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Psicologia No Brasil

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Por:   •  23/8/2014  •  1.788 Palavras (8 Páginas)  •  312 Visualizações

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Em 1958, Geoges Canguilhem edita um pequeno texto que era leitura obrigatória para nós, estudantes de Psicologia, no início da década de 70. É pena que esse texto esteja hoje tantas vezes esquecido dos cursos de Psicologia e é impressionante, para mim, a sua ignorância entre os alunos quando o cito eventualmente. Chama-se “O que é Psicologia?”[i][1].

Canguilhem tentava, então, um levantamento cuidadoso das várias correntes filosóficas que teriam originado as várias escolas psicológicas, procurando, naquelas, algumas semelhanças com estas.

Jacques Lacan (1966, p. 874) retoma esse texto de Canguilhem no que tange a seu chiste: um dos caminhos que saía da Faculdade de Psicologia, em Paris, partia do Panteão e levava à Chefatura de Polícia. Será a isso que tende a Psicologia?

A verdade é que “Os discursos de psicologia no século XIX no Brasil”, dissertação de mestrado defendida em 1981, assume para si, ao pé da letra, verificar, com Canguilhem e outros autores, para onde tende a Psicologia, só que nas origens do movimento que levou a considerar “o lugar científico da disciplina psicológica como ‘legítimo’” (DELEULE, 1969). Trata-se de uma pesquisa que verifica a história da psicologia no Brasil.

O estudo tenta acompanhar o vínculo desse saber in statu nascendi com “as tendências dominantes, tanto no que diz respeito a diferentes racionalidades de uma época, quanto no que diz respeito ao jogo político, econômico e social no qual esse saber se insere ou não” (ALBERTI, 1981, p. 4). É, na realidade, no estudo dos discursos que essas tendências se mostram e onde fica visível a não unidade, impondo-se, como dizia Foucault em 1972, a “análise minuciosa das decalagens sucessivas”.

No final do século XIX, exatamente em 1900, é publicada a tese “Duração dos atos psíquicos elementares nos alienados”, inaugurando toda uma nova relação da Psicologia com a medição, a discriminação, o estudo dos atos que, vistos como comportamentos, serão tidos como objetos de uma ciência empírica. Já desde as últimas décadas do século XIX é possível perceber uma nova vetorialização: surgem propostas para “estatísticas morais” (1880), estudam-se “centros corticais psicológicos” (1881), fala-se da “psicologia da percepção e das representações” (1890), da “hereditariedade psicológica” (1892), entre outros. Herdeira do positivismo que toma conta da medicina a partir da terceira década do século XIX, essa psicologia destitui qualquer integridade ou unidade no homem e desenvolve-se a partir da idéia de organismo, um conjunto de funções, leis e órgãos - cabeça, cérebro, como foi a concepção frenológica[ii][2]. O cérebro da frenologia já não é mais substância única e individual, mas parte da organização reflexa. Os atos psíquicos são estudados também separadamente, não-autônomos porque dependentes totalmente de um estímulo externo.

O que é medido, através do que o outro pode perceber, são os produtos de um funcionamento - interno -, aquilo que não se vê, o que escapa à consciência em si do indivíduo que está sendo examinado. Esse indivíduo já não tem mais consciência, é alienado, é um ser que não tem com o que se impor, como indivíduo. Ele é diferente dos outros indivíduos, mas essa diferença se mede, e se mede somente em graus. A discriminação entre as pessoas é feita em graus de alienação ou não, mas todos são passíveis de perder a consciência ou a autonomia, que lhes permitiria um autoconhecimento. Já não existe mais a idéia de um autoconhecimento; quem conhece é o outro, o mestre que detém o saber, que sabe mais do que o próprio sujeito que está sendo pesquisado. Esse saber, por sua vez, é legitimado porque científico. E cientistas são normalmente os médicos, cuja formação acadêmica sofre clara influência dos estudos realizados na Europa, para onde vão, financeiramente sustentados pelos grandes latifúndios da família, retornando ao Brasil imbuídos de um monte de “idéias novas”, como se diz na época. Trata-se do liberalismo, do cientificismo e dos avanços da medicina que crescem numa Europa sob o jugo da industrialização.

Mas há outros discursos de psicologia. Verdadeiros tratados que descreviam a alma e seu conhecimento, ou mesmo a consciência humana. Estes tratavam do saber sobre a “psyché”. Uma psique cuja origem era muito antiga, da época em que o saber grego havia sido assimilado à defesa dos dogmas cristãos. Herança de diferentes correntes filosóficas, esses discursos falavam numa alma substancial e soberana, comprometida com uma racionalidade das causas primeiras e teológicas. Era um discurso sobre uma alma voluntária e una, descendente de uma idéia única da alma.

Ao longo do século XIX, os saberes psicológicos se servem desses dois discursos para um novo campo de domínio, que acaba por fazer deles servos e palco de dois tipos de poder. O primeiro, o poder soberano[iii][3], que supõe um conhecimento a serviço de um poder uno, vindo de cima, e que nos parece estar, na época, nas mãos do poder rural, representado, no campo do saber, pela Igreja. O segundo, o poder disciplinar[iv][4], cada vez mais normatizador, formando a rede de poderes cuja vertente vigilante encontra seu paradigma no panóptico de Bentham, desenvolvendo-se, aqui, através da medicalização da sociedade. Por um lado, domínio de um conhecimento não-médico, filosófico e, por outro, servindo à medicina mesma que se desenvolve, sobremaneira, no século XIX.

É interessante observar a maneira pela qual os saberes psicológicos se tornaram palco de um conflito entre esses poderes; de um lado, sustentado pela filosofia - vinculada ao poder ainda soberano; de outro, pela medicina, que procura angariar forças e conhecimentos suficientes para fazer ruir as antigas formas de dominação. Um dos contextos em que esse conflito foi declarado abertamente chamava-se O Crepúsculo, uma revista baiana na qual, entre 1845 e 1846, dois médicos antagonizavam dois ‘filósofos’, fazendo, inclusive, um convite a um duelo, por discordâncias sobre as maneiras psicológicas de ver (ALBERTI, 1981, p. 138).

Levantei a hipótese de que foi a partir do conflito de poderes que se criaram as condições para os diferentes discursos de psicologia, conflito esse que, no fundo, no fundo, como nos ensinou Marx, implica a economia. No caso, trata-se da passagem histórica em que foi preciso, cada vez mais, levar em conta - malgrado as resistências - o capitalismo internacional nascente. Ia levar ainda algum tempo para que a Psicologia se tornasse agente de discurso; durante o século XIX ela foi, basicamente, instrumento para o agenciamento de outros.

Pudemos além disso estudar, em outro contexto[v][5],

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