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A "Viagens na minha terra" de Almeida Garrett

Por:   •  4/6/2019  •  Ensaio  •  1.783 Palavras (8 Páginas)  •  445 Visualizações

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"Viagens na minha terra" de Almeida Garrett

Almeida Garret é um autor único na Literatura Portuguesa, pois além de possuir uma originalidade que o distingue dos outros autores, sua obra literária é marcada por uma profunda transformação estética.

Apesar de a nova estética romântica pregar originalidade – "Vamos a ser nós mesmos, vamos a ver por nós, a tirar de nós, a copiar da nossa natureza e deixemos em paz Gregos, Romanos e toda a outra gente." (Romanceiro) – , Garrett não descarta seus mestres clássicos, como Homero e Virgílio. Pelo contrário, o autor passa então a equilibrar as estéticas clássica e romântica. É possível ver o diálogo que constrói com autores como Aristóteles, Camões e Goethe, por exemplo, em Viagens na Minha Terra. Esta obra se encaixa na terceira e última fase de criação do autor, que tem como característica a maturidade estética, notada na dicção de sua obra e o nacionalismo que dominava sua segunda fase, somado ao individualismo.

Garrett inicia uma nova linguagem literária com este livro, linguagem esta derivada de sua prática jornalística, de seu conhecimento da língua e do diálogo travado com obras clássicas da cultura de seu país. O autor também discorre sobre a liberdade do poeta de escrever sobre aquilo que ama, sendo, pois, necessário estar o coração sempre cheio. Para ele, a poesia e os romances teriam, como ingrediente, o transbordar do que há no coração do escritor, o que remete à concepção de poesia como exposição da individualidade

Viagens na Minha Terra é vista por muitos como obra híbrida e complexa, devido à mistura de gêneros como ensaio, jornalismo, poesia, crítica social e política, lendas do romanceiro popular, literatura comparada, relato de viagem, filosofia, história de Portugal, análise de obras literárias e de diferentes artes plásticas, tudo isso com uma novela inserida, a história de Joaninha, a "menina dos rouxinóis". O discurso é movediço, contendo digressões que desenham idas e vindas do ensaio à narrativa e da narrativa ao ensaio. Não só isso, também intercala os focos da história com comentários e devaneios do próprio narrador, providos de pessoalidade e sentimentalidade.

Seja na alternância entre o tempo presente do narrador e o da novela da "Menina dos Rouxinóis", seja no tratamento dispensado aos acontecimentos em forma de divagações da personagem narradora, é justamente uma construção multifacetada que atinge Garret em sua composição.

O foco narrativo é dividido em duas partes que ao final se encontram em um ponto comum. Inicia-se com a viagem do narrador-personagem de Lisboa a Santarém, e apesar de ser apenas uma viagem, o título no plural se justifica, pelas palavras do próprio autor: "Vou nada menos que a Santarém; e protesto que de quanto vir e ouvir, de quanto eu pensar e sentir se háde fazer crônica." (GARRETT, 2015, p. 11). Garrett viaja através da história portuguesa e de tudo que a perpassa.

