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O Campesinato Brasileiro: Uma História de Resistência

Por:   •  9/9/2021  •  Dissertação  •  11.271 Palavras (46 Páginas)  •  208 Visualizações

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O campesinato brasileiro: uma história de resistência

Maria de Nazareth Baudel Wanderley

Professora aposentada da Unicamp. Professora colaboradora do PPGS/UFPE. Bolsista do CNPq. E-mail: nazarebw@gmail.com

RESUMO

A representação da agricultura brasileira associada a grandes propriedades monocultoras e agroexportadoras é fruto de uma "amnésia social" que nega a contribuição do campesinato para a sociedade. Definido como uma forma social de produção, ao campesinato corresponde a um modo de vida e à uma cultura. É necessário, pois, compreender as estratégias fundiárias, produtivas e familiares que favoreceram, no Brasil, a ocupação de espaços precários e provisórios ou a criação efetiva de comunidades camponesas com maior perenidade. A modernização da agricultura no século XX provocou a expulsão dos moradores e dos posseiros. Com a redemocratização, os movimentos sociais rurais reinscrevem no debate da sociedade a atualidade da questão fundiária e a pertinência das lutas pela terra. Os recentes debates teóricos e políticos a respeito das categorias "campesinato" e "agricultura familiar" confirmaram a constituição de um setor de agricultores não patronais e não latifundiários, que exercitam formas próprias de viver e trabalhar, confirmada pelos dados do Censo Agropecuário de 2006. Os estabelecimentos agrícolas economicamente mais precários foram considerados, inicialmente, como uma "franja periférica", enquanto os programas territoriais os incorporaram na condição de "pobres do campo". A inclusão produtiva que corresponde a este tipo de agricultor deveria considerar sua histórica resistência como camponeses.

Palavras-chaves: Campesinato, agricultura familiar, pobreza rural, desenvolvi­mento rural.

ABSTRACT

The representation of Brazilian agriculture, associated with large monocultures and agroexport farms is the result of a "social amnesia" that denies the contribution of the peasantry to society. Defined as a social production form, the peasantry represents a way of life and a culture. It is necessary to understand agrarian, productive and familiar strategies that favored, in Brazil, the occupation of precarious and temporary spaces or the effective creation of rural communities with greater durability. The modernization of agriculture in the twentieth century led to the expulsion of residents and squatters. With democratization, rural social movements re-inscribe the debate about the relevance of the land issue and the pertinence of land struggles. The recent theoretical and political debates about the categories "peasantry" and "family farm" confirmed the formation of a sector of non-employers and non-landlords' farmers, who exercise their own ways of living and working, confirmed by data from the last Agricultural Census (2006). The most economically disadvantaged establishments were initially considered as a "peripheral fringe", while territorial programs have incorporated them in the condition of "rural poor". The inclusive production that corresponds to this type of farmer should consider its historical resistance like peasants.

Key-words: Peasantry, family agriculture, rural poverty, rural development.

Classificação JEL: Q19.

1. Introdução

Não raramente, a representação socialmente construída da agricultura brasileira a associa a grandes propriedades monocultoras, produzindo para os mercados internacionais, sobre a base de um moderno e sofisticado padrão tecnológico1. O exemplo mais expressivo, nos dias de hoje, que é frequentemente veiculado nos meios de comunicação, é o das grandes plantações de soja nas antigas regiões de fronteira agrícola do País. Na monótona e monocolorida paisagem da planície, máquinas possantes vencem o tempo e o espaço e diluem da imagem qualquer presença humana.

Na verdade, esta representação é fruto de uma "amnésia social" (MOTTA e ZARTH, 2008) que marcou, desde suas origens, a história do campesinato no Brasil, e que nega o reconhecimento de sua contribuição para a sociedade. O presente texto se filia a uma outra concepção, segundo a qual

[...] o campesinato, forma política e acadêmica de reconhecimento conceitual de produtores familiares, sempre se constituiu, sob modalidades e intensidades distintas, um ator social da história do Brasil. Em todas as expressões de suas lutas sociais, seja de conquista de espaço e reconhecimento, seja de resistência às ameaças de destruição ao longo do tempo e em espaços diferenciados, prevalece um traço comum que as define como lutas pela condição de protagonistas dos processos sociais (HISTÓRIA SOCIAL DO CAMPESINATO, 2008/2009)2.

Antes, porém, de expor esta argumentação, será necessário explicitar o que se pode entender por campesinato. Numa perspectiva geral, o campesinato corresponde a uma forma social de produção, cujos fundamentos se encontram no caráter familiar, tanto dos objetivos da atividade produtiva – voltados para as necessidades da família – quanto do modo de organização do trabalho, que supõe a cooperação entre os seus membros. A ele corresponde, portanto, uma forma de viver e de trabalhar no campo que, mais do que uma simples forma de produzir, corresponde a um modo de vida e a uma cultura.

Naturalmente, esta caracterização é bastante genérica e, assim apresentada, pode ser adequada à compreensão de uma grande diversidade de situações concretas de reprodução dos camponeses. Importa, assim, compreender as especificidades de cada uma destas situações, que lhes dão conteúdo social particular.

No caso do campesinato do Brasil, é preciso considerar que a agricultura brasileira, na qual ele está historicamente inserido, manteve, mesmo longamente após o fim do período colonial, seus traços estruturantes, que consistiam na grande propriedade monocultora e no trabalho escravo.

Este fato indiscutível não impediu, no entanto, que se constituíssem, nos interstícios internos e externos dos latifúndios, espaços que escapavam, de direito ou de fato, da ocupação pelos senhores

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