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O QUE INSISTE EM NÃO SE DEIXAR CALAR NO DISCURSO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA MENTAL

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Por:   •  13/8/2014  •  2.694 Palavras (11 Páginas)  •  351 Visualizações

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O QUE INSISTE EM NÃO SE DEIXAR CALAR NO DISCURSO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA MENTAL

Jornada: “A Psicanálise e os Outros Discursos” Escola Letra Freudiana – 29 e 30/11/02

Valéria Marques CRP 05/12410

Psicanalista Psicopedagoga Mestre em Educação Doutora em Psicologia

marquesvaleria@globo.com

valeriamarques@ufrrj.br

“A psicanálise atesta um avanço da civilização sobre a barbárie. Ela restaura a idéia de que o homem é livre por sua fala e de que seu destino não se restringe a seu ser biológico. Por isso, no futuro, ela deverá conservar integralmente o seu lugar, ao lado das outras ciências, para lutar contra as pretensões obscurantistas que almejam reduzir o pensamento a um neurônio ou confundir o desejo com uma secreção química” (Roudinesco, 2000, p.9).

“O homem é livre por sua fala e (...) seu destino não se restringe ao seu ser biológico” (Roudinesco, 2000), esta será a pedra angular no trabalho que pretendemos discutir: liberdade através da fala. O homem ascende à linguagem no momento em que o desejo se humaniza (Lacan, 1998), isto representa uma nova forma de lidar com o que marca o ser humano: o desejo e a pulsão e não mais o puro instinto. Neste trabalho partiremos de alguns poemas e poesias de dois jovens com deficiência mental, para debatermos a constituição da subjetividade das pessoas nesta condição. Os textos foram transcritos dos livros conforme o seu original impresso. Acreditamos que mais relevante do que o “erro” ortográfico aparente seja a leitura do conteúdo latente que perpassa no texto.

Mannoni (1985) aponta que a história da pessoa com deficiência mental é marcada pela prisão ao estigma da incapacidade desde sua primeira relação com o outro, sua mãe. Ela ocupará o lugar da falta objetivada, o que obstrui o sentido pleno desta mesma falta e dissimula a doença materna. Todo o desejo de despertar do filho será primeiramente combatido pela mãe e depois ignorado e menosprezado pela sociedade. O lugar da pessoa com deficiência mental restringe-se, no imaginário social, à incapacidade e ao fracasso. Ela carrega em si o rótulo social da estagnação. Reduzidas à sua condição de déficit cognitivo, são coladas completamente a este e ignoradas na sua “efetiva-idade”. O estigma da eterna infância compromete a constituição do sujeito desejante e a interpretação social de seus desejos e demandas. Na medida em que ela “não pode”, sua identidade é circunscrita à sua deficiência. Deste lugar, ela será amada por sua mãe e “aceita” pela sociedade. Enquanto a pessoa com deficiência mental ficar neste lugar materializado da falta, destinado a preencher a falta de ser da mãe, não terá outra significação possível, a não ser existir para o outro e não para si próprio.

A linguagem médica instituiu e ainda mantém o foco no aspecto orgânico da falta, da lesão. Não é de se surpreender que ao nascer uma criança com comprometimento, a fala médica freqüente é apenas relacionada ao comprometimento e ao futuro certo de fracassos. Esta profecia torna-se auto-cumprida pela família e pela própria criança. Poucos ousam desconfiar e discordar deste discurso premonitório. Muitas vezes as próprias instituições de educação especial focalizam apenas os sintomas apresentados pelas pessoas com deficiência mental e justificam todo o quadro com características sintomáticas, apagando qualquer vestígio da singularidade do sujeito. A cronificação da conduta da pessoa com déficit orgânico não surpreende, ela pode até mesmo ser esperada e justificada.

Quebrar com este sintagma não é uma tarefa fácil, pois existe um gozo que prende a pessoa neste lugar de “infantil-idade” e de doença. Alguns trabalhos psicanalíticos (Mannoni 1985, 1987; Cordié, 1996) e psicopedagógicos (Paín, 1987; Fernández, 1987) apontam para uma análise das questões latentes que não ficam reduzidas à superficialidade da questão orgânica. Mrech (1999) realça que o processo de constituição do sujeito vai depender das condições tecidas através da linguagem e da fala que o Outro lhe der. Se este Outro colocar o sujeito desde o início em uma condição de baixa expectativa, este sujeito se restringirá a este lugar. Freqüentemente, constatamos esta premissa como verdadeira em relação à pessoa com deficiência mental. Ela estará limitada frente a si própria e aos demais, no lugar daquela que “não pensa”, “não deseja” e não “se expressa”.

A psicanálise permite se aproximar do sintoma e buscar a sua significação. Ele deixa de ser a certeza de uma doença para ganhar estatuto de uma palavra. “recolhidos enquanto série significante, portanto regidos pelas leis da linguagens seus sintomas são o ponto de abertura de um dizer sobre a história e o lugar de enunciação de cada um desses sujeitos” (Pinho, 2001,p. 77).

A pessoa com deficiência mental passa a sua vida inteira repetindo algo que nem sempre reconhece como seu e que às vezes até mesmo discorda. Estas condutas repetitivas podem muito bem ser o sofrimento ou a morte. Ela goza no lugar da “débil-idade”. O sujeito goza na e através da linguagem. A alíngua, processo inconsciente, não visa se comunicar, fazer sentido e sim gozar. O gozo refere-se ao prazer inconsciente da inércia. Cada vez que o sujeito fala, diz mais do que gostaria de dizer.Este gozo deverá ser domado pelo próprio sujeito em prol do movimento para a saúde. Com isto, o gozo deverá submeter o prazer e o desejo ao interdito da lei. A ética do psicanalista trata do gozo que deverá passar ao dizer, que tenderá a ser decodificado (Cordié, 1996). Desta maneira, a pessoa com deficiência mental terá pouca chance de quebrar sozinha este circuito. A análise pode colaborar para que ela se olhe, se ouça e reconheça a maneira como foi ou é olhada pelo Outro. Mesmo que aparentemente o discurso não comunique nada, por si só ele representa a existência da comunicação. O psicanalista deve estar preparado para “ouvir” que “parte” deste discurso é significativo (Lacan, 1998). Aí, ele opera, nas meias palavras, no lapso, no suspiro, no não-dito.

Reconhecer as angústias que estas pessoas se defrontam com o amadurecimento, seria reconhecer em cada um a perda da fantasia da “ingênua-idade” infantil. Reduzir à pessoa a sua condição de déficit cognitivo é anular o reconhecimento do sujeito desejante, conseqüentemente o sujeito da fala. Ver na pessoa com deficiência mental a possibilidade de viver a vida e confrontar-se com seus problemas reais na busca

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