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Da Constituição das Psicoterapias Ditas Fenomenológicas e Existenciais

Por:   •  25/10/2020  •  Artigo  •  7.413 Palavras (30 Páginas)  •  287 Visualizações

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CAPÍTULO 1

Da constituição das psicoterapias ditas fenomenológicas e existenciais

Gisele Alves Medeiros

Tommy Akira Goto

Adriano Furtado HOLANDA

Heno Izídio da Costa

À constituição do “campo” das psicoterapias remonta aos clássicos trabalhosreferidos ao “fazer” médico — desde os tradicionais oráculos, perpassando a confraria dos “terapeutas” de Alexandria, bem como as profundas conversões operadaspor Hipócrates e Galeno (FÍLON DE ALEXANDRIA, 1996; NICARETTA, 2009, 2012; HOLANDA, 2012; PICCININI, 2012) — estabelecendo um contexto difuso, mas consistente, de práticas focadas basicamente na fala e na relação dual, que ganharamcada vez mais relevância, historicamente, com o magnetismo animal (mesmerismo)e a hipnose (NEUBERN, 2006, 2008), até alcançar notoriedade com a perspectivafreudiana do século passado (FREUD, 1987; MEZAN, 1986).

A partir daí, uma série de perspectivas diferentes foram se organizando emtorno da ideia de uma terapêutica para os conflitos, angústias, paradoxos e sentidos diversos do humano, constituindo assim, um imenso leque de abordagens ou“escolas psicoterápicas”.

A relação entre a Fenomenologia e o campo das psicoterapias é igualmentedifusa e complexa, exigindo, há tempos, uma reflexão crítica e fundamentada,visto que sob à alcunha do “fenomenológico-existencial” — expressão difundidaparticularmente a partir dos trabalhos de Sartre e Merleau-Ponty, mas igualmenteassociada ao pensamento de Heidegger e tantos outros — abriga-se um conjuntorelativamente amplo (é ao mesmo tempo, distinto) de práticas e teorias, que nabusca de uma consolidação possível, tomaram para si a alcunha de “psicoterapiafenomenológica” ou “clínica fenomenológica”, propondo uma aproximação —quando não a designação de “fundamentação” — com a Filosofia Fenomenológicae as Filosofias da Existência.

Neste sentido, podemos tomar um comentário de Maslow (1970), representante clássico do movimento humanista estadunidense (que representa o maiorimpacto nas práticas ditas “fenomenológicas” e “existenciais” correntes no Brasil):

Temos agora um novo impulso nessa direção pelos fenomenologistas eexistencialistas (...) A fenomenologia tem uma história no pensamentopsicológico americano, mas de um modo geral creio que definhou. Osfenomenologistas europeus (...) podem reensinar-nos a melhor maneirade compreender outro ser humano (...). É claro, uma tal conclusão érudimentar, à luz de qualquer Filosofia positivista da ciência (MASLOW,1970, p.40).

No entanto, não foi em solo estadunidense que se iniciou a influência daFenomenologia no campo da Psicologia e Psiquiatria. Antes mesmo, na Alemanha,muitos psicologistas, psicólogos experimentais e psiquiatras encontraram nessafilosofia a possibilidade de romper com o positivismo e naturalismo reinantes eretomar a subjetividade e o sentido próprio da vida psíquica em sua motivaçãooriginária (SPIEGELBERG, 1972; MISIAK; SEXTON, 1973). À Fenomenologia nascenteofereceu, então, a possibilidade de um método rigoroso capaz de dirigir a análisediretamente ao fenômeno psíquico, em um contato imediato com a subjetividadepsíquica (HOLANDA, 2014; GOTO, 2015; Goto; HOLANDA; COSTA, 2018). Todavia,é fundamental entendermos no que consistiu à Fenomenologia e o método fenomenológico, e como aconteceu a relação entre Fenomenologia e Psicologia, paraque essa filosofia viesse a ser conclamada como fundamento de diversas propostasde Psicologias e Psicoterapias.

A Ideia da Fenomenologia e a Psicologia Fenomenológica

Edmund Husserl (2006) contribuiu de maneira significativa para uma novacompreensão e articulação da Psicologia, por isso é fundamental evidenciarmosaqui algumas ideias centrais da Fenomenologia e do método fenomenológico.Para isso podemos partir dos seguintes questionamentos: como Husserl concebeua Fenomenologia? O que se entende por fenômeno? Qual sua proposta de Psicologia Fenomenológica? Partindo desses questionamentos iniciais, Husserl nos dizque a Fenomenologia:

(...] é uma ciência essencialmente nova, distante do pensar natural emvirtude de sua peculiaridade de princípio e que, por isso, só nossos diaspassou a exigir desenvolvimento. Ela se denomina uma ciência de “fenômenos”. (...] Por diferente que seja o sentido da palavra fenômeno emtodos esses discursos, e que significações outras ainda possa ter, é certo que também a fenomenologia se refere a todos esses “fenômenos”, e emconformidade com todas essas significações, mas numa atitude inteiramente outra, pela qual se modifica, de determinada maneira, o sentidode fenômeno que encontramos nas ciências já nossas velhas conhecidas”(Husserl, 2006, p.25).

A Fenomenologia é, pois, uma ciência que investiga aquilo que aparece ouse mostra à nossa consciência em todas as suas significações possíveis (GOTO, 2015; GOTO; HOLANDA; COSTA, 2018).

|...] consiste em uma filosofia cujo projeto radical está no retorno àsubjetividade transcendental e ao mundo-da-vida, buscando recuperarmetodologicamente à origem de todas as vivências, ou seja, a própriaauto manifestação da subjetividade transcendental. É uma filosofia eum método que consiste, em termos gerais, em um estudo rigoroso edescritivo dos fenômenos, ou seja, constitui-se como uma “ciência dosfenômenos” (GOTO, 2015, p.273).

Para Husserl, a palavra “fenômeno” é entendida como tudo aquilo queaparece — para uma consciência — portanto, são todas as “coisas” (Sache) que seapresentam a alguém; é tudo aquilo que aparece ou surge no campo da consciênciacomo algo puro e absoluto, não sendo uma mera aparência (Husserl, 2006), comopensava Kant. Ao contrário, os fenômenos são aparecimentos, e não aparências, poisse dão por si mesmos e com isso as coisas aparecem (SOKOLOWSKI, 2007).

A partir dessa ideia fundamental, a Fenomenologia pode reconhecer erestaurar o mundo que ficou “perdido” em meio às inúmeras confusões filosóficas. Como assinala Ales Bello (2017), Husserl não estava preocupado só com aexistência[1], mas com a essência. Em outras palavras, o filósofo se preocupava maiscom o “sentido das coisas” que com a “existência dos fatos”. Em verdade, para estefilósofo, a existência dos fatos deveria ser “colocada entre parênteses”, porque aforma de compreender os fatos era mais importante do que a existência deles em si.

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