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Limite da modernização

Por:   •  10/4/2015  •  Pesquisas Acadêmicas  •  1.771 Palavras (8 Páginas)  •  306 Visualizações

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LIMITES DA MODERNIZAÇÃO

“...às relações entre o império mercantil e a antiga sociedade portuguesa. Diante dos grandes investimentos necessários aos empreendimentos ultramarinos, que não podiam ser totalmente assumidos pela nobreza e pela burguesia, o Estado lusitano acabou por assumir um papel fundamental no financiamento e na execução dessa expansão. Dessa maneira, o Estado aparecia como armador e mercador, comandando a rede de feitorias espalhadas por todo o globo, explorando monopólios ou fazendo com que eles fossem explorados diretamente ou por meio de associações de mercadores. Era, pois, um Estado-empresário que, além de empreendedor, também lucrava com o aumento da chegada de mercadorias nas alfândegas metropolitanas, através dos impostos que captava.

No início do século XVI, cerca de 65% das receitas do Estado advinham do tráfico marítimo. Assim, ao contrário do que ocorria com outras monarquias da época, a portuguesa não se sustentava em uma renda baseada na agricultura, que geralmente possibilitava à aristocracia e ao clero se apropriarem de grande parte da renda fundiária do país e contribuía decisivamente para a manutenção da dominação aristocracia. Em Portugal, o Estado tinha no comércio uma fonte de renda fundamental.

A forte presença do Estado na atividade comercial propiciava o aparecimento de duas contradições: como a prosperidade do Estado dependia dos impostos sobre essas atividades, somente o crescimento delas lhe interessava; contudo, ao atuar como empresário, o Estado restringia a sua própria capacidade de captação de impostos, pois não tinha como tributar-se a si mesmo. Além disso, ao continuar agindo como empresário, mesmo depois da montagem do império ultramarino, ele acabou por limitar o espaço de atuação – e, pois, de consolidação – de um grupo genuinamente empresarial e burguês, pois o seu peso e importância limitavam as possibilidades de fortalecimento desse grupo.  Dessa forma, o Estado aparece como um dos mais poderosos obstáculos à modernização da sociedade portuguesa. É importante ressaltar que isso não era percebido naquele momento histórico e só pôde ser dimensionado tempos depois.

O destino dado por esse tipo de Estado às rendas provenientes do comércio marítimo pode ser ilustrado pelas despesas extraordinárias realizadas pelo erário público entre 1445 e 1481. Os gastos com casamentos, dotes e outras despesas reais equivaliam, então, a cerca de 50% das finanças públicas, ultrapassando, portanto, a porcentagem destinada à expansão comercial no Marrocos e ao sustento das armadas. Assim, ao reforçar a estrutura agrária tradicional – atuando como empresário e inibindo a atividade privada, deixando de realizar investimentos produtivos, pelo contrário, incentivando o crescimento da burocracia e do consumo de artigos de luxo - , o Estado surgia como elemento fundamental para a manutenção da antiga sociedade portuguesa. Ele até podia tornar-se rico, mas não se fortalecia ou se modernizava como era de esperar. Na verdade, tudo isso lhe foi possível não tanto por contar com recursos internos da economia lusa, mas sim, e principalmente, devido a alianças específicas com a aristocracia (inclusive o alto clero) e com setores da comunidade mercantil.

Na base desse Estado encontramos uma aristocracia transformada, ou o que a moderna historiografia portuguesa chama de fidalgos-mercadores. Diante da queda das rendas agrárias e em meio à expansão ultramarina do século XV, a nobreza tendeu a se mercantilizar.  Ao longo do século XVI, ela (direta ou indiretamente) apareceria armando navios, arrematando estancos (monopólios econômicos concedidos pela Coroa) e investindo em canaviais. Isso, entretanto, sem adquirir a mentalidade e o estilo de vida burguês. Muito pelo contrário, a nobreza revigorada continuou ciosa de seu modo de vida e de seus privilégios políticos e sociais. Na realidade, o seu envolvimento com o Ultramar deu-se para preservar esse estado de ciosas. Para ela, as rendas do comércio compensavam o declínio das receitas agrícolas, o que lhe permitia manter a posição de mando no interior da sociedade rural. Assim, economicamente, a nobreza dependia do comércio ultramarino, mas sua participação nesse comércio era garantida pelo seu domínio sobre a terra.  Era essa a base efetiva do seu poder.

Em resumo, Estado e nobreza se mercantilizavam, mas não se aburguesavam – situação que nos permite entender um pouco melhor os destinos da burguesia lusa. O fato de a estrutura social em Portugal estar sobre a hegemonia da aristocracia rural servia de entrave à expansão de práticas econômicas que pudessem ameaçar esse domínio. Portanto, não é difícil compreender, por exemplo, por que em Portugal não prosperaram as sociedades por ações nem as companhias monopolistas de comércio, ao contrário do que ocorreu em outras áreas da Europa. Esses tipos de organizações mercantis, por favorecerem determinados segmentos da burguesia, representavam um perigo para a nobreza.  Assim sendo, dentro de uma economia mercantil previamente bloqueada, onde o comércio servia para preservar os valores aristocráticos, não é de espantar que a própria burguesia se aristocratizasse.  “Subir na vida” significava, em uma sociedade tradicional desse tipo – revitalizada pelo comércio oceânico - , adquirir terras e títulos.  Eis, pois, mais uma criação do império ultramarino: o mercador-fidalgo. Chegamos, então, a uma importante constatação: a expansão ultramarina retirou Portugal da depressão agrária, transformando as estruturas sociais tradicionais para melhor conserva-las. Dito de outra forma: a conquista de um imenso império colonial, em vez de levar o país a modernizar-se, no sentido de adotar práticas e mentalidade capitalistas, na verdade serviu para reforçar a mentalidade aristocrática, que via na terra o principal símbolo de poder.

Assim, durante o século XVI a estratificação social portuguesa continuava a se aproximar da vigente no Antigo Regime europeu. A exemplo de outras partes da Europa, a sociedade lusitana estava estratificada juridicamente, e as pessoas distinguiam-se pelas formas de tratamento e pelo vestuário, implicando status diferentes perante a justiça.  Trocando em miúdos: por um mesmo crime, o fidalgo (membro da nobreza) ficava retido em sua residência, enquanto o peão (membro dos grupos populares) ia para a cadeia pública, podendo ser ainda açoitado. Da mesma maneira, poucas eram as diferenças entre Portugal e o resto do continente no que dizia respeito à distribuição de terras. Em ambos, a aristocracia e o clero detinham a maior parte da propriedade fundiária – no caso português, estes dois estratos juntos concentravam mais de dois terços do solo. O acesso à terra pelos grupos populares estava, portanto, condicionado ao pagamento de uma renda fundiária àqueles estratos.  E, da mesma forma, foi tendo em conta esse domínio sobre a terra que, tanto em Portugal como na Europa, se constituiu o poder político e a hegemonia social dos nobres.

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