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Inconstitucionalismo no Brasil: riscos e oportunidades

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Por:   •  18/6/2014  •  Projeto de pesquisa  •  9.303 Palavras (38 Páginas)  •  318 Visualizações

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O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades

Daniel Sarmento

Palavras-chave: Neoconstitucionalismo no Brasil. Neoconstitucionalismo (conceito). Neoconstitucionalismo (objeções).Sumário: 1 Introdução - 2 O que é o neoconstitucionalismo? - 3 A recepção do neoconstitucionalismo no Brasil - 4 Três objeções ao neoconstitucionalismo - 5 Conclusão

1 Introdução

O Direito brasileiro vem sofrendo mudanças profundas nos últimos tempos, relacionadas à emergência de um novo paradigma tanto na teoria jurídica quanto na prática dos tribunais, que tem sido designado como "neoconstitucionalismo". Estas mudanças, que se desenvolvem sob a égide da Constituição de 88, envolvem vários fenômenos diferentes, mas reciprocamente implicados, que podem ser assim sintetizados: (a) reconhecimento da força normativa dos princípios jurídicos e valorização da sua importância no processo de aplicação do Direito;1 (b) rejeição ao formalismo e recurso mais freqüente a métodos ou "estilos" mais abertos de raciocínio jurídico: ponderação, tópica, teorias da argumentação etc.;2 (c) constitucionalização do Direito, com a irradiação das normas e valores constitucionais, sobretudo os relacionados aos direitos fundamentais, para todos os ramos do ordenamento;3 (d) reaproximação entre o Direito e a Moral, com a penetração cada vez maior da Filosofia nos debates jurídicos;4 e (e) judicialização da política e das relações sociais, com um significativo deslocamento de poder da esfera do Legislativo e do Executivo para o Poder Judiciário.5

Há quem aplauda entusiasticamente estas mudanças, e quem as critique com veemência. Contudo, não há como negar a magnitude das alterações que vêm se desenrolando por debaixo dos nossos olhos. No presente estudo, tenho duas intenções: em primeiro lugar, pretendo descrever o que se entende por neoconstitucionalismo, abordando a sua recepção no pensamento jurídico brasileiro. Além disso, tenciono discutir três questões que o paradigma neoconstitucionalista suscita, especialmente no cenário brasileiro: os riscos para a democracia de uma judicialização excessiva da vida social, os perigos de uma jurisprudência calcada numa metodologia muito aberta, sobretudo no contexto de uma civilização que tem no "jeitinho" uma das suas marcas distintivas, e os problemas que podem advir de um possível excesso na constitucionalização do Direito para a autonomia pública do cidadão e para a autonomia privada do indivíduo.

2 O que é o neoconstitucionalismo?

A palavra "neoconstitucionalismo" não é empregada no debate constitucional norte-americano, nem tampouco no que é travado na Alemanha. Trata-se de um conceito formulado sobretudo na Espanha e na Itália, mas que tem reverberado bastante na doutrina brasileira nos últimos anos, sobretudo depois da ampla divulgação que teve aqui a importante coletânea intitulada Neoconstitucionalismo (s), organizada pelo jurista mexicano Miguel Carbonell, e publicada na Espanha em 2003.6

Os adeptos do neoconstitucionalismo buscam embasamento no pensamento de juristas que se filiam a linhas bastante heterogêneas, como Ronald Dorkin, Robert Alexy, Peter Häberle, Gustavo Zagrebelsky, Luigi Ferrajoli e Carlos Santiago Nino, e nenhum destes se define hoje, ou já se definiu, no passado, como neoconstitucionalista.7 Tanto dentre os referidos autores, como entre aqueles que se apresentam como neoconstitucionalistas, constata-se uma ampla diversidade de posições jusfilosóficas e de filosofia política: há positivistas e não-positivistas, defensores da necessidade do uso do método na aplicação do Direito8 e ferrenhos opositores do emprego de qualquer metodologia na hermenêutica jurídica,9adeptos do liberalismo político,10comunitaristas11 e procedimentalistas.12 Neste quadro, não é tarefa singela definir o neoconstitucionalismo, talvez porque, como já revela o bem escolhido título da obra organizada por Carbonell, não exista um único neoconstitucionalismo, que corresponda a uma concepção teórica clara e coesa, mas diversas visões sobre o fenômeno jurídico na contemporaneidade, que guardam entre si alguns denominadores comuns relevantes, o que justifica que sejam agrupadas sob um mesmo rótulo, mas compromete a possibilidade de uma conceituação mais precisa.13

Para compreender melhor o neoconstitucionalismo, vale percorrer, de forma sintética e panorâmica, o processo histórico que ensejou o seu advento. Esta trajetória corresponde a fenômenos que ocorreram na Europa Ocidental, a partir do segundo pós-guerra,14 e que se reproduziram mais tarde, com nuances próprias, em países do Terceiro Mundo como Colômbia,15 Argentina,16 México,17 África do Sul,18 Índia 19 e o próprio Brasil.

Até a Segunda Guerra Mundial, prevalecia no velho continente uma cultura jurídica essencialmente legicêntrica, que tratava a lei editada pelo parlamento como a fonte principal - quase como a fonte exclusiva - do Direito, e não atribuía força normativa às constituições.20 Estas eram vistas basicamente como programas políticos que deveriam inspirar a atuação do legislador, mas que não podiam ser invocados perante o Judiciário, na defesa de direitos.21 Os direitos fundamentais valiam apenas na medida em que fossem protegidos pelas leis, e não envolviam, em geral, garantias contra o arbítrio ou descaso das maiorias políticas instaladas nos parlamentos. Aliás, durante a maior parte do tempo, as maiorias parlamentares nem mesmo representavam todo o povo, já que o sufrágio universal só foi conquistado no curso do século XX.

Depois da Segunda Guerra, na Alemanha22e na Itália,23 e algumas décadas mais tarde, após o fim de ditaduras de direita, na Espanha e em Portugal, assistiu-se a uma mudança significativa deste quadro. A percepção de que as maiorias políticas podem perpetrar ou acumpliciar-se com a barbárie, como ocorrera no nazismo alemão, levou as novas constituições a criarem ou fortalecerem a jurisdição constitucional, instituindo mecanismos potentes de proteção dos direitos fundamentais mesmo em face do legislador. Sob esta perspectiva, a concepção de Constituição na Europa aproximou-se daquela existente nos Estados Unidos,onde, desde os primórdios do constitucionalismo, entende-se que a Constituição é autêntica norma jurídica, que limita o exercício do Poder Legislativo e pode justificar a invalidação de leis.24 Só que com uma diferença importante: enquanto a Constituição norte-americana é sintética e se limita a definir os traços básicos de organização do Estado e a prever alguns poucos direitos individuais, as cartas européias foram, em geral,

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