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Deslizes de Filmes Como "Crash"

Por:   •  5/6/2025  •  Monografia  •  3.912 Palavras (16 Páginas)  •  7 Visualizações

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MEMORIAL DO ROTEIRO

PAULA PALUMBO

2024.1

Orientação: Andréa França

Rio de Janeiro, 2020. Roger - um homem de cinquenta anos - dirige seu carro enquanto fuma um cigarro atrás do outro. De repente, escutamos a voz de sua filha, no banco de passageiro, fazendo perguntas curiosas sobre animais; Roger a ignora. Revela-se, então, o banco de trás do carro: sua esposa morta e ensanguentada. Assim que a criança coloca seus fones de ouvido e começa a escutar música, a história revela outro personagem.

        Olivia Morrow é uma artista plástica de trinta e oito anos que tem grande prestígio na comunidade artística. Seu reflexo no espelho fala com ela - ela não tem mais certeza de quem é. A personagem não gosta das pessoas que trabalham na galeria onde ela expõe suas obras e o sentimento é recíproco. Ela não consegue mais pintar e faz um teste online para ver se tem depressão e, após o resultado positivo, ela decide procurar ajuda - uma psiquiatra. Olivia tenta se abrir para a profissional e percebe que seu problema é muito maior do que ela imaginava.

        Numa chuva forte, todas as lojas estão fechadas e a rua está vazia. O único carro que vemos é o sedan de Tim que dá carona para seu amigo Jim. Os dois homens estão fumando maconha no automóvel e conversando sobre animais. Tim é biólogo e tem grande interesse em falar sobre o mundo animal e, por isso, vai muito ao zoológico, onde conhece Verônica - esposa de Roger - com quem tem uma relação sexual e amorosa. Jim tenta avisar ao amigo que ele deve parar com o caso, pois o marido dela está desconfiado e passa uma "vibe" perigosa. No caminho, os amigos passam por um lava jato e veem o carro de Roger, mas não sabem que é ele no volante; desconfiam de alguém lavar o carro em um dia chuvoso, mas acabam levando para o lado da piada e abstraindo. Até que o pneu fura e eles tem que sair do automóvel para trocá-lo. Roger vê Tim e Jim na rua e os atropela. E, Olívia, na primeira chance que tem, quando a psiquiatra sai para pegar uma água, decide se jogar da janela do consultório.  

Flashback para 2011. Dentre outras pessoas peculiares, estão Veronica (mulher de Roger), Tim, Jim e Olívia na fila para entrar no cinema. Na marquise, eles leem "assista o filme da sua morte, o filme do seu último dia de vida". Até que não se vê nada além da escuridão da rua vazia.

A escrita do meu roteiro "O Último Dia" começa em um momento difícil para todos nós - a pandemia. Em 2020, eu estava morando sozinha em Los Angeles e era agonizante saber como encarar tanto tempo livre, principalmente, estando distante de tudo e de todos. Estava na cidade que sempre sonhei em morar, mas sem poder explorá-la. No cinema, me refugiei. Assistindo "Pulp Fiction" (1994 - Quentin Tarantino) pela quinquagésima vez, bem na parte em que os gangsters encontram os assaltantes na lanchonete em uma das últimas cenas, uma semente de ideia começou a ser plantada na minha mente: "E se eu escrevesse um filme em que as histórias se entrelaçam no final"? Assim, comecei a pesquisar sobre esse tipo de trama.

        Lembrei logo de "Amores Perros" (2000 - Alejandro Iñárritu) que consiste em várias sub narrações relacionadas ao mesmo acontecimento. Diria que o filme me serviu não só como inspiração, mas também como incentivo para que o curta se passasse na América Latina e não na do Norte já que na minha cabeça, inicialmente, o filme se passava nos Estados Unidos. Logo depois, pensei mais sobre onde a história deveria acontecer e decidi que a escolha de se passar no Brasil traz mais excentricidade para o curta, não só porque é de onde eu originalmente sou, mas também por ter uma cultura menos explorada pelo mundo cinematográfico. Além disso, conversas com minha orientadora de projeto final Andréa França e minha professora de roteiro Melanie Dimantas trouxeram mais luz ao fato de encará-lo como uma produção brasileira, pois seria mais realístico para uma futura execução do curta.

         Ao mesmo tempo, quis evitar deslizes de filmes como "Crash" (2004 - Paul Haggis) em que esse tipo de narrativa é utilizado para justificar personagens estereotipados e que chegam até a serem surreais. Quis fugir também do estilo da série do Globoplay "Justiça 2" (2024) com seus diálogos didáticos e repetitivos e, também, lotados de exposição - diferentemente de "Justiça 1" (2016) que, na minha opinião, tem um enredo excepcional e entrelaça as histórias de maneira sútil como pretendi em minha escrita. Penso que, para esse tipo de trama, é essencial que elas sejam contadas de maneira envolvente, instigante e penso, também, que é essencial ter um plot twist em algum momento do filme ou série, mais precisamente, no final. Esse tipo de narrativa e estrutura de história pode ser comparada com a ciência da spatial analysis: o autor Costis Hadjimichalis diz que, nesse tipo de obra - entitulada hyperlink cinema -, é imprescindível examinarmos a "experiência horizontal" da vida humana, a dimensão de um comportamento individual e suas relações, em oposição à uma "experiência vertical" de tradição e biografia.

Em relação ao tempo de execução, o primeiro tratamento levou cerca de dois meses para ser feito, tudo foi fluindo em um mesmo e único impulso. Depois, vieram os seis meses de revisão, ajustes, reformulação e pesquisa, para finalizar um segundo tratamento - o que  totaliza oito meses. Adicionando mais dois meses de reescrita após opiniões de amigos e profissionais, chegamos a quase um ano de trabalho para esta versão que, pelo menos até agora, considero final - o terceiro tratamento. Penso que sempre há espaço para melhorias e aperfeiçoamentos, mas não quero me submeter a um looping infinito de desenvolvimento, mas sim declarar que terminei, pois estou satisfeita com a obra como ela está agora. Com certeza, aconteceriam ajustes e mudanças caso um dia esse roteiro venha a ser filmado, não se pode prever o que aconteceria numa pré-produção ou, até mesmo, em um set de filmagem.

Ao contrário do que é feito normalmente, não comecei pelas escaletas e nem pelo argumento, fui escrevendo num fluxo único de uma cena para a outra. Escrever o roteiro foi uma corrente de ideias que já se transformava em cenas antes mesmo de eu ter feito qualquer tipo de sinopse ou logline - essas também vieram depois. O cineasta Karim Ainouz diz que "o roteiro serve muito mais para mim como um termômetro para eu medir, antes de filmar, se uma cena tem coração, se tem sentido". Baseado nessa fala, pude alterar bastante do roteiro que tinha originalmente vinte e cinco páginas mas, com as adaptações, cheguei a um total de dezoito páginas - o que se aproxima de vinte minutos de tempo de tela. Fui selecionando melhor as cenas e averiguando o que tinha, justamente, coração e sentido. Além disso, a ordem das cenas não permanece como foi originalmente escrita, fui mudando com o passar do tempo e, após sugestões, decidi intercalar mais entre um núcleo de personagens e outro - transformando o roteiro no jogo de percepção que tanto almejei.

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