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MARX E MARSHALL: UMA ENTREVISTA COM DEUS

Por:   •  3/6/2015  •  Trabalho acadêmico  •  2.748 Palavras (11 Páginas)  •  223 Visualizações

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MARX E MARSHALL: UMA ENTREVISTA COM DEUS[1]

Um dia, aborrecido com o tédio que tomava conta do paraíso, Deus resolveu perdoar dois pecadores. Mas estabeleceu como condição para o perdão que eles fossem capazes de responder a uma questão singela, tão próxima das necessidades e preocupações humanas. Chamou S. Pedro e ordenou que trouxesse do purgatório dois homens e que propusesse a eles a seguinte questão: o que dá valor às coisas?

Pedro, acostumado com as idiossincrasias de Deus e consciente das dificuldades que aquela pergunta aparentemente simples escondia, avaliou com cuidado as almas que habitavam o templo da expiação e, como se quisesse testar a paciência do Senhor, escolheu Karl Marx, que habitava o último círculo do purificatório já próximo do inferno, e Alfred Marshall, que vivia no primeiro círculo, como os eleitos que teriam a oportunidade de elevar-se ao paraíso. Ambos tinham razões para estarem expiando suas culpas, Marx muito mais que Marshal. Mohr, como carinhosamente era chamado por sua amada Jenny, nasceu judeu, mas passou toda sua vida a demonstrar que a religião era o ópio do povo e que estava no materialismo as respostas para as dúvidas da humanidade. Já os pecados do famoso economista inglês eram veniais, embora, talhado que fora para ser ministro religioso, tenha secundarizado sua crença em prol do estudo da economia matemática.

Ao chamá-los, Pedro sabia que aquele seria um dia especial no céu e, como se estivesse pregando uma peça ao Senhor, os conduziu à Sua presença. Deus de imediato fez a pergunta devida:

- O que dá valor às coisas?

_ Marx, como sempre irritadiço e desdenhoso com aqueles que não compactuavam com suas crenças, foi o primeiro a falar:

- O que dá valor às coisas é o trabalho. O valor é decorrente das relações sociais de produção que se estabelecem no processo de realização da atividade econômica. Este valor é objetivo, pode ser medido e é histórico, varia de acordo com estágio tecnológico e produtivo.

- E como pode ser medido? - interrogou Deus

- A atividade econômica é coletiva, se realiza no seio da sociedade. Na sociedade existem ocupações diferenciadas que determinam uma divisão social do trabalho e cada atividade pode ser decomposta numa categoria única: o trabalho. Quando produzimos um bem, o seu custo de produção é composto pelas matérias-primas, pelos salários, máquinas e equipamentos. Pois bem, todos esses custos podem ser decompostos em trabalho humano, de tal modo que o valor de um bem é medido pelo tempo de trabalho empregado na produção. Isso significa que existe um trabalho concreto, resultante da atividade específica direta e um trabalho abstrato que pode ser considerado como trabalho homogeneizado, despendido de forma geral na produção de qualquer bem. Assim, um terno pode valer dois sapatos, se o tempo de trabalho empregado na produção do temo for duas vezes maior que na produção do sapato.

Apesar da ênfase com que Marx falava, Deus não parecia muito convencido.

.- Se isso for verdade, o mundo será o paraíso dos preguiçosos, pois quanto mais tempo alguém levar produzindo alguma coisa mais valor ela terá.

- Ora, Senhor, não se trata disso. O valor das coisas é dado pelo tempo de trabalho socialmente necessário para produzi-las, ou seja, existe um tempo social médio para produzir os bens dado pelo estágio tecnológico e pelo desenvolvimento das forças produtivas. Se um produtor for muito lento, será eliminado pela concorrência e aquele que for muito rápido logo terá competidores tão rápidos quanto ele.

- Pelo que você diz, uma obra de Da Vinci, aquele presunçoso que queria saber de tudo, valeria tanto quanto a de qualquer borra-botas pós-moderno.

- Não, não, por favor! A teoria do valor trabalho é uma teoria que se presta para a produção em série. A Gioconda não pode ser valorada pelo seu custo em trabalho, bens como esse são as exceções que confirmam a regra.

- Olhe, camarada - retrucou Deus, sem disfarçar o sarcasmo-, essa teoria é engenhosa mas ainda não estou inteiramente convencido. Vamos ver o que seu colega tem a dizer.

Marx retomou ao seu lugar visivelmente aborrecido e Marshall levantou-se na expectativa do chamado do Senhor. A voz veio sonora e tonitruante, como convém a um deus:

- E o senhor Marshall, o que tem a dizer? O que dá valor às coisas?

- É a utilidade, Senhor! O homem tem necessidades e o grau de satisfação dessas necessidades estabelece o valor de cada bem. A utilidade derivada da posse de um bem que satisfaz nossas necessidades é a medida de valor.

- Como assim? - indagou Deus, interessado.

- O homem relaciona-se diretamente com a natureza e estabelece valor aos bens de acordo com a capacidade destes bens de satisfazerem suas necessidades. O valor é algo subjetivo, relacionado com as necessidades do ser humano. E como existem muitos bens que podem satisfazer às necessidades do homem, é a sua preferência que vai valorar as coisas.

- Mas se for assim o valor dos bens mudaria se mudasse a preferência dos consumidores - Deus tinha uma expressão incrédula.

- Isso mesmo! Alguns bens custam muito quando estão na moda e todos os desejam, mas se a moda passa o mesmo bem tem seu valor reduzido. O valor depende do comportamento objetivo dos consumidores. Veja, Senhor, não posso concordar com Marx quando ele diz que o valor é uma categoria histórica. Isso não é verdade. O homem se engaja na atividade econômica em busca da satisfação de suas necessidades e esta manifestação do homem em relação à natureza é igual em qualquer tempo histórico. A busca pela satisfação das necessidades é uma motivação individual.

- Alto lá! - Marx levantou-se de sua cadeira e avançou em direção a Marshall com o dedo em riste. - O homem é um ser social, se realiza como homem apenas quando está em sociedade. Se vive só, como um ermitão, não passa de um animal.

Marshall não se intimidou.

- Ermitão ou não, quando vai em busca de alimento está realizando um ato econômico.

- Isto é uma balela - retrucou Marx ainda irritado. - O valor é histórico e depende da divisão social do trabalho. Em cada etapa do desenvolvimento humano, o homem foi ampliando a divisão do trabalho, de tal modo que chegou a um sistema em que praticamente toda produção humana é econômica. O homem que trabalha para si mesmo não está realizando uma atividade econômica está realizando uma atividade pessoal, ela só se torna econômica quando é realizada para a satisfação de outros indivíduos, quando se realiza no mercado. Por isso o valor é algo coletivo. S. Pedro ensaiou um risinho de escárnio mas foi imediatamente admoestado por Deus, que pediu silêncio aos contendores. A seguir, tentando arrumar as idéias, voltou-Se para Marshall:

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