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O século XIX e a passagem à perspectiva histórica do conhecimento

Por:   •  26/10/2015  •  Seminário  •  4.780 Palavras (20 Páginas)  •  281 Visualizações

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O século XIX e a passagem à perspectiva histórica do conhecimento

À diferença dos tempos plats (“chapados”) da idade das luzes, o século XIX foi sacudido por um conjunto de fatos e acontecimentos que levaram os filhos do século a experienciar um sentimento novo em relação à história e a adotar uma atitude nova em relação ao tempo.

Testemunho do historiador Michelet:

"A figura do tempo modificou-se completamente. Ele dobrou os passos de uma maneira estranha. Na simples vida de um homem (comum, de setenta e dois anos), eu vi duas grandes revoluções, que outrora teriam exigido talvez um intervalo de dois mil anos entre si. Nasci em plena revolução territorial; nestes dias, antes que eu morra, vi surgir a revolução industrial..."3

...A era da grande indústria, a época em que a sociedade dos homens deixa de assentar-se num elemento natural (a terra) para apoiar-se num elemento historicamente constituído (o capital), precisa Marx (p. 267)

...O século XIX desencadeou a segunda era de revoluções da modernidade, de alcance tão profundo quanto a expansão do capital comercial no século XVI e as inovações cientificas do século XVII. Estendendo-se a um tempo à ciência e à técnica, e ainda ao modo de organização das sociedades dos homens, o resultado foi a instalação da chamada civilização técnico-científico-industrial, da qual estamos longe de ter o justo recuo para fazer a justa avaliação da constelação de suas implicações.

o mundo das usinas e do maquinismo; o mundo das cidades operárias e dos subúrbios; o mundo insaciável do lucro, da racionalização da técnica e da eficiência do trabalho; o mundo do capital que instala uma escravidão ainda pior que as antigas, abandonando o operário à tirania das máquinas sem lhe deixar a menor esperança de escapar. (268)

A consciência da historicidade que afeta o mundo das coisas e as sociedades dos homens leva o espírito a elaborar um novo modelo de científicidade à medida das novas descobertas e do novo campo de conhecimentos que se abre ante ele. As matemáticas e a física eram solidárias de uma visão por demais estática das coisas e da sociedade; por isso, não podiam erigir-se em paradigma. Por seu turno, a biologia desde Aristóteles operava com o princípio da fixidez do ser, e era precisamente de suas transformações que era preciso dar conta. A divisa do espírito à época das luzes era: é preciso encontrar sob a extensão cartesiana a força, sob o corpo-máquina a vida. A divisa do século XIX passa a ser: é preciso reencontrar sob a força newtoniana o devir, sob a vida a história. A nível ontológico, isto significa tomar o devir não como acidente, mas como índice ou modo de ser das coisas, em particular do homem, autorizando uma nova antropologia, a antropologia do homem histórico (história como modo de ser). A nível epistemológico, a instalação de uma novo modelo de racionalidade, à luz do qual a história não apenas se constitui como objeto próprio de uma disciplina científica — a História —, mas igualmente como um ponto de passagem, um centro de referência em torno do qual se constitui uma constelação de ciências e disciplinas particulares, como a biologia, a geologia, a paleontologia, a filologia, a economia, a mitologia, o direito etc. (história como modo de conhecimento).

Darwin e a seleção natural (Adaptação = sobrevivência ao meio)

Na biologia, esta viragem é atestada pelas pesquisas de Darwin, que rompe com o princípio da constância do ser e busca o segredo da natureza viva nos pontos de fuga do devir adaptação ao meio, sobrevivência do mais apto etc Uma vez encontrado o princípio da evolução — a seleção natural —, ele enquadra o homem, e descobre que esta criatura tida por divina não goza de nenhum privilégio na ordem da natureza, não passando de um antropóide, a exemplo do macaco — afirmação que chocou os espíritos do tempo. 271

Daí nada mais natural que nessa época a Episteme (...) busque na história o novo modelo de cientificidade e encontre nos pontos de fuga do devir o fundamento último do mundo das coisas e da sociedade dos homens, quando o saber em sua positividade muda de natureza e de forma. De natureza, porque a inteligência do mundo histórico não vai ser mais buscada nem na ordem profunda das essências (estratégia essencialista) nem na superfície lisa dos fenômenos (estratégia fenomenista) que, como uma série de pontos fixos, se oferecem à série não menos fixa das representações, mas nos pontos de fuga do devir, sem que um começo absoluto da série de representações possa ser assinalado (estratégia histórica). De forma, porque, marcado pelo gosto das origens, das genealogias e das descontinuidades, é preciso reportar as essências e as positividades à história, em busca das potências do devir que, como um núcleo primitivo, se escondem lá na noite dos tempos e tudo marcam com o selo do efêmero e do novo — tal é o sentido das obras de Darwin em biologia, de Marx em economia e de Bopp em filologia.

Por fim, junto a esse novo modo de conhecer as coisas, de uma maneira ainda mais fundamental, é um novo modo de ser do homem que se anuncia: já sabendo que não possui essência ("o homem não tem essência, mas máscaras", dizia Nietzsche), já tendo descoberto que é um fenômeno ("o homem é o fenômeno de si mesmo", dizia Kant), o homem agora instala na história sua morada e busca no devir o sentido da experiência de seu ser — aberto e lacunar ("o homem é o devir de si mesmo", diriam Hegel, Marx e Dilthey).

Antropologia do homem histórico

Sem dúvida, o tempo é mais metafísico do que o espaço

se a intuição do tempo como lugar onde as coisas duram e acontecem acompanhou os homens sob todos os céus e em todas latitudes, o mesmo não se pode dizer da intuição do tempo como índice ou modo de ser das coisas, recente demais para que possamos vê-la em ação nos antigos, os quais acreditavam que o devir histórico é afeto ao universo dos acidentes

(a lembrar que em latim acontecimento é accidens) e não ao ser das coisas (essentia). Para pensar as coisas, os homens preferiam o ser ao devir a história é exterior ao ser, o devir é privação, deficiência de ser. 272

...as potências do tempo simplesmente desaparecem na mathesis cartesiana e no fisicalismo newtoniano: o tempo matemático não passa de um número, e, a exemplo do espaço, é o marco vazio das coisas, o lugar onde elas duram e acontecem, e enquanto tal indiferente à sua natureza íntima.

Com a queda do ser no tempo, a figura da história não pode ser mais

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