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A Filosofia

Por:   •  7/6/2018  •  Bibliografia  •  18.445 Palavras (74 Páginas)  •  131 Visualizações

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Curso Online de Filosofia

Olavo de Carvalho

Aula 100

02 de abril de 2011

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Boa noite a todos! Sejam bem-vindos. Queria lembrar a vocês que esta é a centésima aula do Curso Online de Filosofia e também que hoje é o aniversário de meu filho Luiz Gonzaga de Carvalho Neto, o Gugu, ao qual todos nós aqui enviamos os nossos mais efusivos parabéns.

Aqui tem uma carta de uma aluna, com uma pergunta que deve ser respondida antes de qualquer coisa.

Aluna: Entrei em contato com uma livraria, como o senhor pode ver abaixo, e o livro Apologia de Sócrates, tradução de Carlos Alberto Nunes, está esgotado e temos apenas um mês para ambas as leituras. Gostaria de saber se podemos começar pela leitura do Fédon? Seria interessante que alguém digitalizasse a Apologia de Sócrates em formato PDF e a disponibilizasse no site do Seminário.

Olavo: Não sei se isso é possível por haver aí problemas de direitos autorais. A não ser que exista alguma tradução mais antiga na qual não haja direitos autorais. Mas, em todo o caso, eu verifiquei na página www.estantevirtual.com.br e existem ali algumas centena de cópias da Apologia de Sócrates, muitas delas com a tradução de Carlos Alberto Nunes, não editada pela Universidade do Pará, mas numa edição muito anterior da Ediouro. É um livrinho de bolso cuja tradução era a mesma de Carlos Alberto Nunes, que depois foi editada pela Universidade do Pará. Se vocês procurarem edições da Ediouro datadas de 1960 até 1970, eu tenho a impressão que ainda é a tradução de Carlos Alberto Nunes. Existe uma outra tradução de um tal de André Malta que eu não sei se é boa, mas em último caso, se não houver outra alternativa, vocês podem ler esta mesma. Então a solução é esta: www.estantevirtual.com.br. Quanto à possibilidade de digitalizar, fica aí a pergunta para o Sílvio Grimaldo: é possível fazer isso?

Eu não gostaria de, antecipadamente, interferir na sua leitura dos textos. Eu prefiro que vocês leiam os textos inteiramente por sua conta; depois nós vamos ler juntos, não digo o texto inteiro, mas vou destacar alguns pedaços que me pareçam mais importantes e fazer algumas observações gerais, de modo a otimizar os resultados da sua leitura. Note bem que, em nenhum momento, nós vamos adotar o famoso método de fichamento de texto usado na USP há 70 anos, que nunca deu resultado algum. No último programa True Outspeak eu comentei que o homem mais culto que já existiu no Brasil foi Otto Maria Carpeaux, e que lhe perguntaram se ele fichava livros. Ele olhou para o repórter com uma cara de desprezo e disse: “você não sabe o que é educação europeia, sabe? Eu nunca fichei um livro.” Outro homem cultíssimo que conheci foi Ignácio da Silva Telles. Uma vez ele me disse “fichar para quê? Eu já tenho os livros”; quer dizer, você faz as anotações nos próprios livros e quando precisa você os consulta. Eu também sempre adotei esse método. Na USP eles tinham um sistema de ir decompondo o texto em pedacinhos, isto é, transformar um texto em uma espécie de estrutura numérica, com itens, subitens etc. — por exemplo: 1, 1.1, 1.1.1, e assim por diante —, de modo que você, segundo eles, possa identificar a partir daí as estruturas maiores do livro e as subestruturas dentro. Mas quem disse que numerar os pedaços indica que você captou a estrutura? Você pode fazer a numeração e ela não corresponder de forma alguma à estrutura do livro; isso aí são “penas de amor perdidas”, você só vai gastar um tempo enorme escrevendo coisas que já estão escritas no livro. O método funciona assim: você põe lá o número e as palavras do começo e do fim do trecho para identificar onde ele começa e onde termina; e aí subdividia aquilo. Sinceramente, eu não sei aonde isso pode levar. Isso talvez possa ajudar no caso de certos textos, mas como regra geral não funciona de maneira alguma.

Eu vou dizer o que é importante quando você lê o texto: guardá-lo na memória o máximo possível. Eu não me lembro, na minha vida inteira, de ter lido uma única linha que eu não pretendesse guardar na memória; a não ser notícias de jornal e essas coisas que você guarda somente a informação e depois nem lembra mais de onde a tirou. Mas quando se trata de um livro clássico, para que você vai ler se não pretende guardá-lo na memória, mas esquecê-lo na semana seguinte? Eu me lembro que, quando jovem, eu dividia um apartamento com um sujeito chamado Macedo que lia o dia inteiro — um livro atrás do outro. Um dia ele interrompeu a leitura, olhou para mim e disse “diga uma coisa: você entende o que lê?” Isto para mim foi uma experiência traumática. Eu jamais li tantos livros quanto o meu amigo, mas só li com a firme disposição de entender tudo e de guardar na memória pelo menos aquilo que fosse importante para outras leituras e para outros estudos que eu fizesse depois. O estudo tem um sentido construtivo e acumulativo, no qual você tem de ser capaz de relacionar coisas que você está lendo agora com coisas que leu há 30 anos atrás, de maneira que você crie uma biblioteca interior. Se você for fazer aquele tipo de fichamento com cada livro, nunca vai terminar. Você vai ter de dedicar tanto tempo a cada livro que, no fim de sua vida, quando você estiver chegando no centésimo livro, está na hora de morrer.

Essa decomposição do livro nas suas partes não corresponde, necessariamente, à estrutura do pensamento que está ali exposto, principalmente num caso como os diálogos de Platão em que tudo é alusivo, simbólico, analógico, e no qual raríssimas coisas estão ditas em sentido direto. Isto é muito importante: os diálogos de Platão são peças de teatro. Elas podem ser representadas no palco; você pode colocar lá um sujeito que representa Sócrates, outro Alcebíades, outro Protágoras e assim por diante. A força literária do texto não permite jamais que você a interprete somente em sentido literal raso; sempre há uma segunda intenção, uma ironia. Por exemplo, A República inteira é uma ironia. Quando nós lermos A República mais tarde vocês vão reparar que nada ali está dito de modo sério: “Nós temos de fazer um regime assim e assim...”. Ao longo dos tempos quantas pessoas não leram aquele livro como se fosse uma proposta política? Como se fosse um projeto de um regime utópico? O Sir Karl Popper leu exatamente assim. É um sujeito que não tem senso de humor, que leva as coisas demasiadamente a sério e se leva demasiado a sério, enquando o próprio Platão não estava se levando a sério. Quando um sujeito passa páginas e páginas construindo um regime lindíssimo, em que tudo funciona maravilhosamente bem, para no fim dizer que isso não vai durar, que na primeira esquina vai bagunçar tudo, então é claro que ele não está levando aquilo a sério e é claro que ele não pretende fazer aquilo. E se aquilo não é um projeto de regime utópico, o que é? É uma especulação em torno dos critérios de julgamento da sociedade humana. Ou seja, ele está tentando criar um padrão de perfeição hipotética contra o qual as sociedades pudessem ser examinadas, como se fosse uma substância para fazer contraste. E esse padrão de perfeição é propositadamente inalcançável.

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