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UM OLHAR SISTÊMICO-FUNCIONAL SOBRE O DESENVOLVIMENTO DA LÍNGUA MATERNA

Por:   •  17/9/2016  •  Ensaio  •  1.900 Palavras (8 Páginas)  •  526 Visualizações

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UM OLHAR SISTÊMICO-FUNCIONAL SOBRE O

DESENVOLVIMENTO DA LÍNGUA MATERNA

Dr. Pedro Henrique Lima Praxedes Filho (UECE)

Especialista em Linguística Sistêmico-Funcional

Especialista em Desenvolvimento da Linguagem

A Linguística Sistêmico-Funcional (LSF) – uma teoria funcionalista em contrapartida às teorias formalistas –, parte da premissa de que a língua é (inter)ação através de textos – orais, escritos, snalizados ou multimodais – cuja função é engendrada no uso situado no contexto (amplo) de cultura e no contexto de situação (social imediata). Os textos, por sua vez, são construídos intersubjetivamente a partir de potenciais de recursos disponibilizados em redes de sistemas de significados, formas (léxico e gramática) e expressões (fônicas e gráficas).      

Antes de ser forma e expressão, a língua é potencial de significados, isto é, ela possui poder semogenético. Do ponto de vista semogenético, a língua se manifesta ao longo de três intervalos de tempo: a) o filogenético ou sua evolução na espécie humana, b) o ontogenético ou seu desenvolvimento no indivíduo humano (desenvolvimento da língua materna) e c) o logogenético ou seu desdobramento nos textos. 

A LSF tem como principal proponente o linguista britânico, radicado na Austrália, Michael Halliday, cuja hipótese ontogenética decorreu de uma pesquisa longitudinal sobre o processo de “aprender a significar” (1975, p. 8), ou melhor, sobre o desenvolvimento da língua materna por parte de seu próprio filho, Nigel. O pai registrou os significados expressos pelo filho entre as idades de 9 e 30 meses.

Os significados, no início, são construídos como resultado das funções ou dos usos dados à linguagem pelo bebê nas interações entre ele e os outros atores sociais imediatos, seus cuidadores, dentro da estrutura social circundante. As interações têm a ver com os processos intersubjetivos/sociais de troca de significados, os quais são acompanhados pelos processos intrassubjetivos/cognitivos de construção de significados. Os dois tipos de processo constituem o domínio semiótico/simbólico na vida do bebê, a qual também conta com um domínio material de processos corporais. Em última instância, os significados derivam da relação entre esses domínios, que compõem a experiência diária do bebê.  

Na medida em que o bebê cresce, as atividades relativas aos dois domínios se desenvolvem – sob o controle de um cérebro ainda imaturo –, em fases extraordinariamente paralelas. As atividades materiais de a) agitar os membros e chorar, b) alcançar e pegar (movimento direcionado), c) rolar (ambiente visto de duas perspectivas: decúbitos ventral e dorsal), d) sentar-se (ambiente visto como paisagem), e) engatinhar (ambiente visto de várias perspectivas em movimento) e f) andar são, em grande medida, respectivamente, concomitantes às atividades semióticas de a) trocar atenção com a mãe, b) gritar (choro direcionado), c) expressar curiosidade (“!”, “?”), d) usar signos isolados, e) usar um sistema semiótico primário e f) usar um sistema semiótico de ordem superior (HALLIDAY, 2004, p. 9).

Ao mesmo tempo em que é o cérebro imaturo que possibilita as atividades paralelas relativas aos dois domínios, é o acúmulo de experiências materiais e semióticas que possibilita o amadurecimento do cérebro. Este, portanto, se desenvolve até atingir amadurecimento total e o bebê se desenvolve, no âmbito do domínio material, até começar a andar e, no âmbito do domínio semiótico, até começar a falar. O desenvolvimento no âmbito do segundo domínio, que é o desenvolvimento da língua materna, acontece ao longo de três fases.

A Fase I, cujo início se dá por volta do início do engatinhar, é caracterizada pelo desenvolvimento de um sistema semiótico primário (protolíngua), viabilizado por um nível de consciência cerebral ainda primário, “compartilhado com muitas outras espécies de animais” (HALLIDAY, 2004, p. 18). Trata-se, ainda, de um sistema biestrato: plano de conteúdo com apenas significados e plano de expressão.

As expressões são gestuais ou vocais. As vocais, a maioria, não se assemelham aos sons de qualquer língua natural plenamente desenvolvida. Os conteúdos são significados divididos em seis microfunções desenvolvidas ao longo de cinco estágios de um mês e meio cada: 1o - 9 a 10½ meses, 2o - 10½ a 12 meses, 3o - 12 a 13½ meses, 4o - 13½ a 15 meses e 5o - 15 a 16½ meses. 

Em sua função instrumental, a língua [do bebê] é usada para a satisfação de necessidades materiais; é a função ‘eu quero’. A regulatória é a função ‘faça como lhe digo’: a língua no controle d[o] comportamento [dos outros]. A função interacional viabiliza a relação com os outros, sendo a função ‘eu e você’ (incluindo ‘eu e mamãe’). A pessoal ... é a expressão da identidade, da individualidade, a qual se desenvolve – em grande parte – através da interação linguística; a função ‘aqui estou eu’, talvez. A heurística é o uso da língua para aprender, para explorar a realidade: a função ‘diga-me por que’. A imaginativa é aquela do ‘vamos fingir’, através da qual a realidade é criada; o que está sendo explorado é a própria mente do bebê, incluindo a língua propriamente dita. (HALLIDAY, 1973, p. 17)

Cada microfunção é equivalente a um uso da linguagem e o bebê, nesta fase protolinguística, só consegue ‘significar’ uma única coisa por vez. Cada vocalização, então, só exerce uma das seis microfunções mutuamente excludentes. As vocalizações são, portanto, unifuncionais pelo fato de a dimensão funcional ainda ser extralinguística: as microfunções não fazem nada mais além de construir o contexto de situação do bebê, sem ativar qualquer interface formal entre os planos de conteúdo e de expressão. Em resumo, não há nenhuma organização funcional do cerne do sistema protolinguístico uma vez que tal cerne, o estrato lexicogramatical, ainda não se desenvolveu.    

A Fase II marca a transição para a língua do adulto e se estende do 6o estágio (16½ a 18 meses) ao 10o estágio (22½ a 24 meses). Caracteriza-se pela aglutinação de cinco das microfunções em torno de funções transitórias mais abstratas ou macrofunções. Enquanto as vocalizações realizadoras das microfunções instrumental e regulatória começam a ser usadas quando uma resposta é demandada, aquelas que realizam as microfunções pessoal e heurística começam a ser usadas quando nenhuma resposta é necessária. Por um lado, a combinação da instrumental e da regulatória leva à função transitória chamada pragmática ou função ‘linguagem-para-fazer’. Por outro lado, a combinação da pessoal e da heurística leva à função transitória chamada matética ou função ‘linguagem-para-aprender’(a estratégia idiossincrática do Nigel para sinalizar se suas vocalizações transitórias eram pragmáticas ou matéticas foi o uso de um tom ascendente para as primeiras e de um tom descendente para as outras). As vocalizações interacionais, por sua vez, se revezam entre as duas funções transitórias. Quanto à microfunção imaginativa, Halliday (1975) diz que “o aspecto que fica de fora do sistema transitório é a função imaginativa ou função de brincar, que, neste estágio, toma a forma de cantos e jingles com padrões entonacionais especiais próprios” (p. 53).

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