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Literatura de Cabo Verde - Nilson De Lourenço dos Santos Cruz - FFLCH - USP

Por:   •  10/10/2016  •  Trabalho acadêmico  •  1.361 Palavras (6 Páginas)  •  455 Visualizações

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

LITERATURA AFRICANAS DE LÍNGUA PORTUGUESA III

Profa. Simone Caputo

        

MARGINAIS

Nilson De Lourenço dos Santos Cruz

USP 2205670

1 de Junho de 2014

“Nunca conheci quem tivesse levado porrada.

Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.”

Assim começa Álvaro de Campos (ou Fernando Pessoa) seu Poema em Linha Reta, nos mostrando uma sociedade onde todos são campeões em tudo, todos são semideuses que nunca tiveram atos ridículos ou sofreram enxovalhos.

Imaginando o impossível, se o heterônimo Álvaro de Campos tivesse tido contato com o romance Marginais, mais ainda, caso tivesse tido contato com a sociedade espancada, sofrida e humilhada que é retratada por essa obra de Evel Rocha, muito provavelmente teria mudado sua opinião, muito provavelmente começaria seu poema de modo diferente: “Nunca conheci quem não tivesse levado porrada / todos os meus conhecidos têm sido perdedores em tudo”.

O romance em questão tem como palco a ilha do Sal, Cabo Verde, um dos principais focos turísticos do arquipélago.  O mundo retratado, porém, nos mostra o que existe além -- ou por trás, ou por baixo -- do mundo glamouroso que é apresentado aos turistas.

Sérgio Pitboy, o (fictício) narrador-autor do romance, conta-nos sua vida e a dos que o cercaram, principalmente dos Pitboys, grupo ao qual se juntou em certo momento. Sérgio é mais um fruto de mais uma família desequilibrada: o pai é alcoólatra e abandona o lar para se juntar a outra mulher; a mãe, desconsolada, sobrecarregada e abandonada, viaja para a Itália em busca de uma vida melhor para si e para os seus. Sérgio é, mais tarde, posto para fora de casa meses após o retorno do seu irmão e da chegada de sua nova cunhada, cunhada esta que torna sua vida um inferno na terra. A partir de então o mundo -- que já não era um mar de rosas -- muda para Sérgio, que passa a dormir na rua, tendo como única família e referência os Pitboys, grupo de adolescentes “rebeldes” que inferniza as redondezas e é alvo freqüente de preconceitos de fontes diversas e abusos por parte das autoridades locais.

O estilo de narrar de Sérgio é muito rico em imagens, é atraente, e nos conduz facilmente ao longo do romance. Sua narrativa é muitíssimo próxima à oralidade, muito similar à narrativa de alguém que nos conta uma estória à beira de uma fogueira :  intercala diálogos, explicações, sua própria moral e filosofia:

“António estava a cada dia mais aparvalhado e Laura, apesar do jeito dengoso, tinha um apetite sexual comparável a um cabrito desmamado. António já não dava conta do recado e Laura não tinha pachorra para o corpo mole do marido. Os dois tinham combinado ir juntos à festa de São Martinho mas, Laura, acossado pelo vício, disse-lhe que fosse à frente porque ainda tinha que arrumar a casa e deitar os meninos que não eram poucos, Fazer dormir seis “antoninhos” desmiolados não é brincadeira! Tu ficas aí pasmando com a vida, mas eu tenho de dar no duro; vai que te encontro lá.”

 A linguagem usada por Sérgio tem muitas vezes o olhar e a simplicidade de uma criança, a despeito da situação, uma filosofia muito própria e muitas vezes apropriada. No entanto, o mundo que ele nos conta não tem a beleza de sua narrativa.  Sua classe social (se é que podemos defini-la assim) é esquecida, é uma periferia desassistida e explorada. As crianças perdem a infância e seus sonhos muito cedo; são vítimas de abusos sexuais por parte dos pais (ou com sua anuência) e das autoridades; não há futuro para a maior parte dos jovens além do roubo, das drogas e da prostituição, atividades estas que na maior parte das vezes giram em torno do  turismo (algumas vezes questionável) da ilha.  

Não fosse o bastante toda esta série de problemas, Sérgio nos descreve episódios cotidianos -- na verdade, “pequenas” desgraças -- que seriam cômicos se não fossem trágicos e tão freqüentes, e não marcassem vidas para sempre. Muitos destes “pequenos infortúnios” poderiam bem fazer parte de um livro de contos fantásticos, tamanha a surrealidade, tamanho o tom grotesco. A título de exemplo: Sérgio nos conta que Beto, seu amigo, que tornara-se cego de um olho após furtar uma maçã, não pôde mais jogar como goleiro, pois não agarrava mais a bola e era alvo de escárnio por conta desta deficiência futebolística; por sua vez, Nha Maria teve o bico de um seio arrancado por um cabrito – alguém havia sugerido que um cabrito mamando seus seios iria amenizar o excesso de leite que era produzido durante a gravidez; Alcindo, o Don Juan das redondezas, acaba por engravidar e, assim, descobrem que era hermafrodita. Vinga-se do destino e dos que caçoarem dele sendo coveiro: “Cada pazada de terra sobre um defunto é acompanhada de uma gargalhada vingativa e alienada.”

A sexualidade no romance  é tratada -- como quase tudo no romance -- com naturalidade.  Mário César Lugarinho afirma que em Marginais “a prática sexual é naturalizada, inclusive a homossexual”. Embora Sérgio “saiba” que tal orientação é “errada”, não deixa de ter seus “contos” (affairs) com personagens homossexuais.Há também uma freqüência de estupros e violações por parte das autoridades que é espantosamente corriqueira e que -- mais espantosamente ainda -- segue em silêncio e ignorada, principalmente quando ocorrem com, fazendo uso de um termo Lusitano, a “arraia miúda”.

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