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A VIOLÊNCIA CORDIAL

Por:   •  18/2/2022  •  Artigo  •  4.105 Palavras (17 Páginas)  •  119 Visualizações

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VIOLÊNCIA CORDIAL: PACIFICIDADAE CONTRA PASSIONALIDADE NO CENÁRIO BRASILEIRO

Naine da Silva Ferreira[1]

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo apresentar a contradição existente entre o cenário de violência no brasil e o processo de negligencia e minimização da mesma por parte dos brasileiros, bem como fazer uma relação entre essa sonegação e um erro de interpretação a respeito da definição do conceito de cordialidade, trabalhada por Sérgio Buarque de Holanda na construção de uma identidade brasileira. Para alcançar o resultado utilizou-se do método comparativo, abordando as incoerências entre situação violentas passadas no Brasil e a forma como essas foram abordadas e justificadas pelos seus executores e concordantes.

PALAVRAS-CHAVES: Cordial; pacificidade; passionalidade; violência.

INTRODUÇÃO

“O Brasil é um país abençoado e tranquilo” (O BRASIL... 2012), “Aqui não tem preconceito ou violência”, essas respostas são recorrentes na interrogação dos brasileiros a respeito de sua própria nação. Os relatos sempre são sobre um país aconchegante, de um povo caloroso e pacifico, incapazes de atender ao estado de natureza hobbesiano. Mesmo quando são interrogados sobre as partes difíceis de ser brasileiro, as respostas carregam um tom cômico. Das desgraças sociais (já que, as de cunho natural são minoria) existentes no brasil se obtêm risadas que movem plateias inteiras nos shows de stand up comedy. Entretanto, esse humor e calmaria perde o brilho gradativamente quando colocado à luz dos processos históricos que sucederam e sucedem nesse país. “Esse quadro não resiste ao teste da história”. (KARNAL, 2017, p. 19)

A ideia de que no Brasil não há violência ou ódio sustentada pelo fato da nação não ter sido marcada  por grandes guerras internas, como na Rússia ou na França, ou de não se considerar racista porque não houve um regime separatista constitucionalizado, como no caso do Apartheid, não se solidifica à luz dos documentos, se perde nos primeiros capítulos de qualquer livro não tendencioso que fale historicamente sobre o Brasil. Do colonial ao atual, cada etapa econômica foi marcada por sangue, suor e lágrimas daqueles tidos como inferiores pelos grupos dominantes.

A violência sempre esteve presente, seja de forma direta ou velada. O que há aqui com menor intensidade em relação aos outros países, é a admissão dessa violência. No Brasil há uma negação ou atenuação da violência, pautada em primeiro lugar pela tentativa de justificar os atos de violência, depois pela negligencia e ocultamento da versão dos violentados, sejam eles mulheres, negros, indígenas ou pobres. No que diz respeito à primeira afirmação, é muito comum que se utilizem de termos e estereótipos para proporcionar uma espécie de efeito curativo nas violências, as quais os não protagonistas dessa história foram submetidos. Um deles é o conceito de cordialidade introduzido por Sérgio Buarque de Holanda em seu Raízes do Brasil (1936).

Nesse sentido, trataremos aqui, não a causa dessa violência, ainda que seja um tema de grande relevância, já abordado por grandes nomes, mas o processo de sonegação, a qual essa está relacionada dentro da nação brasileira. Para esse processo, primeiramente faremos um levantamento de controvérsias envolvendo a caracterização de cordialidade, muito utilizado para definir o brasileiro como um ser de bondade. Ademais, partiremos para um movimento dialético entre as justificativas e falácias que aparecem na sociedade acerca da violência, e a forma como ela realmente funciona na prática, comparando momentos e situações nos recortes da história brasileira que espelhem claramente esse caráter duplo.

1. CORDIALIDADE

        Não raramente ouvisse desde o senso comum ao meio acadêmico sobre o quão cordial é o brasileiro, seja na perspectiva de explicar sua bondade e acolhimento perante as outras nações, chegando até mesmo a aprender a língua nativa do Gringo para facilitar sua comunicação, ou ainda para justificar sua esperteza nas incontáveis situações ainda inéditas nas outras nações especialmente quando se trata da esfera política e econômica. As famosas gambiarras estão presentas em toda conjuntura brasileira, seja na corrupção em grande escala, na falsificação de diplomas e prontuários, no “gato” de energia, ou ainda na pirataria cibernética. Apesar disso, se contado com uma dose extra de humor, a aceitação se torna fácil e imperceptível. Como não gargalhar de uma terra, na qual o prefeito eleito desinfeta com suas próprias mãos a cadeira da prefeitura afirmando que essa fora usada por nádegas inapropriadas? ou de um candidato à presidência que em pleno debate interroga seu adversário, com base em fontes tendenciosas, a respeito de um plano que uniria toda América Latina sob um único regime socialista? Na era do MEME cada gafe cometida se torna a dose de serotonina em carência na vida dos brasileiros.

        Mas o fato é, quanta dualidade carrega o termo cordial, para que esse possa justificar crimes e elogiar boas ações em um só parágrafo, como exposto acima? Esse termo foi utilizado primeiramente por Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), grande nome da sociologia brasileira, conhecido como um dos maiores interpretes do Brasil, em Raízes do Brasil (1936), no capítulo 5, intitulado “Homem Cordial”, na pretensão de explicar a essência de ser brasileiro, muito explorada na época de lançamento da obra. Na primeira versão, o termo é interpretado em uma perspectiva de benevolência, de uma essência brasileira voltada à bondade, ainda que essa não fosse a intenção do autor. Todavia, ao longo das demais versões a obra passa por inúmeras revisões, dentre elas, foi salientada a real significação do termo em análise.

Cordialidade passa a partir dos lançamentos de 1948 a ser tratada como sinônimo de agir de acordo com o coração, seja a ação boa ou ruim. Essa designação foi intensamente salientada por Sérgio Buarque de Holanda em suas demais versões. O autor reforçou em suas notas de rodapé que o termo significava agir com o coração. “Logo, o brasileiro seria aquele que prioriza os laços emotivos frente à razão. Inclusive, a cordialidade por certas vezes pode significar agir de maneira violenta”. (MILARÉ, 2020)       Portanto, é válido evidenciar que a conceituação de Holanda está muito mais próxima de passionalidade do que de pacificidade (KARNAL, 2017) Fazer a diferenciação entre essas duas palavras muda completamente o sentido da interpretação acerca da cordialidade do brasileiro, pois o que na primeira opção é interpretado como amigável e bondoso, passa a ser entendido na segunda como sinônimo de irracional e impulsivo. Ainda seguindo a linha apresentada por Leandro Karnal:

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