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A Diáspora recente para africanos nos Estados Unidos

Por:   •  2/7/2018  •  Resenha  •  1.685 Palavras (7 Páginas)  •  182 Visualizações

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Americanah é a terceira obra da autora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, de 2013 e publicado no Brasil pela Companhia das Letras, assim como seus outros romances, Hibisco Roxo (2003), Meio Sol Amarelo (2006) e No Seu Pescoço (2009). A autora recebeu diversos prêmios por seus livros, como o National Books Critics Circle Award e o Orange Prize. O próprio Americanah foi escolhido pela New York Times como um dos 10 melhores livros de 2013.

A história contida no livro paira principalmente sobre dois personagens, Ifemelu e Obinze, namorados desde a escola e que, separados, têm experiências de imigração para fora de seu país de origem, o mesmo da autora, a Nigéria. Ifemelu, em meio às infinitas greves de sua universidade causadas pelos conflitos do governo militar nos anos 90, tem a oportunidade de concluir o curso nos Estados Unidos, e assim o faz. Obinze, por outro lado, vai para a Inglaterra, apesar de ele mesmo adorar os EUA, e acaba tendo de trabalhar em péssimas condições, indo sempre atrás de conseguir uma cidadania e acabando deportado de volta para a Nigéria no fim das contas. Durante os primeiros anos fora de casa, Ifemelu mantém contato com o namorado, porém, após ter que se sujeitar a uma espécie de prostituição para conseguir ter dinheiro, sente-se suja e traidora, e corta relação com Obinze. As linhas do tempo se entrelaçam frequentemente durante o livro, indo e voltando nas memórias e o presente de ambos os personagens principais, e isso chega a ser até mesmo um pouco confuso – é necessário ler uma boa parcela do livro até finalmente se acostumar.

Porém, ler Americanah focando no amor entre Obinze e Ifemelu é ler apenas metade da história. A narrativa de Adichie salienta muito em questões raciais, de gênero e principalmente a questão da diáspora e identidade cultural. Ifemelu, praticamente sozinha num continente distante, entra em um grande conflito sobre quem ela é e seu lugar no mundo:

Aquele primeiro verão foi o verão da espera para Ifemelu; a verdadeira América, pensava ela, estaria logo na próxima esquina. [...] Havia uma desolação em sua vida, uma aridez em brasa, sem pais, amigos ou um lar, os marcos familiares que faziam com que fosse quem era.

“Americanah” é uma expressão citada algumas vezes no livro que configura aquele ou aquela que foi aos Estados Unidos e voltou à Nigéria “afetado”, estranho à própria cultura e povo. A primeira vez em que aparece, a expressão não é utilizada para falar de Ifemelu, porém, quando volta dos Estados Unidos, mais ou menos 15 anos depois de ter ido embora, é chamada assim por uma amiga. “‘Americanah!’, brincava Ranyinudo sempre. ‘Você está vendo as coisas com olhos de americano. Mas o problema é que nem é uma americanah de verdade.’ [...]” .

Achille Mbembe, em As Formas Africanas de Auto-Inscrição, argumenta que, durante os processos de “escravidão, colonização e apartheid, o eu africano se torna alienado de si mesmo” , e isso faz com que esse eu se torne confuso sobre o seu pertencimento ao mundo e a si. Podemos levar em conta o que Mbembe diz para falarmos também da diáspora. Essa situação de ser ou estar “americanah” pode ser interpretada como, novamente, a questão do não-saber identitário causado pela diáspora. A própria Ifemelu, apesar de ter passado por diversas experiências que a modificaram em sua longa estadia num país estrangeiro, também tem consciência de seu lugar e constrói sua própria individualidade basicamente do zero e só se encontra novamente ao retornar para Lagos: “Mesmo assim, Ifemelu estava em paz; por estar em casa, escrevendo seu blog, por ter descoberto Lagos de novo. Finalmente, havia se engendrado num ser completo” .

Uma das causas dessa confusão de Ifemelu pode ser apontada na questão racial que ela enfrenta nos Estados Unidos. Por diversas vezes, Ifemelu conta que na Nigéria não existe o conceito de raça, e que ela só foi descobrir isso ao chegar em outro país.

“O único motivo pelo qual você diz que a raça nunca foi um problema é porque queria que não fosse. Todos nós queríamos que não fosse. Mas isso é uma mentira. Eu sou de um país onde a raça não é um problema; eu não pensava em mim mesma como negra e só me tornei negra quando vim para os Estados Unidos. [...]”

Frantz Fanon, em Peles Negras, Máscaras Brancas, diz: “O negro não tem mais de ser negro, mas sê-lo diante do branco” . Ifemelu, ao longo de sua estadia nos Estados Unidos, cria um blog e passa a viver dele, observando e comentando as questões raciais que presencia em seu cotidiano. O título de um de seus posts é “Para outros Negros Não Americanos: nos Estados Unidos você é negro, baby” , onde ela discorre sobre aquela mesma questão que fala sobre só se tornar negra ao sair da Nigéria. Ela fala sobre situações racistas que conhece, que provavelmente passou por elas, e então percebemos que o racismo não acontecia de maneira tão escancarada no lugar de onde ela vinha quanto acontecia nos EUA (ainda assim acontecia, pois é citado que as meninas mestiças de pele clara do colégio são sempre consideradas as mais bonitas no lugar das negras retintas ). Sofrer esse racismo, ver esse tipo de situação com certeza adiciona às questões de Ifemelu uma nova dificuldade, um novo motivo para sua confusão de identidade. A raça, na diáspora, é o mais importante, aquilo que o outro vê primeiro.

Além da raça, Chimamanda também aborda a questão de gênero, mesmo que o faça menos que a outra. Em alguns momentos do livro, Ifemelu se depara com situações onde se vê socialmente coagida a cumprir papéis de gênero, mesmo que não concorde com isso. No cabeleireiro, a moça que trança os cabelos de Ifemelu fala sobre namorados e maridos e, apesar de achar bobo, Ifemelu mente para ela assim como fez para o pai: “‘Também vou voltar para a Nigéria para ver meu homem’, disse Ifemelu, surpreendendo-se. Meu homem. Como era fácil mentir para estranhos, criar para eles a versão da nossa vida como a imaginamos” . Ifemelu ainda pensa: “Aquilo teria dado um bom post para o blog. ‘Um caso peculiar de uma negra não americana, ou como as pressões da vida de imigrante podem deixar você maluco’” . Ou seja, ela própria sabe que aquilo é uma pressão externa, ela tem consciência disso e mesmo assim ainda é afetada por isso, por essa expectativa

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