Resenha Crítica - Cem dias entre o céu e o mar

CEM DIAS ENTRE O CÉU E O MAR - AMYR KLINK

Cem dias entre o céu e o mar narra sua travessia solitária num pequeno barco a remo. A viagem iniciou-se no dia 10 de Junho e terminou no dia 18 de Setembro de 1984, e durante esse período Klink atravessou o Atlântico Sul, tendo como partida o porto de Lüderitz, na Namíbia, e como chegada Salvador, na Bahia.  Amyr Klink nos revela a sua atração pelos relatos de expedições marítimas de três navegadores que fizeram a conquista do pólo sul. Com um texto bem poético e com relatos fascinantes, principalmente porque ele os lia sentados numa escrivaninha, na casa da família em Paraty. Amyr Klink, apaixonado pelas águas, é um brasileiro nascido em São Paulo, na cidade de Paraty e formado em economia, que resolve deixar a família e os amigos para viver esse projeto de atravessar o atlântico com apenas um barco a remo.

Sua aventura foi realizada no final do outono, tendo o inverno pela frente, época de maior dificuldade. A partida o fez pensar na família, nos amigos, em Paraty e no Brasil, onde a resposta de suas reflexões parecia distante, ele acreditava que não iria sobreviver a essa aventura, pois, o Atlântico Sul jamais havia sido cruzado com sucesso, a remo. Os mares a que ele se lançou já tinham sido antes, desbravados por vários outros navegadores, por isso sabia que deveria confiar nas informações adquiridas nos seus estudos e, que qualquer informação errada seria fatal. O autor desvenda o segredo das histórias que leu e das que escreve desde então: aventura é aventura mesmo quando é vivida e, depois, contada. Não havia propriamente novidade no trajeto, que muito se baseava nas avenidas abertas entre correntes e ciclos de ventos pelos portugueses dos tempos dos grandes descobrimentos. Mas sobrava a vontade de se valer das experiências anteriores para desenhar um desafio: o de querer fazer e conseguir juntar gente em torno de uma ideia. A preparação da viagem é tão rica em coincidências e cuidados quanto o desenrolar dos dias no mar é rico em estórias. As emoções vêm do respeito às grandes tempestades, dos sustos com os ataques dos tubarões, das belas surpresas, como a companhia dos peixes dourados, e com a aproximação de uma creche: filhotes de baleias, fêmeas e um zeloso macho negro. Esta viagem o fez entender as coisas ocultas, o fez entender as coisas do mar, o fez conversar com as ondas, a não discutir com o tempo, a transformar o medo em confiança. Entendeu que é preciso ter paciência e dominar a força das águas e dos ventos pela razão. Se não dá para vencer a corrente pelos braços dá para vencê-la com a cabeça. Na coragem e na confiança venceu ondas de 16 metros de altura e ventos de 174 km por hora, também superou tempestades ininterruptas de até 07 dias. Se por vezes o susto e o medo tomava conta, por outras, o mesmo Atlântico o surpreendia com seu silêncio, onde podia sentir a força das braçadas remadas, também podia ouvir o ruído das gaivotas pescando e saltando, suas brincadeiras o distraiam por horas de trabalho.  O cotidiano é feito de remar oito horas por dia, de fazer cálculos precisos, de tirar alegria da refeição deliciosamente desidratada, e de ter muito tempo para só contar consigo diante do poder maior da natureza. Dessa rotina surge um homem sem dúvidas, forte o suficiente para traduzir o que aprendeu em belas frases (O medo de quem navega não é o mar, mas a terra) ou em sinceros e sábios lugares-comuns (No mar, o menor caminho entre dois pontos não é necessariamente o mais curto, mas aquele que conta com o máximo de condições favoráveis). Ao final da leitura, também na escrivaninha ou no sofá, o leitor sente-se um pouco aprendiz dos mares, e disposto a enfrentar um de seus medos, aliás, o único permitido ao navegador: o medo de nunca partir.

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