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O Espírito Das Leis

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Por:   •  2/5/2013  •  9.611 Palavras (39 Páginas)  •  747 Visualizações

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AS METAMORFOSES DO

GOVERNO REPRESENTATIVO(*)

Bernard Manin

Freqüentemente se afirma que a representação política está passando por uma crise nos países ocidentais. Durante décadas, a representação parecia estar fundamentada em uma forte e estável relação de confiança entre o eleitorado e os partidos políticos; a grande maioria dos eleitores se identificava com um partido e a ele se mantinha fiel. Hoje, porém, o eleitorado tende a votar de modo diferente de uma eleição para a outra, e as pesquisas de opinião revelam que tem aumentado o número dos eleitores que não se identificam com partido algum. Até pouco tempo atrás, as diferenças entre os partidos pareciam um reflexo das clivagens sociais. Mas hoje tem-se a impressão que são os partidos que impõem à sociedade clivagens, cujo caráter "artificial" é lastimado por alguns observadores. No passado, os partidos propunham aos eleitores um programa político que se comprometiam a cumprir, caso chegassem ao poder. Hoje, a estratégia eleitoral dos candidatos e dos partidos repousa, em vez disso, na construção de imagens vagas que projetam a personalidade dos líderes. As preferências dos cidadãos acerca de questões políticas expressam-se cada vez mais freqüentemente por intermédio das pesquisas de opinião e das organizações que visam fomentar um objetivo particular, mas não têm a intenção de se tornar governo. A eleição de representantes já não parece um meio pelo qual os cidadãos indicam as políticas que desejam ver executadas. Por último, a arena política vem sendo progressivamente dominada por fatores técnicos que os cidadãos não dominam. Os políticos chegam ao poder por causa de suas aptidões e de sua experiência no uso dos meios de comunicação de massa, não porque estejam próximos ou se assemelhem aos seus eleitores. O abismo entre o governo e a sociedade, entre representantes e representados, parece estar aumentando.

Nos últimos dois séculos, o governo representativo passou por importantes modificações, especialmente durante a segunda metade do século XIX. A mudança mais evidente, que mais chamou a atenção dos historiadores do governo representativo, diz respeito ao direito de voto: a propriedade e a cultura deixaram de ser representadas e o direito ao sufrágio foi ampliado. Essa mudança ocorreu paralelamente a uma outra: a emergência dos partidos de massa. O governo representativo moderno foi instalado sem a presença de partidos organizados, seguindo os exemplos das revoluções inglesa, americana e francesa. A maioria dos fundadores do governo representativo chegava a pensar que a divisão entre partidos ou "facções" era uma ameaça ao sistema que pretendiam estabelecer.(1) A partir da segunda metade do século XIX, porém, a presença de partidos políticos na organização da expressão da vontade do eleitorado passou a ser vista como um componente essencial da democracia representativa. Além disso, os programas políticos também tinham um papel de reduzida importância no modelo original dos governos representativos: a própria idéia de plataforma política era praticamente desconhecida no final do século XVIII e início do. século XIX. Mas com o aparecimento dos partidos de massa, os programas políticos passaram a ser um dos principais instrumentos da competição eleitoral.

O aparecimento dos partidos de massa e de seus programas veio transformar a própria relação de representação. A existência de partidos organizados aproximava os representantes dos representados. Os candidatos passaram a ser escolhidos pela organização partidária, na qual militantes de base tinham a oportunidade de se manifestar. A massa do povo podia, assim, ter uma certa participação na seleção de candidatos e escolher pessoas que compartilhassem de sua situação econômica e de suas preocupações. Uma vez eleitos, os representantes permaneciam em estreito contato com a organização pela qual se elegeram, ficando, de fato, na dependência do partido. Isso permitia aos militantes, ou seja, aos cidadãos comuns, manter um certo controle sobre seus representantes fora dos períodos eleitorais. Apresentando-se diante dos eleitores com um programa, os partidos pareciam dar aos próprios cidadãos a possibilidade de determinar a política a ser seguida.

No final do século XIX, vários analistas interpretaram o novo papel dos partidos e das plataformas políticas como sinal de uma crise da representação (Ostrogorski, especialmente vol. I, p. 568). O protótipo do governo representativo era, então, encontrado no "parlamentarismo" ou no "parlamentarismo liberal", do qual o sistema inglês, na forma que assumiu até cerca de 1870, era tido como o exemplo mais acabado.(2) No início do século XX, multiplicaram-se as análises sobre uma "crise do parlamentarismo".(3) Mas, com o tempo, tornou-se claro que, embora a emergência de partidos de massa tivesse ocasionado a falência do parlamentarismo, o governo representativo não estava agonizando. Alguns observadores compreenderam que tinha surgido uma forma nova e viável de representação. Esse novo modelo não foi definido por um conceito tão preciso quanto o de parlamentarismo, e seu reconhecimento como fenômeno relativamente estável e internamente coerente foi assinalado pela criação de dois termos novos: "governo de partido", entre os analistas anglo-americanos, e parteiendemokratie, entre os teóricos alemães. Cada um desses dois termos visava reunir sob uma só denominação as características que distinguiam a nova forma de governo representativo do modelo do parlamentarismo.

Foi possível, então, chegar a diversas conclusões. A maioria dos analistas concordou com a idéia de que a nova forma de representação era radicalmente diferente do parlamentarismo. Além disso, firmou-se a convicção de que a relação de representação típica do parlamentarismo tinha sido substituída por outra de novo formato, na qual o papel dos partidos de massa e das plataformas políticas parecia ter evoluído como conseqüência da extensão do direito de voto. Já que não se imaginava um retorno a padrões mais restritivos, concluiu-se que a relação de representação tinha sido irreversivelmente modificada. Enfim, ainda que alguns analistas lastimassem o declínio do parlamentarismo, o surgimento de um novo formato de governo representativo foi entendido, de modo geral, como um progresso, um indício de avanço da "democracia". Essa percepção decorreu não só do fato de que o novo sistema acompanhava a extensão do direito de voto, como também do tipo de relação de representação que implicava. O "governo

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