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Autoria e história cultural da ciência

Por:   •  17/7/2017  •  Resenha  •  2.465 Palavras (10 Páginas)  •  186 Visualizações

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CHARTIER, Roger; FAULHABER, Priscila, LOPES, José Sérgio Leite (orgs.). Autoria e história cultural da ciência. Rio de Janeiro: Azougue, 2012.

A história cultural se apresenta como pedra angular do pensamento de Chartier para desenvolver a análise da história da autoria e da história da ciência. Contudo, a abordagem da história cultural da ciência teve a sua análise comprometida, carecendo de maior aprofundamento, principalmente por não possuir lastro em obras anteriores. Nesse sentido, a necessária e esperada verticalização no tema história cultural da ciência não foi possível face ao formato do livro. Este se apresenta como uma compilação de diversos textos do autor, dentre eles: conferência, artigos traduzidos do inglês e do espanhol, debates orais e entrevista, o que contribuiu para a fragmentação do pensamento.

Contrariando a própria posição defendida no livro A História Cultural entre práticas e representações onde Chartier  adverte  sobre os cuidados que se deve ter para preservar os conteúdos dos textos ao serem  migrados de um gênero para o outro, os organizadores, nesse livro, reuniram textos e apresentações realizadas em locais diferentes e dirigidas a públicos diferentes. Com isto, os textos traduzidos e migrados das suas proposições de origem, podem ter contribuído para alguns equívocos e para uma abordagem rasa da segunda temática.

O livro é composto por oito capítulos. Os quatro primeiros, dentre eles os capítulos destinados à Apresentação e Introdução, desenvolvidos com competência e brilhantismo, foram escritos por Heloisa Maria Bertol Domingues[1], e pelos organizadores, Priscila Faulhaber[2] e José Sérgio Leite Lopes[3].  Os demais são constituídos pela reunião de textos selecionados por Chartier assim dividido: o capítulo História Intelectual do Autor e da Autoria, representa a junção de dois artigos por ele fornecidos, sendo o primeiro deles traduzido do original em inglês e o segundo, o artigo intitulado “Que es um autor científico?”, traduzido do espanhol. O sexto capítulo é a transcrição do debate realizado após a conferência: “O que é um autor científico”, promovida pelo Museu de Astronomia- MAST em 29 de julho de 2007. O sétimo capítulo traz a entrevista concedida por Chartier em 06 de julho de 2007 aos organizadores do livro. E o último se apresenta como posfácio do autor.

        A primeira vertente do livro, história da autoria, é analisada por Chartier a partir do texto de Michel Foucault apresentado na Societé Française de Philosophie em 1969: Qu’est ce qu’un auteur?. Nesse texto Foucault distingue dois momentos da autoria: o primeiro como sendo a “análise sócio-histórica do autor como indivíduo” e o segundo momento, como sendo o da construção de uma “função-autor”, ou seja, a maneira pela qual um texto aponta para essa figura [o autor], que está fora dele e o precede(p.38).

Para Foucault o autor é uma função do discurso, enfatizando que, o autor indivíduo só existe e sobrevive através das figuras da ficção e da “função-autor”. Com isto, destaca que o autor tem como função “caracterizar a existência, a circulação e o funcionamento de certos discursos dentro da sociedade" ( p. 38). A “função-autor” diferentemente do que se entende por autor, visa garantir a unidade e coerência da obra em relação à identidade de um sujeito construído, bem como promover a distância entre o “próprio indivíduo e a construção do sujeito a quem o discurso é atribuído”, enfim um único indivíduo real dando lugar a uma pluralidade de “eus”.        

Foucault aponta diferentes marcos cronológicos para o surgimento da “função-autor”. O primeiro marco do surgimento seria: “o momento em que foram estabelecidos o sistema de propriedade e as rígidas regras de direito autoral”, que para ele se deu no período compreendido entre o final do XVIII e início do XIX.  Contudo, afirma que muito antes da propriedade regular o status dos textos, o Código Penal já o fazia, enraizado nos efeitos da censura das Igrejas e do Estado. Embora Foucault não tenha apontado qualquer cronologia para essa “apropriação penal”, deixou claro, porém, que o segundo marco inaugural da “função- autor” é cronologicamente anterior ao período moderno.

Chartier critica a vaga cronologia apresentada por Foucault ao analisar a história da autoria e surgimento da “função-autor”, inclusive no tocante aos quiasmos por ele evocados, onde na Idade Moderna os discursos “científicos” passam a ser aceitos por seus próprios méritos de prova e refutabilidade, dispensando a atribuição de autoria. Nos discursos “literários” os quiasmos são verificados no momento em que estes passam a ser aceitos somente se identificado o autor, em flagrante inversão das práticas da autoria na Idade Média.

Para Chartier, a abordagem feita por Foucault demonstra a existência da “função-autor” já na Idade Média, contestando o surgimento desta a partir da Idade Moderna.

As lacunas historiográficas existentes na investigação foucaultiana, contribuíram  para que Chartier repensasse as relações da autoria literária com as produções científicas, o fazendo a partir de “reflexões soltas e exemplos derivados” de investigações anteriores sobre a história da autoria. (p.45)

Chartier critica o recorte temporal utilizado por Foucault para o surgimento da “função-autor”, onde em longa e densa análise se serve do exemplo do caso dos livreiros-editores de Londres, que desde 1557, detinham o monopólio para obtenção de copyright.

Sob a ótica de Chartier, a autoria na atualidade se reveste de três elementos fundamentais, a saber: as bibliografias figurativas representadas pelas múltiplas assinaturas num único artigo das quais participam autores de função administrativa; a supremacia da proteção jurídica dos resultados científicos sobre a proteção intelectual; e o acesso ao resultado científico onde a tecnologia digital favorece a divulgação científica, que em contrapartida, funciona como controladora do acesso aos resultados científicos, face ao alto preço das assinaturas das revistas eletrônicas. Em resumo, se a comunicação científica é gratuita, o aparato não o é.

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