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O ESQUIZO ANÁLISE E O PROCESSO DO DELÍRIO

Por:   •  28/6/2019  •  Trabalho acadêmico  •  2.336 Palavras (10 Páginas)  •  198 Visualizações

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO DE PSICOLOGIA

CURSO DE PSICOLOGIA

FERNANDA FREDERICO TONDING

ESQUIZOANÁLISE E O PROCESSO DO DELÍRIO

PORTO ALEGRE

2018

O espectro da esquizofrenia e outros transtornos psicóticos inclui esquizofrenia, outros transtornos psicóticos e transtorno (da personalidade) esquizotípica. Esses transtornos são definidos por anormalidades em um ou mais dos cinco domínios a seguir: delírios, alucinações, pensamento (discurso) desorganizado, comportamento motor grosseiramente desorganizado ou anormal (incluindo catatonia) e sintomas negativos (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014, p. 87).

        O DSM-V (American Psychiatric Association, 2014), com seu teor mais classificatório e psiquiátrico, considera a sintomatologia das afecções mentais para distribuição de diagnósticos. A clínica psicanalítica apoia-se no conceito de estrutura, que apesar de se utilizar de termos da psiquiatria (neurose, histeria, psicose, etc), difere-se da nosologia empregada (GOMES, 2016). O diagnóstico, para a psicanálise, é uma hipótese que orienta e não define uma doença, mas sim revela uma modalidade de defesa privilegiada pelo sujeito (MAURANO, 2006).

        Freud estruturou a psicanálise com base na trama familiar – o Complexo de Édipo e no desejo daquilo que falta. Na teoria edípica, a castração se faz necessária para a constituição do sujeito; ou seja, o amadurecimento da pessoa se dá pela integração à lei, pelo respeito à autoridade, portanto, à ordem social estabelecida (CÂMARA, 2000). A partir disso, Freud em seu trabalho focou prioritariamente em questões de histeria e neurose, uma vez que está fala da excessiva tentativa de submissão à lei estabelecida; apesar de não ignorar a esquizofrenia, principalmente em seu aspecto paranoico. O psicanalista pensava ser difícil, senão impossível, o atendimento psicanalítico clínico com psicóticos (FREIRE, 1998). Guattari afirma, sobre Freud, o seguinte, em uma entrevista juntamente com Deleuze, na obra A ilha deserta:

O próprio Freud reclamava no fim de sua vida de não ter podido dispor de um outro campo, de não ter tido outra maneira de se aproximar da psicose. Ele só pôde abordar os psicóticos por mero acidente e do exterior. É preciso acrescentar que, no quadro dos sistemas repressivos de hospitalização, não se tem acesso à esquizofrenia. Tem-se acesso a loucos que se encontram no interior de um sistema tal que os impede de exprimir a própria essência da loucura. Eles só exprimem uma reação à repressão da qual são objeto e que são obrigados a sofrer. O resultado é que a psicanálise é praticamente impossível no caso das psicoses (Deleuze, 2010, p. 297).

        Como crítica a estrutura psicanalítica, Gilles Deleuze e Félix Guattari fundamentaram a esquizoanálise após as movimentações de maio de 1968. A esquizoanálise oferece uma leitura das relações clínicas, sociais, políticas e institucionais não mais na relação entre família e neurose, como propõe a psicanálise tradicional, mas sim na relação entre Capitalismo e Esquizofrenia. Dessa nova relação desdobra-se uma nova percepção acerca do inconsciente, agora visto como fluxo e processo (DELEUZE apud AMARAL, 2016), constitutivo de um campo social (CÂMARA, 2000), e não mais baseado no Édipo, que para Deleuze e Guattari nada mais é do a reprodução íntima e privada do capitalismo (LEOPOLDO, 2017). O conceito de desejo passa, também, a ser compreendido como produção e não mais como falta. A proposta da Clínica esquizoanalitica questiona o modelo freudiano calcado na representação do teatro familiar, principalmente pelo fato deste buscar através de princípios universais a solução de todos os problemas afetivos, não considerando como destaca Guattari (apud CAVALCANTI & CAVALCANTI, 2017) “a multiplicidade de objetos singulares, heterogêneos uns aos outros, que se articulam em constelações funcionais não redutíveis a complexos universais”.

        Com a modificação do conceito de desejo entre a psicanálise e a esquizoanálise, surge juntamente uma nova proposta para compreensão das patologias psicoafetivas. Trata-se então de propor uma escuta apoiada no pensamento da diferença, no qual a noção de subjetividade é pensada, potencializando assim a construção de uma prática voltada às singularidades dos sujeitos atendidos (CAVALCANTI & CAVALCANTI, 2017). A tarefa da esquizoanálise, portanto, seria libertar as singularidades pré-pessoais, fazer deslizar os fluxos, proporcionar cortes e revirar o campo social do sujeito (CÂMARA, 2000).

        Considerando as patologias psicoafetivas, a psicose, então, é a principal fonte do trabalho esquizoanálitico. Em uma aula de Gilles Deleuze sobre o Anti-Édipo (AMARAL, 2016.), obra produzida pelo ministrante juntamente com Guattari, o filósofo comenta sobre três possíveis interpretações da psicose. A primeira refere-se a interpretações personológicas, ou seja, “elas retornam sempre ao Eu como referência de base, à unidade da pessoa, marcando uma espécie de derrota do ponto de vista da pessoa e da sua relação com o real”. Há uma segunda corrente que pode ser dita “estruturalista”, cabendo aqui a psicanálise tradicional. Nesta visão, a psicose é interpretada como “um acontecimento essencial da estrutura, ligado à distribuição das posições, das situações, e das relações de uma estrutura”. A terceira interpretação possível, e mais coerente para os filósofos da esquizoanálise, concebe a doença mental como um processo. Para estes, o delírio é um investimento de um campo histórico-social; ou seja, o delírio não é produzido a partir da família, como prega Freud. “Alguém que delira é, literalmente, alguém que assombra o campo social, o campo histórico”.

        Enquanto a psicanálise freudiana se fundamenta no modelo neurose-estrutura, tendo a castração como necessidade; a esquizoanálise olha para a esquizofrenia como o limiar por onde passam os fluxos desejantes, caracterizando o diferente da produção social do comum, a quebra da lógica capitalista. “A esquizofrenia é resultante do capitalismo, mas, ao mesmo tempo, lhe escapa; além do mais ela é desfigurada e não enquadrável” (CÂMARA, 2000). São as impossibilidades que cercam o ser humano através de imposições sócio-histórico-culturais “que o impulsionam para a descoberta de novas potencias dentro de si ou para a loucura como saída de emergência” (BERMÚDEZ, 2009). O sistema duro, incontestável, que modula os desejos, é ultrapassado pelo delírio, sendo a esquizofrênia a expressão do limite absoluto deste processo (PATTO, 2014).

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