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Família e trabalho na reestruturação produtiva: ausência de políticas de emprego

Por:   •  14/5/2015  •  Trabalho acadêmico  •  4.443 Palavras (18 Páginas)  •  126 Visualizações

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

 DESENVOLVIMENTO

CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


 APRESENTAÇÃO A superação das históricas desigualdades socioeducacionais no país requer um esforço gigantesco dos governos e da sociedade no desenvolvimento de ações concretas que ampliem as conquistas de cidadania. O reconhecimento político da educação como instância que contribui para a afirmação da cidadania constitui um impulso relevante para reforçar e ampliar as ações desenvolvidas pelos setores comprometidos com a transformação da sociedade e com a inclusão social. Em um país cujo modelo de desenvolvimento excluiu parcela significativa da população de ter acesso à escola ou nela permanecer, a agenda de inclusão educacional enfrenta grandes desafios no que se refere à universalização do acesso e permanência bem sucedida no sistema escolar. A garantia de educação para todos exige a promoção de políticas públicas consistentes e de largo alcance. Com a intenção de contribuir para a efetividade de políticas que buscam a afirmação de atores sociais tradicionalmente pouco considerados, a Universidade Federal de Pernambuco – UFPE consolidou, em dezembro de 2007, uma parceria com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação - SECAD/MEC visando a realização de atividades acadêmico-científicas para apoiar as políticas públicas voltadas à educação de jovens e adultos, educação e diversidade étnico-racial, educação do campo, educação indígena, educação especial, dentre outras. Esta parceria contou com o apoio da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), cuja experiência em projeto similar muito contribuiu para o desenvolvimento das ações programadas pela Coordenação de Educação a Distância da UFPE, setor ao qual esteve vinculado o Projeto Educação e Diversidade: estudos e ações em campos de desigualdades sócio educacionais. O apoio da ANPEd foi de fundamental importância para ampliar a participação da comunidade acadêmica nos esforços para a promoção da inclusão educacional, mediante as ações de formação continuada. No âmbito do Projeto, foram incentivados os estudos que contemplam, no campo educacional, as discussões sobre questões étnico-raciais, educação de jovens e adultos e educação do campo com o propósito de alargar o conhecimento nessas áreas. Os resultados deste esforço estão consubstanciados nos artigos que compõem a presente coletânea - Educação e Diversidade: estudos e pesquisas - que vem a público como uma inestimável colaboração de instituições e de pesquisadores comprometidos com a democratização da sociedade brasileira e com a oferta de uma educação de qualidade para todos. Universidade Federal de Pernambuco/Coordenação de Educação a Distância Coordenadora: Sonia Schechtman Sette Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade/MEC Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação Presidente: Márcia Angela da Silva Aguiar – Gestão 2005-2009EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE 9 O PROCESSO DE IMPLEMENTAÇÃO DA LEI Nº 10.639/03 NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DO RECIFE Claudilene Silva1 Introdução Em 2006, a percepção da resistência à inclusão da discussão sobre relações étnico-raciais e história e cultura afro-brasileira no interior das escolas da Rede Municipal de Ensino do Recife instigaram-nos a buscar respostas sobre os elementos motivadores do silenciamento da escola sobre as relações étnico-raciais na contemporaneidade2 . Por esse caminho nos deparamos com as possibilidades e limites do processo de discussão e implementação da Lei nº 10.639/03 na Secretaria de Educação, Esporte e Lazer do Recife. Tais estudos tomaram amplitude durante a investigação realizada para a construção da nossa dissertação de mestrado que versa sobre o processo de construção da identidade de professoras negras e seu efeito na emergência de práticas curriculares de enfrentamento do racismo no espaço escolar3 , cujos sujeitos foram professoras da referida