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Ficha de leitura Aparecida Vilaça

Por:   •  11/10/2019  •  Resenha  •  1.434 Palavras (6 Páginas)  •  146 Visualizações

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FICHA DE LEITURA

Docente: Núbia Bento Rodrigues

Discente: Lidia Bradymir

Disciplina: Antropologia da Religião

Data: 06/05/2019

VILAÇA, Aparecida. Indivíduos Celestes – cristianismo e parentesco em um grupo nativo da Amazônia.

INTRODUÇÃO

 A autora se inspira na monografia de Joel Robbins sobre a conversão ao cristianismo do grupo Urapmim da melanésia, que trata da convivência entre dois sistemas distintos como resultado da adoção de um novo modelo cultural. O termo adoção de Robbins seria inspirado nos modelos de mudança cultural de Sahlins e Dumont, é um tipo de mudança que não se finda na simples assimilação de um novo sistema, nem uma transformação de valores que preserva o sistema inicial, é uma justaposição entre sistemas distintos.

Robbins, referenciando-se pelo modelo de Dumont, que opõe individualismo e holismo, sugere uma definição distinta do sistema urapmin, onde o valor englobante não é o indivíduo mas as relações, ou seja, seria uma sociedade relacional.

Tendo isso em vista, a autora pretende analisar os Wari, grupo nativo do sudoeste amazônico convertido ao cristianismo, ela tenta mostrar que eles também poderiam ser uma sociedade relacional, sua conversão também consiste na assimilação de alguns aspectos da mensagem e práticas cristãs ao sistema tradicional.

DESENVOLVIMENTO

Divisão do Texto

Principais argumentos

O Contato

O autor descreve os Wari como:

Os Wari’ são um grupo indígena que habita o oeste do estado de Rondônia, próximo à fronteira com a Bolívia. Somam cerca de 2500 pessoas, distribuídas em treze aldeamentos. São hoje os únicos falantes da outrora numerosa família lingüística Txapakura; os demais grupos, missionizados ou exterminados pelos brancos, desapareceram ou sobreviveram como falantes de português

Os primeiros contatos com os brancos se caracterizam como uma relação de guerra, desde o início do século XX quando seringueiros começaram a fazer extração em território Wari’ e muitas vezes eram mortos, como respostas os seringueiros faziam expedições punitivas que massacravam as aldeias. Essa situação se repete no final dos anos 1940, com os novos seringueiros chegados na segunda guerra mundial. Diante dos cadáveres dos seringueiros, que apareciam cravados de flecha e, as vezes, sem parte dos membros, a população pressionava o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) para pacificar os Wari’, foi quando entrou em cena os protestantes que entre 1956 e 1962 participaram com o SPI no contato e pacificação dos Wari’.

Durante toda a década de 1970 e início da década de 1980, os Wari’ diziam-se crentes. Tornaram-se novamente pagãos no restante dos anos 1980 e 1990, e então outra vez crentes a partir do início dos anos 2000 [...]. No momento, boa parte dos adultos se diz crente e frequenta os cultos nas igrejas das aldeias cerca de três vezes por semana, conduzidos, em sua maioria, por pastores nativos.

Parentesco

Os Wari’ dividiam-se em subgrupos, nominados desde os tempos ancestrais, aos quais pertenciam desde o nascimento seguindo a afiliação do pai ou da mãe, cada um desses subgrupos habitava uma área geográfica, havendo tendência à endogamia de subgrupo. Os membros dos outros subgrupos, ou estrangeiros, ainda hoje são considerados maus afins, por tratarem mal seus cônjuges e praticarem feitiçaria contra os parentes destes.

Por essas razões são considerados afins típicos, no sentido de encarnarem, mesmo com a realização dos casamentos mistos, o potencial negativo que os Wari’, e outros povos ameríndios, atribuem à afinidade.

Os Wari’ ainda hoje tendem a equacionar consanguinidade e conterraneidade, os que vivem juntos são considerados parentes consanguíneos e são chamados por termos de consanguinidade, isso é resultado de uma concepção de parentesco que valoriza mais o caráter processual e fabricado das relações. Contudo, essa relação de afinidade também tem um potencial de hostilidade.

[...] a afinidade volta e meia irrompe no seio do grupo local, não só para que os casamentos sejam possíveis dentro do mesmo grupo, mas sobretudo no momento dos conflitos, quando aqueles consanguinizados pelos atos cotidianos revelam a sua diferença e agressividade.

Os Wari’ vivem nesse conflito, desejando vivem em um mundo sem afins, constituíram dessa forma um mundo póstumo onde os conflitos estariam ausentes, o que não significa que não se estabelecem ali relações parecidas com as do mundo dos vivos, mas que todos agiam o tempo todo como parentes. Nesse mundo não existiriam as brigas de borduna, a feitiçaria e a morte. Atualmente esse mundo póstumo foi substituído pelo céu e inferno cristãos.

