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A Maturidade Precoce e a Sabedoria Como Possibilidade de Existência

Por:   •  3/2/2021  •  Monografia  •  8.562 Palavras (35 Páginas)  •  108 Visualizações

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[pic 2]4.

A Maturidade precoce e a sabedoria como possibilidade de existência

“Cada um de nos compõe a sua historia

Cada ser em si Carrega o dom de ser capaz

E ser feliz” (Tocando em Frente; Sater, Almir e Teixeira, Renato )

Pensando sobre a realidade das favelas e em como é viver neste ambiente, se faz necessário um estudo a respeito de seus efeitos no psiquismo dos sujeitos. Para tanto, é preciso considerar o potencial traumatizante que este ambiente possui. Viver nas favelas é um constante risco, é estar em contato, diariamente, com o medo e a insegurança. O medo de não chegar à casa ou à escola, o medo de não ver os pais voltarem, o medo de que entrar para o crime seja sua única opção na vida, faz parte da realidade das crianças que vivem nas comunidades dominadas pelo tráfico de drogas.

Desta forma, sem deixar de lado a questão colocada anteriormente, sobre o papel da comunidade, é preciso reconhecer que o ambiente da favela é extremamente difícil para se viver. Não apenas pela presença do tráfico de drogas, mas também pela precariedade de assistência social e financeira.

O poder do tráfico armado e os constantes conflitos com a policia e as facções rivais fazem com que este cenário tenha como personagens principais - mortes, tiros e muita crueldade. Todo este contexto expõe uma imensa parte da população aos perigos e consequências do conflito armado. Esta realidade é vivida, devido à lei do silêncio que é ditada pelo poder do tráfico, de forma passiva pela comunidade. Existe neste ambiente uma atmosfera de negação ou emudecimento das reações emocionais à violência.

“O cenário das grandes metrópoles brasileiras vem sendo marcado nas ultimas décadas pela presença crescente do crime organizado. (...) Invasões, tiros e cadáveres deixaram de se tornar fatos associados a guerras em terras estrangeiras para se tornarem elementos no cotidiano de grandes cidades brasileiras- o Rio de Janeiro em especial.”

(Plattek, 2008, pp. 126-127)

[pic 3]Além disso, a situação social que se vivencia nessas comunidades está muito distante do que chamaríamos de adequada. A condição financeira desta população não é suficiente para que, sem ações sociais, sejam garantidos bens de consumo básicos para o sustento da família, para uma moradia decente e o acesso à saúde. Ao mesmo tempo, as políticas e ações públicas de assistência a essa população são bastante precárias. Até mesmo, pela própria ocupação do trafico de drogas, as favelas deixam de receber recursos do estado que forneceriam um bem- estar mais digno.

‘... é preciso assinalar a existência de uma violência que é estrutural. Assim, podemos entender também como violenta qualquer situação social que submeta o sujeito à fome, miséria, desigualdade, exclusão, ao desamparo, ao preconceito e dificulte o acesso à saúde, educação, moradia, segurança, ao trabalho e ao lazer. (...) O que se dá, na verdade, é que grande parcela da população sofre a violência do desamparo social e da exclusão econômica. ’

(Plattek, 2008, p. 126)

Dentro deste contexto que foi descrito, há uma infância que vive, presencia e que é exposta a toda esta realidade. Na Casa da Árvore, trabalhamos com crianças que nos apresentam questões e preocupações muito precoces e excessivas. É exigido delas um tipo de organização na qual não é possível sentir medo, nem tampouco reclamar a irresponsabilidade da infância. Muitas vezes, são eles, os responsáveis e cuidadores da casa e dos que os rodeiam.

Muitos autores trabalham e pesquisam sobre a infância que vive em ambientes onde impera ou imperou a violência e o terror. Abigail Golomb, psicanalista norte-americana que vive e trabalha em Israel, é uma dessas pessoas. Em seu texto Terror na infância (2003), são abordadas algumas consequências de uma infância vítima de guerras. A autora indica, trazendo uma importante contribuição, que há uma ordem natural no desenvolvimento do sujeito, que, se for perturbada, pode acarretar diversos efeitos neste processo.

O terror, tanto em adultos quanto em crianças, é capaz de desumanizar o indivíduo, atacar a individualização, pode gerar uma perda na identidade individual. Quando tratamos do período infantil, as consequências podem ser ainda mais prejudiciais. A infância é o momento em que a identidade está sendo desenvolvida e, por isso, uma época em que há uma vulnerabilidade maior. O

[pic 4]ataque à individualidade em um período como este é, sem dúvida, capaz de grandes desdobramentos.

“Tornar-se indivíduo com plenos direitos é uma tarefa primaria do desenvolvimento. Qualquer coisa que domine o individuo e faça dele uma cifra, uma ocorrência incidental, uma estatística, uma pessoa que perde sua importância, ira atrasar, deturpar ou destruir o processo de individuação”.

(Golomb, 2003, p. 188)

Outro ponto importante se relaciona ao sentimento de segurança. Para que haja um desenvolvimento saudável, é fundamental que a criança tenha uma base segura, se sinta segura em relação a si mesma e aos outros que estão a sua volta. Como foi tratado no capítulo anterior, é preciso que exista um ambiente confiável e seguro com que ela possa contar e dele depender. Tendo isso, será mais fácil para a criança lidar com as perdas e frustrações, naturais no processo de desenvolvimento, sem maiores consequências.

No entanto, em um ambiente no qual o terror e a violência estão presentes, esse sentimento de segurança pode ser perdido ou destruído. “O terror floresce na insegurança, no desconhecido, no instável, no inesperado. Ele se nutre do imprevisível. Está à espreita em todos os cantos e não há nenhum ritual infantil que possa mantê-lo à distância.” (Golomb, 2003, p. 190) O imprevisível, o efeito surpresa, contido no terror pode ser extremamente prejudicial à infância. É o que Freud (1926) descrevia como o potencial traumático de qualquer estímulo que chegue ao aparelho psíquico sem preparação prévia, provocando uma brecha na organização defensiva sem que tenha sido acionado a tempo o dispositivo da angústia sinal.

Desta forma, não há pensamento mágico ou explicação que faça sentido e ajude na elaboração do ocorrido. Como pontua a autora, não há adulto forte o suficiente que possa proteger e dar segurança a esta criança. Assim como as crianças, os adultos que vivem nesta situação tentam desenvolver algum tipo de explicação que faça sentido e seja acolhedor nestes momentos.

“Há nisso uma certa lógica, mais ainda é pensamento mágico, um jeito de ter controle sobre uma situação incontrolável. (...) As crianças darão qualquer explicação que puderem, do seu próprio jeito, porque o mais aterrorizante é não ter explicação”.

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