Rede de Ensino. A Secretaria de Educação, Esporte e Lazer do Recife, instituição composta por oito diretorias gerenciais, dispondo na atualidade de 214 escolas, 58 creches, 19 escolas profissionalizantes, 119 escolas conveniadas e 25 creches conveniadas e atendendo a mais de 144 mil estudantes4 , costuma homenagear anualmente uma personalidade pernambucana. No ano letivo de 2004, homenageou Dona Santa. Reconhecida yalorixá recifense, falecida em 1962 que foi rainha do maracatu de baque virado mais antigo do Estado, o Maracatu Elefante, fundado há mais de cem anos. O calendário escolar e o caderno de textos produzidos para orientar professoras e professores sobre o processo de avaliação na organização da aprendizagem em ciclos5 traziam naquele ano uma imagem da Yalorixá. Entretanto, não traz referência sobre a abordagem da história e cultura afro-brasileira, nem também 1 Ativista Negra e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco claudilene.silva@ hotmail.com 2 Estudos financiados pela Fundação Ford, por meio do 4º Concurso Negro e Educação, coordenado pela Ação Educativa e a Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação (ANPED), desenvolvido sob a orientação da Profª Drª Maria Eliete Santiago – PPGE/UFPE. 3 Estudos realizados também sob a orientação da Profª Drª Maria Eliete Santiago – PPGE/UFPE. 4 Conforme informações disponíveis no site da Prefeitura do Recife: www.recife.pe.gov.br em 01/07/2009.10 EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE sobre a história dessa mulher, de maneira que, embora a escolha dessa personagem da história do povo negro do Recife para ser homenageada no ano de 2004 aponte para uma tímida inserção da discussão sobre o referido tema em sala de aula, aponta também para o modo como a questão estava sendo tratada pela Rede Municipal de Ensino do Recife: ainda de forma incipiente. A situação se torna relevante para a afirmação de que existe uma resistência ou uma dificuldade oficial da Rede Municipal de Ensino do Recife em tornar essa preocupação um debate permanente no espaço escolar (SILVA, 2006). Embora encontremos indícios de esforços para responder a demanda de valorização da dimensão étnico-racial na sala de aula, e até algumas iniciativas nesse campo, como é o caso da criação do Grupo de Trabalho da Educação das Relações ÉtnicoRaciais (GTERÊ) em 2006, também encontramos vestígios da superficialidade e precariedade com que a questão vem sendo tratada, mesmo considerando a presença marcante da população negra na cidade. Dados disponíveis do Censo de 20006 revelam que Recife possui 1.422.903 habitantes, que corresponde a 18% da população do estado de Pernambuco. Entre os habitantes do Recife, 46,50% são homens e 53,50% são mulheres. Somando homens e mulheres, 54% se declaram negros e negras (5,4% pretos e 47,9% pardos). Entre os homens, os brancos correspondem a 44% da população e os negros a 55%, entre as mulheres, as brancas representam 47% e as negras 52%. Também no Brasil a população negra constitui-se maioria7 . Contudo, a despeito dessa população constituir a maioria da população brasileira, o desejo de branqueamento do Brasil invisibiliza essa população em diversos campos da sociedade, inclusive na área da educação. Alguns estudos têm mostrado que o rendimento e a permanência escolar da criança negra acabam sendo condicionados por processos intra-escolares, uma vez que mesmo quando o nível sócio-econômico das famílias é equivalente, ainda assim em muitos casos os negros apresentam uma trajetória diferenciada que denota o fracasso escolar. Entre esses estudos estão: Fúlvia Rosenberg (1995), Hasenbalg e Silva (1999), Pinto (2003). Os processos 5 Ciclos de Aprendizagem – Olhares sobre as práticas nas escolas municipais – Leituras Complementares (2004). 