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Dicotomia entre as noções de civilização e barbárie: continuidade da experiência grega na era moderna

Por:   •  9/7/2021  •  Ensaio  •  1.495 Palavras (6 Páginas)  •  308 Visualizações

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Lilian Raquel da Silva Costa

Nº USP: 12431192

 

 

 

 

 

 

Dicotomia entre as noções de civilização e barbárie: continuidade da experiência grega na era moderna 

 

Trabalho realizado na disciplina: História da Educação I

Prof. Roni Menezes 

 

  

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Faculdade de Educação

2021

Theodor Adorno definiu a barbárie como a ausência de formação. Entendendo como formação, o processo de educação ou civilização. Segundo o autor, nos vemos diante da barbárie quando a sociedade se manifesta por meio de preconceitos e atitudes repressivas, violência injustificada, torturas e até genocídios.

“Entendo por barbárie algo muito simples, ou seja, que, estando na civilização do mais alto desenvolvimento tecnológico, as pessoas se encontrem atrasadas de um modo peculiarmente disforme em relação a sua própria civilização - e não apenas por terem em sua arrasadora maioria experimentado a formação nos termos correspondentes ao conceito de civilização, mas também por se encontrarem tomadas por um impulso de destruição, que contribui para aumentar ainda mais o perigo de que toda esta civilização venha a explodir[...]” (ADORNO, 1968, p. 155-158)

Adorno elaborou este entendimento em um contexto social muito específico, o holocausto judeu nos campos de concentração durante a II Guerra Mundial. Entretanto, diversas noções de “civilização” e de “barbárie” foram estruturadas no decorrer da história, em diferentes contextos. Este ensaio se propõe a discutir como esses conceitos se apresentaram no período de “descobrimento do novo mundo”, no século XVI, como  extensão ou continuidade da mesma dicotomia oriunda na Grécia Antiga.

Inicialmente, é importante partir da questão de quem é o “bárbaro” e quem é o “civilizado”. Esses conceitos costumam se apresentar quase que como uma oposição entre o Bem (os que são civilizados) e o Mal (o outro, o que é bárbaro). O termo “bárbaro” surgiu na Grécia Antiga e significa “não grego”. Inicialmente, era uma palavra utilizada unicamente para descrever qualquer povo cujo idioma não era compreendido pelo grego, mas a princípio, sem qualquer juízo de valor relacionado a este conceito. Não dispunha, quando surgiu, de qualquer carga pejorativa para se referir a estes povos, mas sim, uma forma de descrevê-los.

O entendimento da palavra “bárbaro” passa a dispor de um sentido completamente diferente, mais valorativo, e também depreciativo para se referir a outros povos, a partir da formação e do reconhecimento do helenismo como uma característica propriamente grega, que passa a gerar uma identidade coletiva e uma unidade política, social e cultural do povo grego.  

Houve, no período do séc. V a.C, uma completa transformação na forma como os gregos se viam, com a consolidação de uma linguagem única e da democracia como um valor comum. Foi o período das Guerras Greco-pérsicas, em que o povo grego também se uniu para derrotar inimigos comuns, afirmando ainda mais uma identidade própria.

Com a concretização da formação de uma identidade do povo grego, qualquer outro povo que  que não compartilhasse da mesma cultura, costumes, valores e modo de organização social, passou a ser visto como “bárbaro”, mas agora, carregado de um sentido associado à inferioridade.

Heródoto é considerado um historiador central no aprofundamento dessa dicotomia grego/bárbaro. Ele apresenta as guerras do período como o confronto entre a liberdade e democracia grega contra o despotismo dos povos asiáticos, no caso, os persas (FONTANA, 2000, p. 11). Também foi responsável por registrar alguns dos costumes dos povos “bárbaros”, sendo apresentados como inferiores, selvagens e primitivos quando comparados aos costumes helênicos.

Aristóteles também marca as diferenças entre gregos e “não gregos” ao analisar diferentes formas de governo. Institui-se o entendimento de que, pelo fato do “bárbaro” não ser capaz de dominar a linguagem (grega), também não se torna capaz de desenvolver a retórica, tornando-o incapaz de desenvolver valores e práticas democráticas. A imagem do “bárbaro” era traçada como a de um sujeito que sempre se submeteria à autoridade de um déspota:

“Encontramos exemplos de outra espécie de monarquia junto a alguns bárbaros. Os reis têm ali algum poder que se aproxima do despotismo, mas é legítimo e hereditário. Tendo os bárbaros naturalmente a alma mais servil do que os dos gregos e os asiáticos, eles suportam mais do que os europeus, sem murmúrios, que sejam governados pelos senhores.” (ARISTÓTELES, 2002, p. 110)

Por outro lado, o grego se torna a representação da civilização, a representação daquele que possui qualidades opostas à barbárie. Que não se submete à tirania, mas às leis. Que vive na pólis, local de exercício da razão humana e que garante aos seus cidadãos a qualidade de homens livres, capazes de exercer sua autonomia na vida pública, fortalecendo a democracia grega.

Dessa forma, a Grécia apresenta a oposição entre as noções de civilização e barbárie na Antiguidade Clássica. Tais noções se manterão presentes, ainda que com especificidades próprias, no século XVI, período em que a Europa Ocidental parte em “descoberta” do Novo Mundo.

Parte dos valores do período helênico se mantiveram de alguma forma na Europa moderna. A noção de civilização passou a agregar valores do cristianismo, dado a hegemonia da Igreja Católica no período, e a ideia do “bárbaro” passa também pela noção deste “outro” desprovido de valores cristãos e inserido em uma organização social selvagem e primitiva.

As narrativas de viagem relacionadas aos povos originários encontrados no continente americano costumavam representá-los de forma pejorativa, estereotipada, objetificada ou até mesmo animalizada. Podemos considerar que o “bárbaro” neste período deixou de ser o “não grego” para se tornar o “não europeu cristão”. E da mesma forma, seus costumes, sua cultura, sua religião e seu modo de vida eram vistos como inferiores e como uma representação da barbárie a ser combatida.

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