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Moda E Filosofia

Artigo: Moda E Filosofia. Pesquise 860.000+ trabalhos acadêmicos

Por:   •  18/10/2014  •  5.075 Palavras (21 Páginas)  •  447 Visualizações

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MODA: UMA SOCIEDADE COM OS SENTIDOS EMBOTADOS

A sociedade de consumo encontrou na neofilia a droga estimulante perfeita para as infinitas frustrações causadas pela publicidade e suas promessas não cumpridas. E a moda é peça-chave para esse mecanismo.

A moda é uma das tendências sociais que acompanha o desenvolvimento das civilizações desde tempos imemoriais. Uma perspectiva moralista poderia imputar uma análise apurada da constituição da moda como algo espúrio ou intelectualmente inferior. Nada mais preconceituoso, pois, uma vez que a moda é um fenômeno comportamental arraigado nas sociabilidades, ela representa a expressão de valores estéticos e padrões de gosto de uma época ou até mesmo o símbolo do grupo detentor do padrão estilístico de uma organização cultural. Mais ainda, diversos filósofos, sociólogos, psicólogos e demais pensadores de porte dedicaram valiosos escritos ao estudo da moda nas suas mais diversas interfaces éticas, sociais e econômicas, circunstância que comprova a extrema importância da problematização contínua dessa questão. Neste texto enfatizaremos duas características fundamentais dos processos constituintes do discurso da moda: sua falsa noção de singularidade e sua excitação psíquica pelo novo.

A palavra “moda” é de origem latina, modus, e significa “modo”, “maneira”. Cabe ressaltar que há ainda uma proximidade semântica entre as palavras “moda” e “moral”, mores, “costume”, “hábito”. Enquanto a moral tradicionalmente se encarrega de orientar as vidas humanas através de prescrições universalistas de conduta visando o estabelecimento da ordem social e do bem comum, a moda visa estabelecer padrões de estilo, regulando o uso de vestuários, consumo de bens e critérios de gosto. Podemos então afirmar, mediante essas similitudes, que a moda se caracteriza na era moderna como uma espécie de moralidade secularizada.

PAIXÃO PELO MODERNO

O filósofo francês Gilles Lipovetsky (1944-) destaca que, com a moda, aparece uma das primeiras manifestações de uma relação social que encarna um novo tempo legítimo e uma nova paixão própria ao Ocidente, a do “moderno”. A novidade tornou-se fonte de valor mundano, marca de excelência social; é preciso seguir “o que se faz” de novo e adotar as últimas mudanças do momento1. O processo de efervescência social dos ditames da moda foi analisado de maneira perspicaz por Immanuel Kant (1724-1804), circunstância que demonstra a relevância filosófica do tema para a elaboração de uma análise crítica dos signos sociais: “O engenho é inventivo na moda, isto é, regras de comportamento adotadas que só agradam pela novidade, e, antes de se tornarem (concorda com ‘regras’)costume, terão de ser trocadas por outras formas igualmente passageiras”².

Lipovetsky aponta que a moda é um sistema original de regulação e de pressão sociais: suas mudanças apresentam um caráter constrangedor, são acompanhadas do “dever” de adoção e de assimilação, impõem-se mais ou menos obrigatoriamente a um meio social determinado – tal é o “despotismo” da moda, denunciado com tanta frequência ao longo dos séculos³.

PROMESSAS NÃO CUMPRIDAS

O discurso da moda promete ao consumidor a falsa possibilidade de se tornar uma pessoa singular ao adquirir determinado produto, diferenciando-se assim do rebanho social anônimo. Afinal, cada indivíduo sonha em se destacar da cuba humana e atingir um patamar social de venerabilidade, utilizando-se de todos os meios econômicos para obter tal distinção, cabendo assim o comentário do sociólogo estadunidense Don Slater: “As pessoas compram a versão mais cara de um produto não porque tem mais valor de uso do que a versão mais barata (embora possam usar essa racionalização), mas porque significa status e exclusividade; e, claro está, esse status provavelmente será indicado pela etiqueta de um designer ou de uma loja de departamentos”4.

Entretanto, a voz sedutora da moda não é direcionada apenas para um indivíduo eleito dentre a multidão, e sim para uma coletividade de consumidores economicamente aptos a adquirir os produtos e seguir padrões estilísticos extrínsecos. Percebemos dessa maneira quão falseador é o mecanismo publicitário apresentado cotidianamente nos meios de comunicação de massa. Assim, a moda ilude a consciência do consumidor, fazendo-o acreditar que ele se diferencia dos demais usando determinada roupa ou consumindo dado produto, quando, em verdade, ele apenas transferiu sua capacidade de decisão aos ditames duvidosos dos estilistas.

Ocorre nesse processo a aniquilação da autonomia do consumidor, circunstância que revela a incompatibilidade entre o projeto filosófico do Iluminismo e as falácias publicitárias associadas aos paradigmas normativos da moda, que nos mantêm subjugados ao estado de menoridade existencial. Todavia, o consumidor encantado por esse discurso idolatra piamente os seus próprios controladores ideológicos, que sabem pensar por ele em todos os quesitos do gosto. Há assim uma redução estética do indivíduo, que visa obter emoções fortes supostamente unívocas em cada ato de consumo, quando em verdade vivencia experiências repetitivas sem perceber a nuance dessa relação de forças. O sociólogo estadunidense Richard Sennett (1943 -) destaca que o consumidor busca o estímulo da diferença em produtos cada vez mais homogeneizados. Ele se parece com um turista que viaja de uma cidade clonada para outra, visitando as mesmas lojas, comprando em cada uma delas o mesmo produto5. A liberdade humana perante o universo da moda e dos seus objetos consagrados consiste apenas na possibilidade de escolher entre a marca “A” ou “B”, associada de imediato a produtos previamente criados visando satisfações universais.

As especialistas do mercado de moda Daniela Dwyer e Marta Feghali afirmam que já se foi o tempo em que a moda se voltava quase que de maneira integral ao atendimento de seus públicos básicos – masculino e feminino – e de maneira uniforme. A dinâmica da moda requer cada vez mais especialização em segmentos diferenciados, como a vanguarda, o fashion, os esportes radicais, ou seja, em todas as inovações criadas pelas culturas e pelo próprio setor6. Essa “revolução” nos padrões da moda, no entanto, deve ser interpretada de maneira rigorosamente crítica: tal assimilação das diferenças até então excluídas nasceu da necessidade capitalista de ampliação do mercado de consumo.

O filósofo austro-francês André Gorz (1923-2007) aponta de modo categórico que, em mercados virtualmente saturados, a única forma de crescimento possível é a rapidez com que se sucedem os gostos, as preferências

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