6 Dados disponíveis no Diagnóstico da Desigualdade Racial na Cidade do Recife (2008) – Prefeitura do Recife; PNUD; DSID. 7 O Brasil é o segundo país no mundo em população negra, ficando atrás apenas da Nigéria, na África. Dados do IBGE para o ano 2007 apontam que a população brasileira é composta por 49,30% de brancos e 49,87% de negros (pretos e pardos), não chegando a 1% a população pertencente à outra raça ou etnia.EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE 11 intra-escolares aos quais se referem os estudos são mecanismos de discriminação étnico-racial no espaço escolar que, de modo geral, se expressam pela negação e invisibilização da população negra na escola. O racismo anti-negro, enquanto elemento estruturador das relações sociais que foram estabelecidas no Brasil, fundamenta-se na idéia de inferioridade do negro e superioridade do branco, o que justifica e consolida a escravidão a que os povos africanos foram submetidos. Para Gislene Santos (2002), os europeus trataram diferentemente os índios da América e os negros da África, porque embora considerassem os primeiros como primitivos, entendiam que eles eram dotados de uma pureza que não se estendia aos negros. “A cor que os distinguia dos brancos era estranha e pedia explicação. (...) Essa explicação tornava-se quase sempre justificativa de sua inferioridade natural” (p. 54-55). As investigações e as especulações sobre o ser do negro como um fenômeno diferente conduziram os europeus a ver a África como uma terra de pecado e imoralidade, que gerava homens corrompidos. Dessa forma, fundamentaram as teorias racistas do século XIX. Afirma a autora (p. 55): A Europa “civilizada”, branca, era tomada como paradigma para a compreensão da cultura do novo mundo, como se fosse possível fazer um transplante de valores. A biologia será a chave mestra para esta compreensão e, como já foi dito, fornecerá os elementos pelos quais a ideia de raça se transformará em racismo científico. A sociedade brasileira e suas instituições, inclusive a escola, vão se constituir em sintonia com esse projeto colonial que institui o racismo e as práticas racistas em suas instituições. Dessa forma, a sociedade em geral e a educação em particular assimilam e reproduzem o imaginário brasileiro a respeito da população negra, como uma população inferior. Durante anos a elite brasileira uniu esforços em busca de mecanismos que negassem nossa condição de país negro. Uma negação que tenta se perpetuar, mesmo na atualidade, quando o Brasil possui o maior contingente da população negra fora do continente africano. Ao longo da historiografia brasileira, o racismo tem se reatualizado e atuado continuamente na produção de desigualdades e subordinação. No Recife, 44,7% das pessoas que ocupam postos de trabalho mais 12 EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE vulneráveis são negras; 46,8% das que estão desempregadas também pertencem a essa população. O menor índice de desenvolvimento humano está localizado na zona norte – lugar que concentra o maior número da população negra da cidade. Os brancos possuem 85% de chances de frequentar uma escola. Os negros apenas 65% 8 . Na atualidade, o preconceito e a discriminação baseada em critérios étnicoraciais estão entre os principais motivadores da evasão escolar das pessoas negras. A escola como uma instituição que reproduz as estruturas da sociedade também reproduz o racismo, como ideologia e como prática de relações sociais que invisibiliza e imobiliza as pessoas, inferiorizando-as e desqualificando-as em função da sua raça ou cor. Buscando contribuir com a desconstrução desse processo, em 2003 é promulgada a Lei Federal nº 10.639 que institui a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e africana. O presente artigo tem como objetivo analisar o processo instituído e implementado pela Rede Municipal de Ensino do Recife com vistas a inclusão do ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em seu currículo escolar. Neste sentido, propusemos a 1) mapear e caracterizar as iniciativas realizadas pela Rede Municipal de Ensino do Recife para a inclusão da temática da história e cultura afro-brasileira em seu território institucional; 2) levantar práticas exitosas desenvolvidas pelas professoras, na discussão da temática em sala de aula; e 3) identificar limites e possibilidades do processo de implementação da Lei 10. 