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A Desigualdade Social e o Direito

Por:   •  30/7/2016  •  Ensaio  •  1.854 Palavras (8 Páginas)  •  512 Visualizações

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A desigualdade social e o Direito

A partir da obra “A ralé brasileira: quem é e como vive” de Jessé Souza, é possível realizar uma análise acerca das proposições teóricas e o seu relacionamento com as evidências empíricas apresentadas. Dessa forma, consegue-se confrontar os conceitos com os dados obtidos nas pesquisas, para que se entenda com precisão as verdadeiras nuances da problemática trabalhada e levantar, posteriormente, meios de resolução sob um ponto de vista do Direito.

A ideologia corrente na sociedade moderna permite a criação de uma ilusão baseada na liberdade individual e a existência de possibilidades iguais para todos. Essa suposição sustenta todo um sistema de legitimação da desigualdade social, em que a culpa pelo fracasso é do indivíduo ou, quando muito, de sua família. Tal senso comum possibilita a perpetuação de privilégios de classe sob a forma de uma meritocracia.

A meritocracia é a ideologia principal do mundo moderno e permite a fundamentação de regalias, considerados justas, de alguns poucos em razão de um suposto esforço individual. Há, assim, a separação do indivíduo do seu contexto social, o que permite que seja responsabilizado pelo insucesso e não pelo fato de pertencer a um determinado grupo de excluídos.

As famílias estão sempre conectadas a um meio social e, portanto, reproduzem os valores de uma classe específica a partir da educação de seus filhos, além do fato de, geralmente, relacionarem-se dentro dessa mesma categoria. Isso demonstra um fator de determinação social, de forma que os indivíduos pertencentes à família estarão sempre circunscritos àquela mesma realidade.

Diferentemente da classe média, que transmite a seus descendentes os valores necessários à vida em sociedade de uma forma considerada “ideal”, a “ralé” não tem muito a ensinar a seus filhos pelo fato de que os próprios pais não foram estimulados a desenvolverem as aptidões exigidas atualmente, a exemplo da estima pelos estudos. A ausência desse capital cultural é algo determinante para que as classes inferiores sejam relegadas a reproduzirem-se nesse seio de desigualdade intensa, embora camuflada por meio do senso comum e visões meramente economicistas.

A falta de um aprendizado como o desfrutado pela classe média influencia diretamente na capacidade de desenvolvimento profissional dos membros da “ralé”, sendo que a inserção destes no mercado de trabalho se dará por meio de funções que não exijam qualificação elevada e que não possibilitam grandes remunerações, o que configura o baixo nível de renda de tal classe. A diferença entre rendimentos é fruto das distinções entre as classes e não motivo dessa divisão, como faz crer a análise econômica superficial.

O senso comum e a “brasilidade” agem de forma a encobrir a realidade contrastante da sociedade, de modo que a definição de classes baseada em critérios econômicos resguardados pela confiança cega no mérito individual em conjunto com a crença na integração social sem disparidades entre os indivíduos permite a perpetuação do esquema de marginalização de classes inferiores. Além disso, há tentativa de resumir os problemas brasileiros à esfera Estatal, como se a origem de todo o mal estivesse ligada a má administração pública, sendo mais uma forma de mascarar a desigualdade.

O “determinismo social” a que são submetidos os membros da “ralé estrutural”, no qual poucas opções são possíveis de serem seguidas em termos de atividade profissional e até mesmo estilo de vida, faz com que o indivíduo será sempre condicionado pelos fatores intrínsecos a sua existência e que o tornam inferior aos olhos da sociedade. É por tal motivo que muitas mulheres da “ralé” não têm muitas alternativas senão o trabalho como empregada doméstica, um trabalho que não exige muita qualificação, mas, por outro lado, é fisicamente exaustivo.

A partir do que foi apresentado em “‘Do fundo do Buraco’: o drama social das empregadas domésticas”, o capítulo 7 do livro é possível perceber a difícil realidade a que estão submetidas essas mulheres, de forma que a partir desses dados empíricos pode-se estabelecer uma relação com os pressupostos teóricos anteriormente tratados.

A história de vida de Leninha é um bom exemplo das dificuldades que surgem, desde o nascimento, para os membros da “ralé” e que desenham uma trajetória toda permeada pelo sofrimento e falta de melhores condições de vida. No caso dela, após uma infância dolorosa, havia apenas duas opções: conseguir um “bom” marido, que a protegesse de possíveis abusos, ou trabalhar como empregada doméstica para se tornar agregada de uma família. Tentou a primeira opção, mas tal escolha mostrou-se perigosa, pois passou a viver sob condições mais precárias que outrora, correndo o risco de ser violentada pelo próprio marido. Viver como uma agregada foi mais interessante à Leninha, possibilitando melhores condições de vida, embora estivesse sempre limitada a um mesmo âmbito de exploração e ser considerada como socialmente inferior à própria família com quem morava.

Tal situação demonstra que se instaura um quadro de dependência da empregada para com a família, em que são impostos limites ao exercício das liberdades da agregada, a qual deve viver sempre de acordo com as possibilidades que lhe são atribuídas, mas nunca do mesmo modo que os outros membros daquele lar. A agregada é obrigada a se entregar totalmente para executar as funções que lhe são exigidas, não podendo ter uma vida própria, pois estará sempre submetida aos seus afazeres domésticos.

Não obstante a conquista da libertação da exploração em torno daquele círculo familiar, que se deu, no caso de Leninha, por meio de um novo “casamento”, a construção de uma vida própria ainda conta com muitas dificuldades e sofrimentos, uma vez que estará sempre condicionada aos mesmos problemas dos membros de sua classe e não terá muitas outras oportunidades. A função de empregada doméstica continua sendo a única forma de prosperar na medida em que o esforço físico é tudo o que se pode fazer para garantir uma renda própria.

 A crença na conquista da dignidade por meio do trabalho árduo é uma tentativa de se conseguir uma valorização do próprio esforço e amenizar o sofrimento. Assim, cria-se uma ilusão de que através do empenho pessoal seria possível reverter essa condição social inferior, numa clara manifestação da meritocracia, como também um encobrimento da realidade a que muitos estão alheios de forma a torná-la menos humilhante.

O problema da desigualdade social é também refletido na aplicação do Direito, mais precisamente no que diz respeito à Justiça Penal. O capítulo 14: “A má-fé da justiça” mostra que a diferença de nível social existente entre os operadores do Direito e aqueles que são réus de processos penais, geralmente os membros da “ralé”, aliada à estrutura institucional que de antemão guarda uma desconfiança acerca do caráter desses indivíduos, faz com que a justiça atue como um órgão de controle social, retirando do convívio em comunidade aqueles que são considerados como inimigos da ordem pública. Isso é feito sem se analisar a realidade em que vivem essas pessoas, esquecendo as condições precárias que influem na opção pela criminalidade, de modo que as penas são uma forma de “proteger” a sociedade daqueles que ela mesma exclui.

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