Os missionários e a conversão

A New Tribes Mission foi fundada em 1942 nos Estados Unidos, e se define como “uma agência não-denominacional que envia missionários de tradição fundamentalista, buscando evangelizar e estabelecer igrejas entre os povos tribais não-alcançados. Trabalha em linguística, alfabetização e tradução da Bíblia” (Mission Handbook apud Fernandes 1980: 134).

No ano de sua criação, a primeira expedição do grupo foi à Bolívia, Guajará-Mirim, a cidade mais próxima das aldeias wari’, teria sido uma das portas de entrada dessa missão no Brasil. Entre 1946 e 1948 foi construída, pelo primeiro missionário no Brasil Virgílio Sharp, uma casa nesta cidade que seria sede local da missão. Passou a existir como Missão Novas Tribos do Brasil em 1953.

Os missionários da MNTB rapidamente instalaram-se entre os índios, cuidando de sua saúde e aproveitando para aprender a sua língua. A experiência wari’ de contato pacífico com os brancos é profundamente marcada pela presença dos missionários. Costumam dizer que foram eles os responsáveis pela pacificação, porque, com sua fé em Deus, puderam se expor às flechadas dos Wari’ sem medo. Sua atuação nas epidemias que se sucederam à pacificação foi também fundamental, e os Wari’ logo notaram que grande parte dos recursos materiais provinha dos missionários.

O espanto da primeira fase de catequese foi a ausência de figuras divinas e inexistência de uma cosmogonia dos Wari’, no entanto a cosmologia perspectivista wari’ estende a humanidade a várias espécies animais, suas categorias ontológicas centrais  wari’ e karawa (humano e predador, animal e presa) pode ser ocupada por qualquer sujeito.

Sobre a conversão, o que os Wari’ ressaltam é o momento de paz proporcionado por isso, onde todo mundo se tratava como parente e não havia brigas, traições etc., a conversão seria então uma tentativa de uma vida sem afins, portanto isso só funciona enquanto fenômeno coletivo, porque se apenas um tenta esse plano não funciona.

Os motivos individuais que justificam o ‘deixar de ser crente’ – que incluem o abandono da religião por parte de um parente próximo – são fracos do ponto de vista de um cristão ocidental, e remetem diretamente às relações entre afins: participação em brigas de borduna, morte de entes queridos e roubos.

Céu e inferno

No mundo pré-cristão, o que se fazia em vida não determinava a vida póstuma, o que determinava era o tipo de morte, o mundo subaquático era para aqueles que morriam de causas naturais ou por feitiçaria praticada por outro Wari’, aqueles mortos por inimidos ou animais transformavam-se em ser da mesma espécie do predador.

No mundo cristão ocorre o contrário, passa a importar o modo de vida, havendo apenas o céu e o inferno como destino possíveis.

A alma de todos aqueles que morrem dirige-se para o alto/céu. Lá chegando, depara-se com dois caminhos: um largo, que leva ao inferno, e o outro estreito, que leva a Deus. Em outra versão, um só caminho conduz a um porteiro, que tem nas mãos uma lista com o nome de todos aqueles que podem entrar no céu3. Os demais são impedidos de entrar e conduzidos ao inferno, onde dançam sem razão em torno de um fogo, seus corpos estão podres, sentem sede e não são saciados.

No céu as pessoas tornam-se jovens e belas, ganham roupas e sapatos, comem pão e bebem água, cada pessoa ocupa uma casa onde escreve sobre a palavra de Deus, que não é descrito pois é como se os mortos não o vissem. Os Wari insistem que Deus não tem corpo, porque para eles os corpos determinam um ponto de vista, e não ter corpo possibilita uma visão total de tudo e de todos.

CONCLUSÃO

Entre os Wari’ e outros, ao contrário, as pessoas são percebidas como tendo uma realidade efêmera, constituindo precipitações temporárias de um conjunto de relações. Se os atos constitutivos de parentesco falham, a pessoa se torna animal ou morto. A descrição do céu cristão dos Wari’ nos faz pensar que eles tenham capturado justamente esse aspecto central do individualismo ocidental, isto é, o fato dos termos precederem as relações. As ações específicas não são ali necessárias à constituição das pessoas: podem ser parentes sem se alimentar uns aos outros, sem partilhar o dia-a-dia e os momentos de sono. No céu, eles praticamente não se encontram; não comem, não falam. No lugar disso, escrevem todo o tempo, silenciosos. São belos e jovens, mas estéreis: não sabem produzir gente. Os indivíduos, para os Wari’, não são plenamente humanos. Talvez por isso os tenham exilado no céu. (VILAÇA, 2007)

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