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Aldeia indígena de Inácio Martins: conhecendo nosso município

Por:   •  25/8/2021  •  Resenha  •  2.282 Palavras (10 Páginas)  •  186 Visualizações

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Aldeia indígena de Inácio Martins: conhecendo nosso município

No município de Inácio Martins, a trajetória da demarcação da Terra Indígena Rio D’Areia demonstra um grupo Guarani que há muitos anos vem resistindo às pressões do contato sobre as terras que ocupam, organizando-se e se mantendo forte enquanto grupo que luta por seus direitos e pela posse de suas terras, ou o que restou delas. Contudo, sua empreitada em prol da posse definitiva da sua terra, ou o que restou dela, inicia-se administrativamente apenas em 1984, com o primeiro estudo de identificação feito pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), a fim de regularizar a situação das terras. Entretanto, a homologação final ocorreu apenas em 1988.

A Terra Indígena passou por um estudo de identificação em 1984, após a FUNAI ficar sabendo de sua existência por meio de uma pesquisa de mestrado realizada pela antropóloga Maria Lygia Moura Pires, em 1975, na Terra Indígena de Mangueirinha-PR. A antropóloga fica sabendo da existência do grupo em Rio D’Areia e leva ao conhecimento do chefe de posto em Mangueirinha. Este, por sua vez, prossegue com os trâmites para a assistência e regularização das terras junto à sede da FUNAI-DF.

Os estudos de identificação em 1984 tiveram seu conteúdo e os limites da terra aprovados pelo Grupo de Trabalho Interministerial no ano de 1986. O processo de declaração da terra demorou mais três anos, após a terra ser declarada, em 1989, como Colônia Indígena.  Os limites declarados no referido ano foram homologados apenas em 1991. Contudo, a homologação não se manteve; por reivindicação do grupo, outro estudo foi realizado em 1994. A alegação era de que a demarcação fora feita de forma errada, o que levou o processo a negligenciar grande parte de suas terras. Junto ao processo de reestudo pode-se observar um processo de reintegração de posse contra a FUNAI e a União, acionadas na Justiça Federal por uma suposta invasão de propriedade realizada por indivíduos de Rio D’Areia. A suposta invasão do grupo teria sido em uma propriedade de uma indústria madeireira local, que fazia parte da área a ser demarcada pelo reestudo em 1994. A invasão fez com que a madeireira entrasse com um processo de reintegração de posse para a retirada do grupo. Entretanto, a investida da madeireira não se consumou e, em 1998, a Terra Indígena Rio D’Areia foi homologada definitivamente. A Terra Indígena Rio D’Areia, espaço que faz parte do território Guarani. Os limites atuais de Rio D’Areia são de 1.352 hectares.

A comunidade de Rio D’Areia conta com uma população de aproximadamente cento e doze pessoas. Segundo dados do IBGE 2010, todas as pessoas que residem na área têm moradia própria, a grande maioria é alfabetizada e falante do Guarani. A terra indígena conta com serviço de luz elétrica, uma escola para a alfabetização, serviço de telefone e internet. Serviços que foram sendo implementados no início dos trabalhos de identificação dos limites da Terra Indígena, em 1984, e continuaram durante todo o processo de demarcação desse local.

Em 9 de maio de 1930, o Jornal Gazeta do Povo publicou uma nota intitulada: “Índios vêm a Curitiba reclamar de ‘grileiros’”. No documento compreende-se que a população indígena em Rio D’Areia era de seiscentos indivíduos na primeira metade do século, um número relativamente alto, levando em consideração os números populacionais posteriores. Segundo o mesmo documento, “Em Rio da Areia, município de Guarapuava, estão localizados setenta casais de índios guaranis, com seus respectivos rebentos, formando um total de 600 pessoas [...]” (GAZETA DO POVO, 1930).

A Aldeia conta com uma educação básica que vai da educação infantil  ao ensino fundamental anos finais. Até entrar na escola a criança indígena fala apenas sua língua materna que é o Guarani, após entrar nos primeiros anos do ensino fundamental é que a criança passa a ter contato com o idioma português. Hoje a aldeia conta também com um centro de cultura..