639/03 na Rede Municipal de Ensino do Recife, visando o fortalecimento desse processo. Considerando o que afirma Cecília Minayo (2004, p. 21): “o objeto das ciências sociais é essencialmente qualitativo”, para o desenvolvimento do estudo nos apoiamos na abordagem qualitativa da pesquisa em educação. Observando a dinâmica sócio/histórico e cultural do objeto de estudo da pesquisa: o processo de implementação da Lei nº 10.639/03, o foco da investigação centrou-se no seu processo e não apenas nos resultados finais. A abordagem metodológica nos proporcionou a apreensão de concepções, práticas, hábitos, valores, sentidos e significados que nos auxiliou a retratar a visão dos sujeitos participantes da pesquisa, sem contudo negligenciar o contexto sócio-histórico e cultural no qual esta visão se inscreve. Embora o estudo não tenha sido sobre o cotidiano escolar propriamente 8 DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos - 2003.EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE 13 dito, para análise dos dados utilizamos as dimensões apontadas por Marli André (2003), entendendo que tais dimensões não podem ser consideradas isoladamente: a subjetiva dos sujeitos participantes da pesquisa, no caso os gestores, técnicos, professoras e professores; a institucional na qual tais sujeitos estão inseridos, o sistema educacional; a instrucional do referido sistema, os conteúdos curriculares adotados; e a sociopolítica, o contexto sociopolítico e cultural mais amplo. O campo empírico do estudo foi a Rede Municipal de Ensino do Recife, que ao criar em 2006, um grupo de trabalho específico para tratar a educação das relações étnico-raciais, vem tornando-se referência para as secretarias de educação locais, no que se refere a implementação da Lei 10.639/03. Utilizamos como fontes documentos oficiais que se mostraram importantes para o entendimento e caracterização do processo de implementação da Lei 10.639/03 nesta Rede de Ensino, a exemplo da portaria de criação do Grupo de Trabalho em Educação das Relações Étnico-Raciais (GTERE) e de relatórios do Programa de Combate ao Racismo Institucional (PCRI); também ouvimos alguns sujeitos, constituídos por gestores, técnicos e docentes da educação municipal, de acordo com as necessidades apresentadas no decorrer da pesquisa empírica. Quanto aos instrumentos e procedimentos, utilizamos a análise de documentos e realizamos a entrevista semi-estruturada para ouvir pessoas que consideramos relevantes para o desenvolvimento do trabalho. Para o tratamento, produção e análise dos dados adotamos a análise de conteúdo na perspectiva de Laurence Bardin, utilizando a técnica de análise temática. Neste artigo, num primeiro momento realizamos uma discussão teórica sobre o contexto histórico que impulsiona a emergência da Lei nº 10.639/03, aqui entendida como resultado dos esforços empreendidos pelo Movimento Social Negro Brasileiro em prol da educação. Em seguida, tecemos algumas considerações sobre o processo de implementação da referida Lei no Brasil e, por fim, apresentamos os resultados da investigação sobre o processo de implementação da Lei na Rede Municipal de Ensino do Recife, a partir de três perspectivas: a reconstituição das iniciativas para a implementação; a problematização do trabalho pedagógico que está sendo vivenciado em sala de aula e a reflexão sobre os limites e avanços institucionais do processo de implementação. Nas considerações finais, apresentamos algumas sugestões e recomendações que podem auxiliar os gestores municipais no fortalecimento da implementação da Lei nº 10.639/03.14 EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE Enfrentamentos a Silenciamentos: a Lei nº 10.639/03 como fruto da luta do Movimento Social Negro Brasileiro A educação tem se constituído um dos eixos básicos na reflexão sobre o combate às desigualdades na sociedade brasileira. As análises que vêm sendo desenvolvidas nas últimas décadas têm tentado direcioná-la para uma ação política, libertadora e democrática. Todavia, grande parte da discussão acerca da educação girou em torno da desigualdade social, da diferença de classes e da luta contra a opressão social e pela liberdade do aluno (SILVA, 2006). De forma que, mesmo entre as diversas pedagogias progressistas, as propostas de igualdade social para negros sempre estiveram atreladas às saídas universalistas, e as perspectivas de ascensão social para esse grupo são vistas como processos individuais. Segundo Petronilha Silva e Lúcia Barbosa (1997, p. 12), “a população de origem africana, no Brasil, desde sempre