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O DESPRENDIMENTO E INDIFERENÇA NO PENSAMENTO CARTESIANO.

Por:   •  13/9/2021  •  Relatório de pesquisa  •  2.500 Palavras (10 Páginas)  •  94 Visualizações

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O DESPRENDIMENTO E INDIFERENÇA NO PENSAMENTO CARTESIANO.

1. INTRODUÇÃO

A partir de René Descartes (1596-1650) a atitude do “desprendimento”, aliada ao autodomínio da vontade, resultou progressivamente no modelo de controle instrumental, um certo neo-estoicismo, aplicado a uma série de campos da vida social, na forma de disciplinamento. O desprendimento consiste em colocar-se do lado de fora, para poder objetivar e fazer ciência, e ‘adotar a mesma postura instrumental diante das propriedades, desejos, inclinações e tendências subjetivas’ (TAYLOR, 2005, p. 210), com a pretensão de aplicar a razão técnico-instrumental também aos hábitos de pensamento e aos sentimentos e assim garantir o controle de escolha e de elaboração de seu projeto subjetivo.

2. O Mundo-Máquina

2.1  A nova visão geral: O Mundo-Máquina e a dessacralização da natureza.

Ainda que de passagem, é oportuno lembrar que as transformações epistemológicas e morais em curso no início da modernidade se inserem num contexto cultural mais amplo, que poderíamos chamar de mudança de paradigma ou mesmo de metafísica, no sentido de visão geral de mundo. A tradição clássica, que vem de Platão e de Aristóteles, efetivou-se ao longo da Idade Média através do cristianismo, alcançando todo ocidente por meio da teologia e da ação doutrinal da Igreja. Essa tradição, guardadas as devidas diferenças entre os diversos teóricos, tem em comum a premissa platônica da participação ontológica (metéxis) de todos os entes no Ser.  O cristianismo incorporou esse pressuposto na visão criacionista de mundo, de modo que os entes criados podem ser entendidos como materialização das ideias ou pensamentos do Criador.  Ou, para manter uma distinção clara entre o Criador e criaturas, a criação toda é sagrada, não porque é Divina assim como Deus, mas porque foi criada por Ele e no final da obra Ele viu que “tudo era Bom”. Sem aprofundar isso neste texto, aponto para o “Cântico das Criaturas”, de Francisco de Assis (1182-1226), como exemplo ilustrativo para compreender essa visão de mundo a partir do princípio criacionista da fraternidade universal. Em decorrência, deixar as coisas serem como são e cuidar para que possam continuar sendo como foram feitas tornou-se imperativo moral para a espécie de criaturas dotada da capacidade de inteligir e a consequente consciência moral do ‘dever de cuidar’.

Taylor (2005, p. 211) refere-se também rapidamente a essa visão anterior à modernidade dizendo que “ninguém pode compreender essa ordem enquanto é indiferente a ela ou não reconhece sua força normativa”, diria, enquanto não se sente parte e participante em um todo maior e sobre o qual não se tem poder. Por isso que, para afirmar o poder do sujeito racional, era preciso fazer frente a essa visão criacionista de mundo, substituindo-a por uma visão que destituísse a realidade de seu caráter sagrado, que desmistificasse as coisas, a ponto de o ser humano poder coloca-las diante de si como meros objetos. Em poucas palavras, o discurso filosófico das ciências emergentes ressignificou gradativamente os termos de designação geral da realidade ou os substituiu por outros, mais adequados aos propósitos do sujeito distanciado. A visão mecanicista renascentista e em boa parte a cartesiana, ainda manteve vinculação com a visão cristã, no sentido de que um “universo mecanicista era compatível com um Deus infinitamente livre para decidir” (Taylor, 2005, p. 212).

2.2 O sujeito

Mas ao longo do século XVII essa visão mecanicista foi aos poucos perdendo sua referência teológica e o termo “criação” foi paulatinamente substituída pelo de “natureza”, sem que isso implicasse necessariamente a negação de Deus, mas dispensava sua força normativa e autorizava o ser humano a fazer pesquisa sem ter que considerar o suposto desígnio divino das coisas. O dualismo de Descartes contém uma reserva de sacralidade com relação à “coisa pensante”, por vezes denominada de “alma”, mas a “coisa extensa” (os corpos, a matéria) foi destituída desse caráter. A aplicação disso à ‘natureza’ em geral era importante, até mesmo necessária, para que o sujeito racional pudesse afirmar-se como tal e pôr os entes naturais diante de si como objeto, isto é, pô-los diante de si significa efetivamente pôr os objetos que, desde então, são representações da razão, ao modo da razão, daí sua objetividade.

Isso já implica o conceito acima referido e que perpassa a nossa reflexão: o sujeito “desprendido”: o sujeito que se colocou do lado de fora da natureza como se a ela não pertencesse e que, por isso mesmo, pode objetivá-la. No caso de Descartes, o dualismo, aliado à visão mecanicista da natureza sugere e até exige um procedimento metodológico adequado ao modo de ser da “máquina”. Se ela é composta de partes destacáveis umas das outras então a maneira adequada de estudá-la é desmembrar e investigar cada parte por sua vez, ou seja, aplicar a segunda regra do método: divisão/análise.[1]

Mas o segundo componente anunciado no título acima também está presente no pensamento de Descartes. Além do Sujeito posto do lado de fora como garantia de objetividade, o rigor do método já é uma forma de aplicação do Self Pontual, aqui especificamente como poder de controlar os processos de pesquisa e de construção do conhecimento: é a própria razão que, de antemão, propõe para si mesma as formas de procedimento correto na condução dos processos investigativos, para garantir o controle e a objetividade. É nisso que consiste posteriormente a essência da técnica.

3. Elementos da pesquisa

Falta apenas um componente para que a objetividade do conhecimento seja efetivamente garantida, isto é, para que esse procedimento metodológico de investigação não dependa dos fatores subjetivos do pesquisador; uma forma de linguagem que não comporte ambiguidades e que não esteja exposta a possíveis equívocos e polissemias: a matemática. Apenas como nota, convém lembrar que de certa forma todos esses elementos também estão presentes na concepção de mundo e de procedimento metodológico de Galileu, contemporâneo de Descartes, mas é este último que elabora a legitimação filosófica dos mesmos, e os lega para a modernidade como ingredientes fundamentais para a civilização científica e tecnológica.

3.1. A Filosofia da Pesquisado

Resumidamente, estes elementos são os principais conceitos da filosofia cartesiana, a começar pelo “cógito”, isto é, a coisa pensante, radicalmente distinta do corpo, que em sendo matéria tem a estrutura de máquina, como todos os corpos ou toda “coisa extensa”, e que por isso mesmo pode ser infinitamente dividido e, assim, tornar-se matematizável. À primeira vista parece que essas afirmações sucintas não contem o decisivo, mas ao compreendermos as implicações e consequências de cada um destes elementos para a ciência moderna perceberemos seu alcance decisivo sobre o desenvolvimento posterior.

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