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Especialista em Direito Penal Econômico e Direito da Medicina pela mesma Universidade

Por:   •  17/8/2015  •  Trabalho acadêmico  •  18.025 Palavras (73 Páginas)  •  219 Visualizações

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Mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

Especialista em Direito Penal Econômico e Direito da Medicina pela mesma Universidade

SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. A origem do Ministério Público, numa perspectiva histórica, vinculada ao poder executivo e sua predestinação à autonomia - 3. A posição constitucional do Ministério Público como fator determinante de seu papel no processo penal - 4. Análise da atuação do Ministério Público à luz dos princípios constitucionais do processo penal: 4.1. O papel do Ministério Público na estrutura acusatória do processo penal diante dos princípios do acusatório e do contraditório; 4.2. Princípio da legalidade: um compromisso para o cumprimento dos princípios da oficialidade e igualdade, como fundamentos da Justiça democrática e social: 4.2.1. A direção da investigação criminal pelo Ministério Público, como defesa da legalidade democrática e fator decisivo para o cumprimento dos princípios da legalidade e igualdade; 4.2.2. O princípio da legalidade, em termos não estritos, e o dever de buscar a desjudiciarização do procedimento criminal, como forma mais eficiente de proporcionar uma justiça social e democrática - 4.3. O conteúdo do princípio da presunção de inocência como definição da forma de tratamento do acusado e critério de interpretação dos fatos reunidos no conjunto probatório; 4.4. A exigência do fair trial. O Ministério Público colocando-se na posição dos outros sujeitos processuais como forma de cumprir o princípio da lealdade - 5. Conclusão - 6. Bibliografia.

1. INTRODUÇÃO

O presente tema reflecte a intensa relação entre o direito constitucional e o direito processual penal, fundada na igual intencionalidade de proteção dos direitos fundamentais do cidadão,(1) que incide, sobremaneira, na atuação do Ministério Público, mormente porque tais direitos, à luz da Lei Fundamental portuguesa, contam com "um tratamento preferencial cristalizado no art. 18º da CRP"(2) e são aplicados diretamente - i.e., valem como "direitos self executing, independentemente da mediação concretizadora ou densificadora dos poderes públicos".(3)

Ocorre que, para além de não ser um direito absoluto (art. 18º, nºs 2 e 3, da CRP), a proteção perante o Estado dos direitos fundamentais não é a única finalidade do processo penal. A realização da justiça, a descoberta da verdade material e o restabelecimento da paz jurídica posta em causa pelo crime também são, da mesma forma, visados. A atuação do Ministério Público durante todo o transcurso do processo é, sem dúvida, a primeira a evidenciar o caráter antitético dessas finalidades e a provocar a tensão entre os diferentes objetivos, designadamente na fase do inquérito, do qual, em Portugal, tem o domínio - art. 219º, n. 1, da CRP e art. 263º do CPP (sempre português).

Com essa importância e complexidade, na qual o Estado de Direito Democrático e Social tem total conexão, o presente trabalho examina o papel de self executing dos aludidos direitos fundamentais à vista da atuação do Ministério Público português dentro do processo penal, numa perspectiva jurídico-constitucional e não numa visão meramente instrumental da ciência processual, porquanto "a ordem jurídico-constitucional material constitui, no nosso processo de desenvolvimento jurídico-cultural, um referente normativo inarredável para a compreensão e delimitação de um qualquer outro direito".(4)

O foco está, pois, nos princípios constitucionais como manifestação daquela recíproca correspondência de intencionalidade com a dogmática processual penal, pois através dos princípios processuais-constitucionais podemos definir o perfil político de um Estado. Como já escreveu Goldschmidt: "os princípios da política processual de uma nação não são outra coisa que segmentos de sua política estatal em geral. Se pode dizer que a estrutura do processo penal de uma nação não é senão o termômetro dos elementos corporativos ou autoritários de sua Constituição".(5)

Ao desvendarmos o papel do Ministério Público - português - na aplicação efetiva destes princípios no processo penal, colocamos o mesmo "termômetro" na atuação ministerial para avaliar o quanto o procedimento criminal e o Estado estão próximos de uma Justiça adequada ao Estado de Direito Democrático e Social.

Para tanto, a análise, num primeiro momento, busca a compreensão do surgimento do Ministério Público, porque o fato de suas raízes estarem ainda presas ao Poder Executivo influi na própria concepção da instituição e em sua posição na lei fundamental, tudo a evidenciar o quanto o Estado, verdadeiramente, pretende ser democrático, não autoritário e distante de uma justiça utilitarista. Tais considerações, no entanto, não recebem de nossa parte um tratamento de questões preliminares, mas sim de pressupostos essenciais para a definição do papel ministerial dentro do processo penal.

De outro lado, são abordados temas de extrema complexidade e importância à dogmática processual penal, como a alteração substancial dos fatos, a obrigatoriedade ou a discricionariedade na dedução da acusação, o contraditório no inquérito, dentre outros. Para que possamos avaliar o "termômetro" ao final do trabalho, as complexidades ínsitas ao processo penal serão analisadas, tão-só, sob a perspectiva dos objetivos centrados no contexto do papel do Ministério Público português, dentro do processo penal, visto à luz dos princípios constitucionais.

2. A ORIGEM DO MINISTÉRIO PÚBLICO, NUMA PERSPECTIVA HISTÓRICA, VINCULADA AO PODER EXECUTIVO E SUA PREDESTINAÇÃO À AUTONOMIA

"Nas coisas mais difíceis, sejam elas quais forem, não deve esperar-se que alguém semeie e logo colha, mas é necessária uma preparação de forma a que elas amadureçam gradualmente"(6) - Bacon.

Esta abordagem, longe da mera historiografia, não só resgata a origem (7) do atrelamento do Ministério Público ao Poder Executivo, mas também estabelece os principais subsídios da evolução sócio-política, para compreender muitos dos problemas ainda enfrentados pela instituição, muitos deles em virtude da preocupação com a sombra do passado. Dentro dessa orientação, desde logo, salientamos que o surgimento do Ministério Público não foi abrupto. Ao contrário, foi fruto de uma lenta e progressiva resposta às exigências históricas de Justiça e da evolução sócio-política do Estado, que coincidiu, precisamente no século XIV, com a centralização do poder na pessoa do rei, o que viabilizou a regulamentação e administração da justiça.(8)

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