expressou suas concepções, convicções, orientações tendo em vista a educação de suas crianças e adolescentes”. Entretanto, as preocupações com as relações que se desenvolvem entre a educação e a questão étnico-racial fora do âmbito do movimento social negro são muito recentes. Motivo pelo qual compreendemos o processo de instituição da obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira como parte do embate histórico empreendido por este movimento em busca de caminhos possíveis para a construção e o fortalecimento de uma identidade étnico-racial positiva para a população negra brasileira. Afirma Mariléia Cruz (2005), que embora encontrem-se evidências do acesso da população negra a escolas públicas somente a partir da segunda metade do século XIX, esse segmento criou suas próprias escolas e empreendeu esforços diversos desde o período do Império, que lhes garantissem a apropriação dos saberes formais exigidos socialmente. Embora a constituição da sociedade brasileira seja caracterizada pela pluralidade étnico-racial, a ideia de inferioridade do negro tem estruturado as relações sociais que aqui foram estabelecidas. De forma que a diferença foi transformada em desigualdade e o desejo de que o país se tornasse um país branco fez com que a população negra fosse negada e invisibilizada de formas diversas ao longo dos séculos. A sociedade brasileira e suas instituições, inclusive a escola, vão se constituir em sintonia com esse projeto colonial que institui o racismo anti-negro e as práticas racistas em suas instituições. Dessa forma, a sociedade em geral e a educação em particular assimilam e reproduzem o imaginário brasileiro a respeito da população negra, como uma população inferior. Na instituição escolar essa situação EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE 15 ganha materialidade tendo o currículo e as práticas curriculares como mediadores da invisibilidade da população negra e de sua cultura. A visão institucional de uma escola pública homogeneizada tem posto à margem, por processos diversos, os grupos ou segmentos sociais considerados subalternos no Brasil, como é o caso da população negra, foco desse trabalho. A escola pública foi pensada e organizada para todos os homens, brancos, detentores de posses, jovens e heterossexuais (SILVA, 2009). Para Arroyo (1995, p. 19), nós, educadores: “pertencemos a uma tradição pedagógica que sabe tratar com igualdades e não com diferenças e quando nos deparamos com estas, pensamos que o pedagógico é superá-las exigindo de todos a mesma trajetória educativa”. Ao não tratar a questão da diversidade cultural entre os atores que compõem a comunidade escolar, a escola termina por desenvolver práticas curriculares que atuam na manutenção do racismo e da discriminação racial no cotidiano escolar. A criança negra não encontra na escola modelos de estética que a ajudem a afirmar a cor de sua pele de forma positiva e o debate sobre relações étnico-raciais ainda aparece de forma incipiente no espaço escolar. Como afirma Gonçalves (1985, p. 315), “ao ser incorporada pela escola, uma ação por mais ingênua e despretensiosa que possa parecer, tem força pedagógica”. Em muitos casos, o silêncio como um ritual pedagógico a favor da discriminação racial (idem 1985) ainda se faz presente na manutenção de uma pedagogia do silenciamento sobre a temática das relações étnico-raciais no espaço escolar. Ao analisarmos a homogeneidade da escola que torna invisível a população negra e sua cultura, o currículo apresenta-se como campo privilegiado para o entendimento de sua institucionalidade, uma vez que a ação pedagógica materializa-se pela intencionalidade expressa nas práticas curriculares. O currículo é, como afirma Eliete Santiago (2006), ao mesmo tempo o texto e a prática que materializa um projeto de educação e de sujeitos, uma vez que “ganha significado e traça identidades através dos processos de ensino e de aprendizagem” (SANTIAGO, 2006, p. 78). Nesta perspectiva, a compreensão das disputas sociais, das tensões e relações de poder que se vivenciam na construção do texto e na execução das práticas curriculares, apresenta-se como necessidade central para compreendermos de que forma se dá a inclusão e a presença da população negra no