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Desafio profissional historia

Por:   •  19/5/2016  •  Trabalho acadêmico  •  1.903 Palavras (8 Páginas)  •  266 Visualizações

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Crítica

14 de Junho de 2005 ⋅ Ensino da filosofia

Os professores e as ciências da educação

Aires Almeida

Creio que muitas das divergências acerca das ciências da educação (CE) se devem ao facto de não se estar a falar exactamente da mesma coisa. No mesmo saco costumam meter-se coisas tão diferentes como as teorias da reprodução de Bourdieu e as investigações que deram origem ao relatório Coleman nos EUA (ambas do domínio da sociologia, mas no primeiro caso da sociologia a que chamaria teórica e no segundo caso da sociologia empírica); coisas como os estudos de psicologia do desenvolvimento de Piaget e investigações acerca da dinâmica de grupos (psicologia social); coisas como as didácticas disciplinares e as teorias pedagógicas, cujo estatuto científico é mais que duvidoso; coisas como política educativa e filosofia da educação, cujo estatuto científico nem sequer é duvidoso; coisas como desenvolvimento curricular, administração e gestão escolar, etc.

Podemos estar todos a falar das CE e a pensar em coisas muito diferentes. Eu tirei um curso de especialização de 250 horas na área das CE e foi isso que encontrei. Sei de pessoas que tiveram ou têm formação em CE e é isso que encontram.

Se a minha experiência não é enganadora, dificilmente se percebe por que razão se utiliza o nome “ciências” aplicado a um tal conjunto de disciplinas. Dizer que se trata de ciências não só é argumentavelmente incorrecto como pode ser perigoso. O perigo consiste em tomar como verdade científica aquilo que está longe de merecer um mínimo aceitável de consenso.

Poder-se-á dizer que essa é uma ideia errada das CE; que CE são apenas a psicologia da educação, a sociologia da educação, as tecnologias da educação (se é que isso existe), etc. Assim, por analogia com o que se passa com as chamadas ciências do trabalho, também poderíamos aqui falar das ciências da educação. Nesse caso teríamos de excluir a maior parte do que se estuda nas didácticas disciplinares, na pedagogia, etc. Mas não parece ser esse o caso, tendo em conta o que realmente se estuda nas CE em Portugal.

Estou longe de pensar que não há investigações empíricas sérias e importantes sobre educação na área da sociologia (ou, se se quiser, da sociologia da educação), como é o caso do relatório Coleman (para só falar de uma investigação bem conhecida). Outros há na área da psicologia da educação. Acredito, além disso, que não é possível articular seriamente um sistema aprendizagem sem ter em conta, por exemplo, os resultados da psicologia do desenvolvimento de Piaget. Tudo isto resulta de investigações que, mesmo quando não são directamente sobre a realidade escolar, têm implicações importantes na forma como se devem estruturar as aprendizagens, os currículos, etc. Qual o número de alunos ideal numa turma com alunos de 11/12 anos? E com alunos de 16/17 anos? Os bons alunos devem ser misturados com os maus? Quanto tempo deve durar uma aula para alunos do 7.º ano? E do 11.º? Há diferenças na aprendizagem se uma disciplina for leccionada de manhã em vez de ser leccionada à tarde? O sucesso dos alunos depende do tipo de estrutura familiar a que pertence? Todos estes problemas podem e devem ser tratados de forma científica. E a resposta a estas perguntas é importante para uma correcta estruturação do sistema educativo. Não vejo por que razão não poderíamos chamar “ciências da educação” ao conjunto de estudos nessas áreas. Só que também não vejo qual seja a sua relevância para a prática lectiva do professor na sala de aula. Investigações desse género têm implicações na constituição de turmas, definição do horário escolar, selecção de currículos e coisas assim, que não dizem directamente respeito ao que cada professor faz nas aulas com os alunos. Trata-se de coisas decididas num nível superior de decisão. São estudos úteis aos técnicos que trabalham no ME e que legislam sobre tais matérias. Lidar com isto exige estudo e competência científica. Mas, insisto, creio que nenhum professor depende disso para ser bom professor.

Mas do que conheço (e é bem provável que conheça pouco), quase nada disso se faz em CE em Portugal. Em Portugal fala-se muito das teorias e pouco se investiga de forma sóbria, metódica e rigorosa. Se não existe investigação séria (claro que as excepções sempre podem existir) na área, o que fazem os que ensinam CE a pessoas como eu? Enfiam tudo no mesmo saco para não descobrirmos que o saco está vazio. Estas foram as CE que me foram dadas a conhecer por reconhecidos especialistas do país. Assim se aprendem, sob a generosa capa da ciência, as teorias pedagógicas mais disparatadas, misturadas com sociologia e psicologia de biblioteca. Mas como isso passa por ciência, não há lugar a discussão. Repito: nada disto contribui para melhorar a qualidade das aulas do professor. Inclino-me mais para pensar o contrário.

Devo dizer que tive professores de psicologia da educação, sociologia da educação, administração escolar, comunicação educacional que mal sabiam escrever decentemente; que violavam as regras mais básicas da comunicação quando utilizavam o retroprojector ou quando nos facultavam fotocópias de apontamentos manuscritos quase ininteligíveis; que exigiam trabalhos de 10 páginas com um número mínimo de citações (esta exigência era comum a todos os professores); etc. Sim, tudo o que se pedia era bom senso. Mas, infelizmente, nem isso!

Acontece que o ministério recruta os seus quadros principalmente entre os especialistas em CE. E o que sai do ME é o que está à vista de todos. Legislação sobre avaliação que reproduz dogmaticamente ideias pedagógicas discutíveis como se de ciência se tratasse. Legislação sobre faltas, sobre área-escola, sobre matéria disciplinar, sobre condições de transição de ano, sobre formação de professores, etc., directamente inspirada no credo pedagógico em voga. É por aí que as CE entram em força na escola. E o resultado, em meu entender, tem sido lastimável. Principalmente no que diz respeito à avaliação. Ora, quando a avaliação entra em cena, tudo o que o professor faz acaba por depender disso. E o que temos é que o professor deixa de recear pela qualidade do que ensina para passar a recear pela figura que faz quando avalia. Sobretudo quando sobre ele pesa a infeliz terminologia do “eduquês”, a qual o faz tremer só de pensar que não compreendeu o que tinha de compreender. Não admira que a “matéria”, como se costuma dizer, passe a ser o menos importante. Todas aquelas reuniões em que nos pedem para explicar isto e aquilo,

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