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DE ALUNO-PROBLEMA A ALUNO-PACIENTE: DE ESTRANHO A ANORMAL

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Por:   •  10/1/2015  •  5.044 Palavras (21 Páginas)  •  365 Visualizações

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DE ALUNO-PROBLEMA A ALUNO-PACIENTE: DE ESTRANHO A ANORMAL

Adriane Souza da Silva Schein –PPGEDU-ULBRA

Orientador: Luís Henrique Sommer - PPGEDU-ULBRA

Ponto de partida.

Este trabalho é um recorte da pesquisa que realizo no mestrado em educação. Focaliza especialmente uma turma de alunos com dificuldades de aprendizagem, com histórico de sucessivas reprovações na 1a. série do ensino regular, fato que os leva a institucionalização numa escola especial da APAE. A escolha desta turma, como ponto de partida deste estudo, ocorreu pelo duplo estranhamento que estes alunos causam e os possíveis questionamentos que nos remetem. Se tratam de crianças que, enquanto estiveram no ensino regular, não foram alfabetizadas, sem que os profissionais conseguissem identificar uma causa para esta dificuldade. Após várias tentativas dos professores, estes alunos ficaram de fora do processo considerado normal de aprendizagem, ou seja, não foram receptivos aos tradicionais métodos de alfabetização. Assim, colocaram em xeque o saber dos educadores, ocupando um lugar de alunos-problema, ao não se encaixarem nos padrões esperados para sua faixa etária. Este é o primeiro estranhamento pelo qual passaram estes alunos. A partir daí, ao serem encaminhados para o ensino especial, surgem novos questionamentos: “Mas este é um aluno de APAE?” . De fato, são alunos que não carregam no corpo as marcas da deficiência, não possuem qualquer tipo de síndrome ou lesão que justifique a dificuldade de aprendizagem. E se produz um segundo estranhamento: afinal a APAE se ocupa de crianças que apresentam “apenas” dificuldades de aprendizagem?

O termo “estranho” me parece pertinente neste contexto. Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa o verbo estranhar pode significar “admirar-se (alguém) por não achar natural, por perceber (alguém ou algo) diferente do que se conhece ou do que seria de se esperar; [...] surpreender-se; assombrar-se em função do desconhecimento [...] manifestar timidez, medo, desconfiança em presença de (alguém ou algo) desconhecido ou quase desconhecido; ter sensação desagradável diante de (uma nova realidade)” (HOUAISS e VILLAR, 2005).

Já o adjetivo estranho, que tem origem no latim “extranèus, a, um ─ que é de fora”, pode ser definido como algo/alguém “que causa espanto ou admiração pela novidade; desconhecido, novo; que, de alguma forma, foge aos padrões de uso, aos costumes estipulados pela sociedade; que não se conhece ou reconhece; que desperta sensação incômoda de estranheza” (HOUAISS e VILLAR, 2005).

Tais definições parecem estar, muitas vezes, coladas aos corpos de crianças e jovens com “necessidades educativas especiais” (UNESCO, 1994, p. 3) , principalmente a partir do momento em que ingressa em uma instituição como a APAE.

Ainda, para Bauman (1998, p. 27) “[...] os estranhos são as pessoas que não se encaixam no mapa cognitivo, moral ou estético do mundo [...] eles obscurecem e tornam tênues as linhas de fronteira que devem ser claramente vistas [...] geram a incerteza, que [...] dá origem ao mal-estar de se sentir perdido”. Este parece ser o caso dos sujeitos sobre os quais investigo. De certa forma, a partir deste lugar que não conseguimos reconhecer como “normal”, eles abalam uma “vontade de ordem”, típica da Modernidade.

Os efeitos da norma, ou de normalização, desencadeados a partir de um certo estranhamento que estes alunos-problema produzem, são visíveis na escola especial. Tanto que o momento de “estranhamento” é um tempo mítico, quase imperceptível, que vai ocorrer no intervalo da saída do ensino regular e ingresso na APAE. Justamente pelo incômodo que esta estranheza desperta, vão ser colocadas em operação uma série de práticas/discursos pedagógicos-terapêuticos, a fim de aplacar este mal-estar, os quais passo a analisar a seguir.

Os discursos e a norma

Existem inúmeros discursos que permeiam a escola moderna, principalmente a escola considerada “especial”, sobre o lugar do aluno. Os alunos sobre os quais esta pesquisa se voltou são aqueles que estão numa posição limite entre o que se convencionou chamar de normal e anormal, em termos de escolarização. Esta posição, de uma criança que não se alfabetiza no tempo esperado e, por outro lado, não apresenta nenhum outro comprometimento físico, que justifique este “atraso”, traz uma série de inquietações aos profissionais responsáveis por este trabalho.

Neste processo, o que parece intolerável para a escola moderna é justamente a diferença. Uma diferença vista, a priori, como problemática, o que por si só já trás interditos para a aprendizagem destes alunos.

Diante do lugar de onde a escola enuncia sua posição, quase não há espaço para que o indivíduo deixe aparecer suas diferenças. O tempo escolar é que vai determinar o tempo do sujeito, enunciando para ele como, o que e em qual fase do desenvolvimento determinadas aprendizagens devem acontecer. Aos limites espaço-escola e tempo-desenvolvimento, “todos” devem ser submetidos, para que seja estabelecida uma média em torno da qual se situa um espaço de normalidade (LOPES e FABRIS, 2004, p. 1).

Assim, o disciplinamento, a correção e o “enquadre” dos alunos nos níveis de desenvolvimento fixados pela psicologia, fazem parte da constituição histórica da escola moderna (VARELA, 2002). A ênfase é que as crianças e jovens possam ser mantidos dentro de padrões considerados normais, criando-se assim, concomitantemente o lugar do anormal.

Esta “vontade de ordem” faz uso da “norma” a fim de que se estabeleça a regularidade social (oposição à desordem) e regularidade individual (oposição ao patológico). Norma que “simultaneamente individualiza, permite individualizar incessantemente e ao mesmo tempo torna comparável” (EWALD, 1993, p. 86). Neste sentido os estranhos, ainda não foram enquadrados e individualizados pela norma. São desconhecidos, que ao passarem pelo crivo da norma, transformam-se em conhecidos anormais. “Isso significa dizer que, ao fazer de um desconhecido, um conhecido anormal, a norma faz desse anormal mais um caso seu. Dessa forma, também o anormal está na norma, está sob a norma, ao seu abrigo” (VEIGA-NETO, 2001, p. 115).

A excessiva preocupação com a normalidade, a norma e o que pode ser considerado normal, é um fenômeno encontrado de forma marcante na Modernidade. De acordo com Ewald (1993), durante a história, o conceito de norma deixa de significar especificamente uma regra. Durante a

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