espaço escolar. A escola, como espaço de disseminação do conhecimento, foi considerada um instrumento capaz de fazer as pessoas ascenderem socialmente. Para a população negra, desprovida de bens materiais, este espaço apresentou-se quase como a única 16 EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE oportunidade de conquistar algum prestígio social. Para Mariléia Cruz (2005, p. 21), o fato dos negros darem corpo a intervenções sociais no campo intelectual logo nos primeiros anos da Republica, através das organizações negras, da criação de escolas e da imprensa negra, sinaliza para a existência de processos de escolarização vivenciados pelos negros desde o período da escravidão. Segundo a autora, a necessidade de ser liberto ou de usufruir a cidadania quando livre, tanto durante os períodos do Império, quanto nos primeiros anos da República, aproximou as camadas negras da apropriação do saber escolar, nos moldes das exigências oficiais (2005, p. 27). A despeito das afirmações sobre a incapacidade intelectual dos negros, Mariléia Cruz afirma que a ascensão de uma intelectualidade negra desde o período republicano ocorreu via domínio da escrita e possibilitou que esse grupo atingisse “espaços sociais dos quais os brancos pareciam detentores absolutos” (idem, p. 29), a exemplo, da escola. Todavia, para a autora, o espaço escolar cumpre uma dupla função em relação ao negro, é veículo de ascensão social e instrumento de discriminação. Segundo a autora, expostos à desvalorização social em função de seus marcadores étnico-raciais, os negros e negras se apóiam na educação escolarizada como possibilidade de aprovação e reconhecimento social. Contudo, o espaço escolar é marcadamente discriminatório para esta população, resultando num aproveitamento desigual e exigindo-lhes maior grau de empenho para que consigam atingir o sucesso escolar (PAIXÃO, 2008). Ao perceber que o tipo de política educacional adotado no Brasil desconsidera a população negra, a atuação do movimento negro brasileiro não se resumiu às reivindicações pela inclusão dessa população ao sistema educacional. Em meio às comemorações do centenário da abolição (1988), o Movimento Negro Unificado elegeu “O Negro e a Educação” como tema do VIII Encontro de Negros do Norte e Nordeste, que aconteceu no Recife em julho de 1988. De acordo com o relatório da atividade, o encontro teve como preocupação central “questionar a negação da importância do negro na formação social brasileira, através dos meios oficiais de educação do país”. As proposições que resultaram dos debates realizados no encontro apontam para a necessidade de introduzir o estudo da História da África nos currículos escolares; discutir o papel da professora e do professor na descolonização do ensino; e considerar a aprendizagem pela prática cultural, como EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE 17 elementos importantes para o sucesso do processo de ensino/aprendizagem da população negra. A partir das reivindicações da inclusão da história e cultura afro-brasileira nos currículos escolares, o Movimento Negro brasileiro problematizou a existência de valores e práticas discriminatórias na escola, principalmente quando essa instituição nega a existência da diferença em seus domínios. O início do século XXI é marcado pela transformação, ainda que lenta, das antigas reivindicações das entidades negras em políticas públicas. No âmbito da educação, a promulgação da Lei nº 10.639 em 9 de janeiro de 2003 é uma conquista histórica do Movimento Negro Brasileiro. Altera a Lei nº 9.394/1996 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em seus artigos 26 e 79 e torna obrigatória a inclusão da temática História e Cultura Afro-Brasileira no currículo oficial de ensino. Para Nilma Gomes (2009), um conjunto de acontecimentos contextualiza a referida lei, possibilitando seu sancionamento no ano de 2003. Entre eles, ganham destaque: a realização da Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida, que aconteceu em Brasília em 1995 sob a coordenação do Movimento Social Negro, reunindo cerca de 30 mil participantes. Naquele ato político, os manifestantes entregaram ao então presidente da República Fernando Henrique Cardoso, o Programa para Superação