Meu nome é Antônio Pires de Lima Filho, nasci em Rio D’Areia eu sou daqui. Sou Cacique já há 20 anos. Antes de mim, era meu falecido pai Antônio Júlio Pires de Lima também, e quando ele faleceu – quando eu tinha uns 15 anos mais ou menos – eu assumi. Por um tempo eu fui cacique temporário, parava um pouco, voltava de novo, e assim foi indo. Até pegar mais idade e assumir de vez, continuo Cacique até hoje. Já está fazendo 20 anos que sou Cacique aqui dessa aldeia Rio D’Areia, no município de Inácio Martins. Aqui em Rio D’Areia nós somos Guarani, Tupi-Guarani. Existe algumas diferenças entre os Guarani, que tem outro dialeto, apesar de ser a mesma língua, mas tem outro dialeto. Os Nhandéva, Avá-Guarani os Mbyá, Kaiowá e por ai vai. Nó somos Mbyá-Guarani mas, essa diferença é só no dialeto, todos somos Guarani, a língua é a mesma, a diferença é dependendo do lugar que mora. O Guarani que mora na fronteira do Paraguai é o mesmo Guarani daqui o que muda um pouco é o jeito de falar algumas palavras. Essa diferença foi o branco que colocou, nós sabemos que há uma diferença na conversa, mas, somos todos Guarani. Durante muito tempo, até onde eu conheço a história dessa aldeia, a nossa terra já vinha sendo tomada pelos brancos. Os não índios que entravam pra tomar a terra chegavam querendo um pedaço para fazer roça, tipo alugado. O Cacique cedia para ele plantar um ano, ele colhia os mantimentos e continuava o próximo ano, assim já não queria sair mais e o Cacique ia cedendo, até que ele foi criando raízes, de repente quando o índio abriu os olhos ele já estava com um pedaço adquirido por ele mesmo. Assim, foi formando o grupo dos nãoíndios aqui, foram crescendo que chegou uma época que eles começaram a expulsar os índios, foram expulsando. E tudo isso pela grande falta de respeito. Os índios, alguns permaneciam e outros foram embora, até que a FUNAI veio e fez uma pré-demarcação para dar uma segurada, para poder segurar aquelas poucas famílias que ainda estava resistindo. O índio sobrevivia dos recursos naturais da floresta, da mata, ele sobrevivia tranquilo. Depois que o homem branco chegou atrás de dinheiro, tudo piorou. Um pé de pinheiro, um pé de imbuía grande, o índio não sabia avaliar um preço, um valor. Mas o homem branco já olhava pra um pinheiro ele queria derrubar, e ele sabia por que ele ia derrubar porque ele queria dinheiro, ele queria dinheiro para o bolso dele. Então chegava no índio, eu lembro aqui, o cacique – o antigo cacique – ele chegava, dava um porco, um animal. “Te dou um animal pra derrubar esse pinheiro aqui, essa imbuía ai, para nós 14 levarmos”. O índio pegava, matava aquele animal, comia. O homem passava a motosserra nos pés de pinheiro, levava e fazia dinheiro, e o índio nem sabia por que tava levando. Com o tempo nós estudamos, conhecemos o dinheiro e o valor de tudo. Hoje não é muito fácil de o pessoal vir querer enganar nós. Estamos aqui, brigando também pelo nosso direito. A terra é a principal fonte de vida para nós. Porque o índio sempre foi da natureza, sempre dependeu da terra, dependeu da floresta. Porque, a raiz dele é dali, a sobrevivência era dali. Tudo que ele imaginava, que ele podia fazer e, a vida dele era a natureza. Hoje portanto o que deixa um pouco o índio triste é a falta de terra para alguns Guarani que já não tem mais terra. Que hoje buscam, brigam para o governo demarcar alguns pedaços de terra para eles viverem seus costumes suas tradições. O índio precisa da terra. Aqui é nossa terra, nosso Tekoa, somos uma comunidade, e esse é o lugar que podemos viver nosso Nhande reko (modo de ser Guarani). Antes, nós resistia muito, mas, com o tempo, aprendemos que tem coisas boas, que podemos aproveitar, estudar, ter saúde, casa, só assim vamos sobreviver aqui, tivemos que aprender a viver assim. Hoje, por exemplo, a vida nos obriga, nós temos que plantar alguma coisa. Já não podemos viver de caça e pesca mais, não tem como nós “viver”. Então hoje, o índio vai ter que se virar. Ele tem que plantar mandioca, feijão, milho, como qualquer um não índio de fora que planta também. Não em quantidade grande, nem pode, mas pequenas, pra sobrevivência dele no dia-a-dia. Então, a vida hoje, a situação hoje, obriga “nós” a trabalhar diferente, mas, antes o índio não precisava de tudo isso. Ele vivia de caça e pesca, tinha mata à vontade, plantava um pouco pra sobreviver. Ele ficava doente, ia no “mato” trazer as ervas, fazer remédio, ele se curava! Agora, não tem mais! Terminou a mata, terminou as coisas naturais da mata que “nós” coletava! Tem poucas coisas que o índio coleta, não tem quase mais nada. Com o tempo, a gente foi lutando também, foi lutando para FUNAI voltar de novo todas as terras que eram do índio. Foi uma luta da maioria da comunidade aqui, que resistiram até o governo resolver demarcar, ampliar mais a área, por que aquela quantidade que eles tinham demarcado não estava certa, não era suficiente. As pessoas que permaneceram, esses não índios, tiveram que sair daqui, porque o governo demarcou a terra, e eles tinham um tempo pra sair daqui. Uns tinham documentos, outros fizeram meio de qualquer jeito o documento, diziam que era uma escritura e que eles tinham posse da nossa terra, e aquilo foi enrolando a FUNAI, com isso demorou muito tempo para demarcar de vez nossa terra. A gente lutou para a demarcação, procurou os meios de conseguir documentos, para provar que a nossa terra não ficava nos alqueires que eles 15 tinham demarcado primeiro. Depois da comunidade se mobilizar e reivindicar outra demarcação e provar que a terra era nossa, que era maior, ai a FUNAI demarcou de acordo com o que era certo. Então, para nós, esse tamanho que foi demarcado por final está muito bom, e cresceu a comunidade indígena de novo. Passou muito tempo, mas, sei que normalizou e foram todos embora, estamos só nós aqui agora, estamos bem. A invasão interferiu muito na vida da comunidade, por exemplo a opy (casa de reza) sempre existiu, mas, com a invasão da nossa terra, os guaranis começaram a ter mais contato com o não índio e ali foram se esquecendo da tradição. Mas quando a FUNAI voltou a demarcar a terra que ficou só os índios, ai voltou a funcionar de novo, a opy. Tem alguns grupos que já se esqueceram da cultura deles. Por causa desse contato com o homem branco, se perderam as tradições ali. Alguns casaram, cruzaram, o outro costume interferiu em muitas coisas, bem facilmente. Então, esse é um problema hoje na nossa convivência aqui, nós temos jovens que tem interesse pela cultura, mas, tem uns que não tem muito interesse. Estamos em um mundo diferente do de antigamente. Com o tempo o Guarani começou a pensar diferente, agora já temos um pensamento de permanência aqui, a permanência no Tekoa, ainda visitamos nossos parentes, mas, não como antes. Por que cada família é cadastrada, para sair tem que ser bem organizado, existe um tempo determinado para chegar e sair. Mas antigamente, quando não tinha comunicação, nem telefone, o Guarani, viajava muito principalmente para saber noticia dos outros Tekoa, visitava muito os parentes, cada semana estava saindo um daqui e levando a mensagem, a notícia dessa aldeia para outra aldeia. E quando demorava a ir daqui, outros vinham para saber as notícias, como que estava essa aldeia e assim iam se comunicando. A comunicação era pessoal mesmo, diretamente. Quando chegava no Tekoa todos se reuniam na opy, era a reunião, não ficava ninguém em casa, todo mundo se reunia para ver seu parente e saber as notícias, para saber das notícias e de como estavam os outros Tekoa. Era muito forte, todo mundo respeitava, tudo isso tem haver com o Nhande reko com o nosso modo de vida. Hoje já não se tem mais índios andando muito, viajando muito de uma aldeia para outra, como no tempo dos caciques antigos, não existem mais caciques antigos. Agora estão mais parados, porque o governo já deixou bem certo cada aldeia, tem que permanecer ali, porque ali tem o plano de saúde, tem escola, os filhos tem que estudar. Então com isso, o índio tem que parar mais, não tem mais necessidade de estar circulando tanto como antigamente, hoje podemos ligar para saber como está nossos parentes. Mas sempre estamos se ajudando por que é assim nós se organizamos. 16 Claro que a permanência cortou, interferiu na vivência indígena do Guarani, por que nossa vivência era daquele jeito. Mas do outro lado, a gente também concorda que aquele tempo tinha que andar daquele jeito, não tinha como nós se comunicar, nós tinha que achar uma forma de se comunicar de se ajudar e é através disso ai, indo a cada passo, a cada semana pra outros lugares. Em alguns lugares também era expulso, lugar em que foram expulsos do seu território, daí eles acabam indo pra frente, para outro lugar, outro Tekoa. Mas, queira ou não queira, hoje é uma forma também de o índio se organizar se manter forte, resistir, que não dá mais para viver na vivência do guarani, não dá mais, antigamente dava pra viver, mas agora não dá mais, temos que estar mais fixo na aldeia.

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