O outro eixo narrativo é a novela da "Menina dos Rouxinóis". Para introduzir a história de Joaninha e Carlos, o narrador indaga às supostas leitoras sobre a possibilidade de inserir uma história de amor em meio ao relato de suas viagens, apesar de ele mesmo não ter experiências amorosas pessoais além da saudade do filho quando pequeno e da esperança de rever a falecida mulher. As leitoras respondem, porém, em desacordo. Na possibilidade de um sufrágio nominal, há uma delas que diz não ousar professar nomeadamente suas opiniões. A resposta do narrador: “Ah! Sim...”(GARRET, 2015, p. 53) mostra que a fala da leitora o induziu a uma reflexão além do tema da conversa. Em seguida, diz: “Bem as entendo, minhas senhoras: reservemos sempre uma saída para os casos difíceis, para as circunstâncias extraordinárias.” (GARRET, 2015, p. 53). Levando-se em conta o contexto histórico e mesmo literário de Portugal, a saber, as guerras civis e o surgimento do Romantismo, possivelmente o narrador chega à conclusão de que são esses os assuntos que lhe enchem o coração. A despeito das dificuldades de confessar publicamente suas opiniões, tem-se a saída de utilizar a escrita para tal fim: esvaziar-se através da narração de uma história de amor que se passasse no período das guerras civis portuguesas e que tivesse o Romantismo como tema implícito. “Posto que seja assim tudo isto, a confidência não passará daqui, minhas senhoras: tanto basta para se saber que estou suficientemente habilitado para cronista da minha história, e a minha história é esta.” (GARRET, 2015, p. 53). Esses alheamentos do eu-lírico, as estórias que se entrecortam, a própria linguagem versátil que emprega o narrador, fazem parte da dicção do autor na escrita do romance, que se torna dotada de uma fluidez que aparenta vir de uma completa espontaneidade ao tempo que, em realidade, a arquitetura da narrativa é feita sob um espectro cauteloso e preciso. Da citação acima, que antecede a narração do enredo amoroso de Joaninha e Carlos, entende-se que o narrador será cronista da história de Portugal e da Literatura de seu tempo através da novela amorosa.

Inicia, então, a narrativa que tem início em 1832 com a cena de uma velhinha sentada "numa cadeira baixa do mais clássico feitio” (GARRET, 1992, p. 53). Da descrição feita, segundo o narrador, a dobadoira era o único sinal de vida. Seu movimento era regular.

Analisando a descrição da cena no final do capítulo XI, percebe-se que a velha representa o próprio narrador e, a dobadoira, o enredo amoroso. As pausas, justificadas como sendo os momentos em que o trabalho interior do espírito dobrava, são as interrupções nas quais o autor discorre tanto sobre Portugal quanto sobre literatura. Apesar da cegueira, o narrador menciona que os olhos da velha não estão postos na dobadoira, mas sim no poente. Tem-se, nisso, uma narrativa em abismo. Seria justamente o entrelaçamento e o complemento que os focos narrativos estabelecem entre si, de forma que o autor utiliza-se dos aspectos e informações de um para ilustrar o outro, e vice-versa, sendo a história de Joaninha e Carlos pertinente para tratar do Romantismo e dos conflitos portugueses, o que justifica a tamanha previsibilidade da história.

As reflexões sobre o espírito do todo e a mais variada exposição da individualidade seriam justamente encontradas na figuração proposta por Garret em sua figuração que funciona como explicação de si mesmo a partir da metaforização do fio da meada.

A obra é, ao mesmo tempo, real e simbólica. Real porque retrata a realidade da viagem do autor; simbólica porque o narrador retrata aspetos imaginários. Através desta, o autor consegue representar as manifestações que ocorriam nesta época (séc. XIX) em Portugal. Dona Francisca é uma velha cega, sofrida por todas as infelicidades da sua vida como a morte dos seus filhos e pela ausência do seu neto Carlos, é paciente e serena. A velha é aquele Portugal cego que fica quieto, ou seja, apaixonado pelos seus filhos mas absolutamente incapaz de fazer qualquer coisa por eles a não ser sofrer e lamentar-se. A personagem Joaninha salta à vista aos olhos do narrador devido à sua pureza. É um símbolo da natureza orgânica; simboliza também doçura e bondade (o ideal feminino romântico). Apresenta uma visão ingênua, uma jovem espiritualista que retrata a renovação de Portugal. Carlos representa, em geral, o auto-retrato do autor – Almeida Garrett: espírito renovador, liberal, impulsivo, instável, apaixonado, capaz de morrer pelos seus ideais políticos. É um personagem marcado pela excepcionalidade típica do herói romântico: Em contrapartida tem-se Frei Dinis que reflete os conservadores/absolutistas; é o retrato da austeridade, teimosia e persuasão.  

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