do Racismo e da Desigualdade Racial; no ano seguinte (1996) foi criado o Grupo de Trabalho Interministerial para Valorização da População Negra e também foram elaborados pelo Ministério da Educação os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que incluía a Pluralidade Cultural como um de seus temas transversais, ainda em uma perspectiva universalista de educação; o processo de preparação e mobilização para a 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância que foi organizada pelas Nações Unidas (ONU) e aconteceu em Durban, na África do Sul em 2001. Da Conferência de Durban resultam dois movimentos importantes: a construção do consenso entre as entidades do Movimento Social Negro sobre a necessidade de se implantar ações afirmativas no Brasil e os compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro de implementar políticas dessa natureza visando o combate ao racismo e as desigualdades étnico-raciais. Segundo a referida autora, A mobilização para a Conferência de Durban pode ser entendida como um dos momentos mais expressivos da participação 18 EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE dos movimentos sociais e de setores no interior do Estado para inserir a diversidade étnico-racial na agenda política nacional e ampliar as condições para que ações e programas voltados para a superação das desigualdades raciais fossem implementados no país (idem, p. 48-49). Como signatário da Declaração e Programa de Ação de Durban, o Brasil assume a importância da educação no processo de desconstrução do racismo e no combate a xenofobia e formas correlatas de discriminação. Entendidas como medidas de reparação e promoção da igualdade étnico-racial, as ações afirmativas ocupam lugar de relevo no Plano da Conferência e impulsionam a efervescência do debate sobre sua implementação em território brasileiro no período pós-Durban (GOMES, 2009). Do ponto de vista propriamente legislativo, a Lei é de autoria da Deputada Esther Grossi e do Deputado Ben-Hur Ferreira, ambos do Partido dos Trabalhadores e foi apresentada na Câmara dos Deputados como Projeto de Lei nº 259, em 11 de março de 1999. Tal projeto é aprovado e remetido ao Senado no dia 05 de abril de 2002, sendo seu sancionamento uma das primeiras iniciativas do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 09 de janeiro de 20039 . De acordo com Maria de Fátima Batista (2009), o Movimento Social Negro de Pernambuco teve uma participação importante nesse processo de construção da Lei nº 10.639. Discussões realizadas por vários ativistas e educadores do Estado resultaram numa primeira versão do projeto de lei que, por meio da articulação da escritora a ativista negra Inaldete Pinheiro, foi apresentado e discutido com o então Deputado Estadual de Pernambuco Humberto Costa, também do Partido dos Trabalhadores. Em 1993 o projeto foi apresentado na Assembléia Legislativa, não obtendo a aprovação. Eleito Deputado Federal 1994, Humberto Costa leva a proposição para a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados onde consegue sua aprovação. Entretanto, não consegue se reeleger no pleito de 1998 afastandose do legislativo antes que pudesse apresentar o projeto de lei na Câmara dos 9 Notoriamente, com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a partir de 2003, os compromissos assumidos pelo Brasil em Durban vão transformando-se em políticas afirmativas mais concretas. A criação ainda em 2003 da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), que possui status de ministério e da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) em 2004, vinculada ao Ministério da Educação, são exemplos do processo de constituição dessa política.EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE 19 Deputados. Ao ser consultado, encaminha tal projeto a seus companheiros de partido. A leitura de seu parágrafo primeiro nos permite comprovar como o texto da Lei reflete de forma explícita algumas das proposições do movimento negro sobre os conteúdos que deveriam ser abordados na escola sobre a temática em questão: § 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá os estudos da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.

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