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A ENTREVISTA SIGMUND FREUD

Por:   •  13/2/2023  •  Artigo  •  3.075 Palavras (13 Páginas)  •  54 Visualizações

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SIGMUND FREUD

Um olhar sobre a vida

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Entrevista a George Sylvester Viereck
          
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Tradução de Paulo César de Souza

        – Setenta anos ensinaram-me a aceitar a vida com serena humildade.

        Quem fala é o professor Sigmund Freud, o grande explorador da alma. O cenário da nossa conversa foi uma casa de verão no Semmering, uma montanha nos Alpes austríacos.

        Eu tinha visto o pai da psicanálise pela última vez em sua casa  modesta na capital austríaca. Os poucos anos entre minha última visita e a atual multiplicaram as rugas na sua fronte. Intensificaram sua palidez de sábio. Sua face estava tensa, como se sentisse dor. Sua mente estava alerta, seu espírito, firme, sua cortesia, impecável como sempre, mas um ligeiro impedimento da fala me assustou.

        Parece que um tumor maligno no maxilar superior necessitou ser operado. Desde então Freud usa uma prótese, para ele causa de constante irritação.
        –  Detesto o meu maxilar mecânico, porque a luta com o aparelho me consome tanta energia preciosa. Mas prefiro um maxilar mecânico a maxilar nenhum.
Ainda prefiro a existência à extinção. Talvez os Deuses sejam gentis conosco, tornando a vida mais desagradável à medida que envelhecemos. Por fim, a morte nos parece menos intolerável do que o fardo que carregamos.
        Freud se recusa a admitir que o destino lhe reserva algo especial.

        –  Por que   –  disse calmamente – deveria eu esperar um tratamento especial? A velhice, com suas agruras, chega para todos. Atinge uma pessoa aqui, outra ali. Seus golpes sempre alcançam um ponto vital. A vitória final pertence ao Verme Conquistador.

"Apagam-se, apagam-se  as luzes - todas!
E sobre cada forma trêmula
Cai a cortina, um pano mortuário
Com um ímpeto de tempestade
E os anjos, pálidos e lânguidos
Erguendo-se, desvelando-se, afirmam
Que peça é a tragédia 'Homem'
E o seu herói, o Verme Conquistador."

“Eu não me rebelo contra a ordem universal. Afinal, vivi mais de setenta anos. Tive o bastante para comer. Apreciei muitas coisas – a companhia de minha mulher, meus filhos, o pôr-do-sol. Observei as plantas crescerem na primavera. De vez em quando tive uma mão amiga para apertar. Vez ou outra encontrei um ser humano que quase me compreendeu. Que mais posso querer?”
        – O senhor teve a fama – disse eu – sua obra influi na literatura de cada país. O homem olha a vida e a si mesmo com outros olhos, por causa do senhor. E, recentemente, no seu septuagésimo aniversário, o mundo se uniu para homenageá-lo – com exceção da sua própria universidade!

– Se a Universidade de Viena me demonstrasse reconhecimento, eu ficaria embaraçado. Não há razão porque deveriam aceitar a mim e a minha obra porque tenho setenta anos. Eu não atribuo importância insensata aos decimais. A fama chega apenas quando morremos e, francamente, o que vem depois não me interessa. Não aspiro à glória póstuma. Minha modéstia não é virtude.
        – Não significa nada o fato de que o seu nome vai viver?
        –  Absolutamente nada, mesmo que ele viva, o que não é certo. Estou bem mais preocupado com o destino dos meus filhos. Espero que a vida deles não venha a ser difícil. Não posso ajudá-los muito.a guerra praticamente liquidou minhas posses, o que havia poupado durante a vida. Mas posso me dar por satisfeito. O trabalho é minha fortuna.

Estávamos subindo e descendo uma pequena trilha no jardim da casa. Freud acariciou ternamente um arbusto que floria.

– Estou muito mais interessado neste botão do que no que possa me acontecer depois de morto.

– Então o senhor é, afinal de contas, um profundo pessimista?

–  Não, não sou. Não permito que nenhuma reflexão filosófica estrague a minha fruição das coisas simples da vida.

– O senhor acredita na persistência da personalidade após a morte, de alguma forma que seja?

– Não penso nisso. Tudo que vive perece. Por que deveria o homem constituir uma exceção?

– Gostaria de retomar de alguma forma, de ser resgatado do pó? O senhor não tem, em outras palavras, desejo de imortalidade?

– Sinceramente, não. Se reconhecemos os motivos egoístas por trás de toda conduta humana, não temos o mínimo desejo de voltar. A vida, movendo-se num círculo, seria ainda a mesma. Além disso, mesmo se o eterno retorno das coisas, para usar a expressão de Nietzsche, nos dotasse novamente do nosso invólucro carnal, para que serviria isso, sem memória? Não haveria elo entre o passado e futuro. Pelo que me toca, estou perfeitamente satisfeito em saber que o eterno aborrecimento de viver finalmente passará. Nossa vida é necessariamente uma série de compromissos uma luta interminável entre o ego e o seu ambiente. O desejo de prolongar a vida excessivamente me parece absurdo.
          – O senhor desaprova as tentativas de seu colega Steinach, de prolongar o ciclo da existência humana?

– Steinach não tenta prolongar a vida. Ele apenas conhece a velhice. Recorrendo ao reservatório de energia em nosso próprio corpo, ele ajuda os tecidos a resistir à doença. A operação de Steinach detém acidentes biológicos modestos, como o câncer em seus estágios iniciais. Torna a vida mais viável; não a torna mais digna de ser vivida. Não motivo para desejar viver mais longamente. Mas há todo motivo para desejar viver com o menor desgosto possível. Eu sou razoavelmente feliz, porque sou grato pela ausência de dor e pelos pequenos prazeres da vida, pelos meus filhos e por minhas flores.
          – Bernard Shaw sustenta que vivemos muito pouco – disse eu – Ele acha que o homem pode prolongar a vida, se assim desejar, levando sua vontade a atuar sobre as forças da evolução. Ele crê que a humanidade pode reaver a longevidade dos patriarcas.

– É possível, respondeu Freud, que a morte em si não seja uma necessidade biológica. Talvez morramos porque desejamos morrer. Assim como o amor e o ódio por alguém habitam nosso peito ao mesmo tempo. Assim também toda vida conjuga o desejo de manter-se e o anseio pela própria destruição. Do mesmo modo que um pequeno elástico esticado tende a assumir a forma original, assim também, toda matéria viva, consciente ou inconscientemente, busca readquirir a completa e absoluta inércia da existência inorgânica. O impulso de vida e o impulso de morte habitam lado a lado dentro de nós.

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