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Análise filme Volver de Almodovar

Por:   •  22/9/2016  •  Resenha  •  3.474 Palavras (14 Páginas)  •  2.097 Visualizações

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RAIMUNDA E SUA FAMÍLIA DE MULHERES EM VOLVER

RESUMO

A presente análise encontra no filme Volver, de Pedro Almodóvar, a relação problemática com concepções de família dentro de uma cultura ocidental e de papéis de gênero atribuídos socialmente aos indivíduos que a compõem. Ao abordar assuntos presentes na sociedade que fogem a regras estabelecidas através de diálogos entre a família e o meio social, a trama revela proximidades da ficção com críticas a existência de realidades perversas. Violência doméstica, abuso sexual, incesto e pedofilia são os principais temas do filme, e que se enquadram nas discussões feitas por pensadores das ciências humanas e sociais, como Pierre Bourdieu, Phillipe Ariès e William Goode. Dando luz a indagações sobre os problemas que possam haver nas relações familiares, as críticas terão como foco o lugar da mulher na família, analisando especificamente a formada pelas personagens mulheres de Almodóvar.

Palavras-chave: gênero; família; Volver.

INTRODUÇÃO

Pensar a família na contemporaneidade é se debruçar sobre reflexões que envolvam a esfera pública, atreladas a convenções e a tomadas de decisões políticas e econômicas que se voltam para elas, assim como a esfera privada, analisando aspectos históricos, sociais e culturais sobre suas mudanças e suas diferentes concepções. Esta mescla de observações sobre a família, necessária para pensá-la de modo crítico, exige cuidados referentes à contextualização das questões a serem abordadas.

Há que se considerar os indivíduos que a compõem, como os seus papéis dentro de uma sociedade em que há diferenças entre funções atribuídas aos gêneros, aos graus de parentesco e às faixas etárias. Dentro desta esfera, ainda é necessário observar o reflexo do meio social sobre o seu dinamismo, mostrando que as relações internas absorvem valores determinados, seja pela cultura ou pela situação econômica que insere a família em classes ou estratos diferentes. Ao mesmo tempo, as interações internas também refletem na sociedade, constituindo uma relação recíproca entre as famílias e o meio social onde estão inseridas.

Pensando em diferentes concepções de família, o filme Volver, dirigido pelo espanhol Pedro Almodóvar, mostra a história de uma família composta por mulheres que convivem em solidariedade umas com as outras, superando conflitos resultantes de relações familiares com sujeitos masculinos que, anteriormente, também a compunha. Baseado nos dias atuais, a trama se passa em Madrid e em uma vila próxima à capital espanhola. Com um elenco formado por atrizes já vistas e consagradas em outras obras de Almodóvar, Penélope Cruz (Raimunda), Carmen Maura (Irene), Lola Dueñas (Sole), junto com a jovem Yohana Cobo (Paula), são personagens que refletem, através da dramaturgia, a realidade de meninas e mulheres que enfrentam traumas e mudanças resultados de violência sexual, separação ou até mesmo a morte de seus pais ou maridos.

Junto à análise de Volver, há uma bibliografia que auxilia na reflexão entre os caminhos traçados pelas mulheres do filme e suas condições sociais perante uma sociedade patriarcal, com valores ditados de forma prejudicial à mulher. As questões abordadas – como a violência sexual, o adultério e o incesto – se enquadram nos pensamentos de autores que discutem tanto historicamente quanto contemporaneamente as concepções, as diferenças e os conflitos de famílias, assim como os papéis de gênero que são atribuídos aos homens e às mulheres que as compõem. William Goode, Pierre Bourdieu e Phillipe Ariès são os principais pensadores desta discussão, mostrando que a obra de Almodóvar diz muito sobre a realidade feminina ocidental, dando base para questionamentos sobre uma dominação masculina que submete as meninas e mulheres de muitas famílias às vontades dos homens. E se Raimunda liderasse sua família no lugar de um homem?

UMA FAMÍLIA DE MULHERES

No filme, Raimunda representa mulheres que vivem experiências as quais exigem grande esforço para encará-las, passando por fatos em que ela se defronta com atitudes perversas por parte de sujeitos masculinos. Ao mesmo tempo, Raimunda também é construída conforme suas particularidades. No momento em que descobre que sua filha, Paula, de 14 anos, assassinou o próprio pai – cuja trama, posteriormente, revela que não se tratava de seu pai biológico –, ela resolve sumir com o cadáver e solucionar a situação por conta própria, ao invés de resolver o conflito através da lei e, de alguma forma, prejudicar sua filha.

A relação que tem com a filha e as atitudes que tomou ao longo do filme sofreram influências de determinados acontecimentos que tiveram em comum em suas vidas: assim como Paula, Raimunda também foi vítima de abuso sexual por parte de seu próprio pai. A diferença é que Paula assassinou seu pai, Paco, antes de ele conseguir realmente realizar o ato de abuso, enquanto Raimunda chegou a engravidar do pai, mantendo o segredo de que era mãe e irmã de Paula ao mesmo tempo. Estas situações traumatizantes não resultaram em sentimentos considerados comuns na fase de luto, pois a tristeza fora breve, e ficou evidente que estavam preocupadas em encontrar alternativas de sobrevivência em meio à situação de desamparo. A sensação de tristeza era substituída pela ideia de recomeço, livre de sujeitos que poderiam exercer seu poder de dominador e cometer atos agressores.

Outra figura importante da história é a mãe de Raimunda, Irene: ela também cometeu um assassinato semelhante. Por outro lado, decidiu se tornar um “fantasma”. Depois de muito tempo suportando o fato de que seu marido tinha uma amante e de que abusou sexualmente de sua filha, em um determinado momento resolveu atear fogo na sua casa enquanto ele e a amante dormiam abraçados. Como fugiu, em seguida, as pessoas acharam que o cadáver era de Irene, e pensaram que quem tinha sumido era a amante. Alimentando este equívoco da população, Irene passou a cuidar de sua irmã que apresentava quadro clínico de doença mental – explica-se, no filme que, pelo fato de haver muita ventania na vila onde se passa a história, próxima a Madrid, há muitos casos de pessoas com doenças mentais -, mas mantém-se escondida das outras pessoas. Também neste caso, Almodóvar deixa de lado um possível drama policial, em que a eficácia das investigações poderia ser questionada.

A ideia da morte está presente em vários pontos do filme. Inicia-se logo com as personagens principais no cemitério da vila onde morava a tia de Raimunda, visitando o suposto túmulo de Irene. Mostra-se que a relação da população local com a morte é ritualística mesmo antes de a pessoa falecer, pois há o costume de cuidar do próprio túmulo antes de ir a óbito, não sendo uma tarefa exclusiva da família ou de pessoas próximas. Almodóvar explicita, através da fala de uma das personagens, que os homens costumam morrer antes que as mulheres. Esta fala se encaixa com os acontecimentos posteriores ao longo do filme, mesmo que os homens da trama não tenham morrido de causas naturais. O fato de eles terem sido assassinados por mulheres e meninas da própria família demonstra duas ideias que o espectador pode observar: a indignação dos sujeitos femininos com a dominação e o abuso masculino e a vida em família guiada a partir de caminhos feitos somente pelas mulheres.

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