial de longa duração nos vasos sanguíneos dos astronautas.

O que me deixou mais surpreso, no entanto, graças a um link enviado por Goulamaly, foi descobrir que o próprio Hadfield tinha feito seu dever de casa e gravou uma série de vídeos nos quais ele mesmo explicava a bordo da ISS cada um desses experimentos. Esses vídeos tiveram pouquíssimos acessos, por sinal, e não foram divulgados em nenhum momento pelos meios de comunicação de massa.

Com os nomes dos experimentos em mãos, passo então a procurar em mídias online alguma notícia na qual esses desenvolvimentos científicos foram mencionados. Acho uma única reportagem, com as mesmas informações minuciosas que me foram passadas pela comunicação da CSA, assinada pela repórter de ciência e tecnologia, Kate Allen, do jornal canadense The Toronto Star (www.thestar.com).

Será que os meios de comunicação não tiveram a mesma ideia de entrar em contato com a CSA ou preferiram insistir apenas no lado artístico e divertido de Hadfield? Até mesmo o Washington Post, que publicou uma matéria interrogando o que o comandante fazia de importante na ISS, não se deu ao trabalho de questionar essas supostas afirmações ao programa espacial canadense.

Ao tentar aproximar o conhecimento científico do público não especializado no tema, a imprensa optou por omitir fatos relevantes sobre a importância do programa espacial canadense. Falhou quando perdeu a oportunidade

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