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QUESTÃO URBANA: ASPECTOS RELEVANTES NO BRASIL

Por:   •  26/2/2017  •  Artigo  •  6.242 Palavras (25 Páginas)  •  360 Visualizações

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QUESTÃO URBANA: ASPECTOS RELEVANTES NO BRASIL

Camila de Moraes Ferreira Borin[1]

As cidades brasileiras hoje são a expressão urbana de uma sociedade que não superou sua herança colonial, que não buscou a construção de uma sociedade que fosse capaz de distribuir de forma equitativa suas riquezas. Uma parcela expressiva da população brasileira sobrevive na informalidade urbana, residindo em favelas, sendo a propriedade da terra o cerne desta enorme desigualdade sócio-espacial, no que concerne às relações sociais e espaço simultaneamente.

 Há décadas, a questão da moradia tem sido um tema recorrente nos mais diversos âmbitos, seja governamental, científico, dentre outros. O foco maior de atenção das políticas públicas dessa área tem sido a provisão de habitação para o número crescente de pessoas vivendo nas cidades. O acelerado crescimento urbano em um contexto de crise econômica tem significado que moradia acessível e de boa qualidade é cada vez mais difícil de obter-se. No passado, como hoje, alinhada às políticas das agências internacionais e/ou em suporte aos interesses imobiliários locais, a promoção pública da casa própria tem prevalecido sobre alternativas no conjunto de políticas habitacionais dos governos brasileiros. E, como a distância entre pobres e ricos só tem crescido ao longo do tempo, a população de pobres urbanos, não dispondo da renda necessária para o acesso ao mercado formal, tem encontrado a sua solução de moradia em áreas pouco apropriadas para esse fim (como mangues, encostas de morros, margens de rios, etc.), construindo barracos, inclusive nas distantes periferias sem infraestrutura das cidades. A constituição de tal ambiente degradado não tem favorecido o desenvolvimento de uma cidade mais justa social e espacialmente. Em suma, o desenvolvimento de formas alternativas de provisão habitacional compatíveis com demandas e necessidades vindas de baixo é uma questão crucial na promoção do direito à cidade. Assim, é necessário que a provisão de habitação para os mais pobres – tanto urbanos, quanto rurais – passe a ocupar lugar mais privilegiado nas preocupações de acadêmicos, políticos e gestores.

A cidade é a expressão da produção social, da dinâmica de transformação e uso do território e dos recursos naturais, na realidade em que vivemos. O direito à cidade e à justiça espacial está articulado indissociavelmente ao processo através do qual o espaço é produzido e reproduzido nas relações sociais estabelecidas. Isso significa pensar a urbanização e o urbano como expressões do modelo de sociedade que estamos desenvolvendo. Para tanto, há a necessidade de se buscar a caracterização da urbanização e do urbano a partir das forças produtivas que engendram a socialização e apropriação contraditória, desigual e conflituosa da cidade e do direito à cidade, materializada no processo do desenvolvimento geográfico do capitalismo. São as contradições da reprodução do espaço urbano e das relações sociais de apropriação da cidade pelas diversas classes que aparecem como problemas de gestão da política e do planejamento urbanos, pois são processos plenos de lutas, perdas e ganhos. (PENNA, 2014)

Diante do capitalismo contemporâneo, baseado no sistema de mercado neoliberal que tem o Estado como agente interveniente no campo socioeconômico, ao lado de produtores e consumidores livres para produzir e consumir, o trabalho próprio da política parece ser apenas o de adaptação pontual às exigências do mercado mundial. Se considerar a concepção política da ação humana a partir da prática dos homens, pode-se pressupor que há um dissenso entre como o Estado governa a cidade – políticas públicas urbanas –, e o que os cidadãos querem da cidade.

O direito à cidade, apresentado como pauta central dos movimentos urbanos de resistência atuais, conforma-se, assim, para além da visita à cidade ou do desejo de acesso. Nomeado por Lefebvre como direito à vida urbana, refere-se ao direito de mudar a cidade ou, em outras palavras, o direito de decidir sobre a cidade que se quer (NASCIMENTO, 2016).

Para compreensão da realidade atual brasileira frente às questões habitacionais faz-se necessário um resgate histórico sobre a questão fundiária. Até meados do século XIX, a terra no Brasil era concedida pela Coroa – as sesmarias – , ou simplesmente ocupada. A terra ainda não tinha valor comercial, mas essas formas de apropriação já favoreciam a hegemonia de uma classe social privilegiada. A Lei de Terras, de setembro de 1850, transformou-a em mercadoria, nas mãos dos que já detinham as "cartas de sesmaria" ou provas de ocupação pacífica e sem contestação, e da própria Coroa, oficialmente proprietária de todo o território ainda não ocupado, e que a partir de então passava a realizar leilões para sua venda. Ou seja, pode-se considerar que a Lei de Terras representou a implantação da propriedade privada do solo no Brasil. Para ter terra, a partir de então, era necessário pagar por ela. A Lei de Terras consolidou de fato o latifúndio brasileiro, através da ampla e indiscriminada ocupação das terras, e a expulsão dos pequenos posseiros pelos grandes proprietários rurais. Tal processo se deu muito em função da indefinição do Estado em impor regras, decorrente das disputas entre os próprios detentores do poder.  Uma demarcação da propriedade fundiária nas mãos dos grandes latifundiários, que nesse processo conseguiram inclusive apropriar-se de muitas terras do Estado. E os imigrantes, em vez de colonos de pequenas plantações, serviram de fato como mão de obra nos grandes latifúndios, substituindo a mão de obra escrava. Pois o processo político de aprovação da Lei de Terras teve muito a ver com o fim do tráfico de escravos.

O fim da escravidão no Brasil está mais ligado aos fortes interesses comerciais ingleses, a potência hegemônica da época, do que a ideais abolicionistas. A expansão comercial imposta pela Revolução Industrial fez com que aumentasse o interesse dos ingleses sobre o comércio brasileiro, e as pressões para impedir qualquer restrição a seus produtos e garantir o aumento do mercado, o que incluía também o fim da mão de obra escrava e a implantação do assalariamento. Restava então aos grandes produtores cafeeiros recorrer à mão de obra "livre" e assalariada dos imigrantes. Nesse sentido, a Lei de Terras coibiu a pequena produção de subsistência, dificultando o acesso à terra pelos pequenos produtores, inclusive imigrantes, e forçando seu assalariamento nas grandes plantações. Tal situação consolidou a divisão da sociedade em duas categorias bem distintas: os proprietários fundiários de um lado, e do outro, sem nenhuma possibilidade de comprar terras, os escravos, que seriam juridicamente libertos apenas em 1888, e os imigrantes, presos a dívidas com seus patrões ou simplesmente ignorantes de todos os procedimentos necessários para obter o título de propriedade.

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