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Resenha Crítica do Documentário Nas Terras do Bem Virá

Por:   •  6/12/2018  •  Resenha  •  2.663 Palavras (11 Páginas)  •  1.022 Visualizações

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RAMPAZZO, Alexandre; POLASTRI, Tatiana. Nas Terras do Bem-Virá. Eclipse Produções, 2007. (110m59s). Disponível em: . Acesso em: 30 de junho de 2018.

Lucas Villas Boas Schardosin[1] 

O documentário objeto desta resenha[2], produzido em 2007 por Tatiana Polastri e dirigido por Alexandre Rampazzo, mostra como vivem os milhares de trabalhadores que migram para o interior, relativamente pouco desbravado, do Brasil, sobretudo nos estados do Pará, Amazonas e Piauí, em meio aos conflitos agrários, problemas ambientais e condições análogas à escravidão. Apresenta imagens das localidades onde se deram os acontecimentos narrados, conseguidas em parceria com emissoras de televisão locais, bem como relatos dos trabalhadores migrantes, dos familiares por eles deixados e dos fazendeiros e latifundiários – a partir dos quais fez-se uma contraposição de pontos de vistas – relatos estes ratificados por outros entrevistados no documentário, como religiosos, representantes da Comissão Pastoral da Terra, advogados, representantes de organizações de proteção ao trabalhador rural e ao meio ambiente, integrantes de órgãos do Poder Judiciário e outros órgãos governamentais, cada um externando suas opiniões acerca dos temas abordados e dando testemunhos de fatos presenciados.

Na análise da obra, percebe-se que é dado enfoque a três temas principais, cada um discutido sobre a égide de um evento histórico marcante que o representa: primeiro a migração aos estados do Norte, principalmente o Pará, de milhares de trabalhadores em busca de melhores condições de vida, movidos por promessas de emprego digno – as quais, na esmagadora maioria das vezes, não se cumprem – que deixam para trás suas casas, suas famílias e partem rumo ao incerto, se submetendo a condições humilhantes e subumanas impostas pelos patrões, passando a viver em regime de escravidão; então, o documentário passa a tratar da busca pela promoção da reforma agrária, iniciada nos anos 1970 e intensificada no início dos anos 1990 pelos trabalhadores que conseguiram deixar o regime de servidão, e dos obstáculos a eles impostos por partes dos latifundiários, fato representado no filme através da chacina da Curva do S, o massacre de 19 integrantes do Movimento Sem Terra ocorrido na cidade de Eldorado dos Carajás/PA, em 17 de abril de 1996; e, por fim, mostra as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores que conseguem o direito às terras oriundas da reforma agrária nos estados do Pará e Amazonas, mas que tem o acesso a elas usurpado pelos fazendeiros da região, que expandem suas terras para além dos limites das áreas destinadas à reforma agrária, conflito este que no documentário é demonstrado através do assassinato da missionária americana Dorothy Stang, em fevereiro de 2005, no Pará.

Pode-se notar que os três temas abordados na obra possuem íntima correlação entre si, podendo-se dizer, inclusive, que um problema existe em função do outro, sendo difícil, porém, estabelecer entre eles uma ordem de surgimento. No entanto, a obra formou na concepção deste que ora resenha a ideia de que estes problemas – e muitos outros – surgem de uma mesma fonte, que não a única, frise-se, que é o completo descaso e abandono com os quais todos os governantes da história do Brasil lidaram, e continuam lidando, com a população das cidades interioranas dos estados das regiões Norte e Nordeste. A despeito do fato de que todas as cidades brasileiras que se encontram no interior do país enfrentam problemas que, geralmente, não se vê nos grandes centros ou nas cidades ao redor, e eis aqui uma opinião pessoal, o filme demonstra o quão mais grave é o cenário das regiões acima citadas.

Os dados apontados na obra – cumpre informar tratarem-se de dados anteriores a 2007, mas que se presumem atuais, dada a persistência do descaso – demonstram que a situação nos estados do Norte e Nordeste é de fato crítica. Os estados do Piauí e Maranhão estão no topo da lista dos que mais produzem mão de obra escrava no país, em algumas cidades o índice chega a 80% dos trabalhadores[3], ao passo que estima-se que 25 mil trabalhadores vivam em situação análoga à de escravo no Amazonas[4].

Voltando aos três temas aos quais é dado enfoque no documentário, e seguindo a ordem com a qual eles são nele apresentados, surge uma dúvida relevante em relação ao primeiro deles, também questionada no filme: o que leva uma pessoa a deixar sua casa, sua família, mulheres e filhos, e partir rumo ao desconhecido, com a incerteza de que um dia poderá voltar? A resposta para esta pergunta está na mesma fonte acima apontada como sendo a de muitos – quiçá todos – problemas tratados no documentário: o descaso e abando com os quais essas pessoas são tratadas pelo poder público.

A maior parte dos trabalhadores que migram para outros estados do país em busca de emprego, dando aqui enfoque para os estados do Norte, são oriundos das cidades do interior do Nordeste. Um dos dados apresentados no documentário demonstra essa realidade: “anualmente são destruídos centenas de milhares de hectares de floresta. E para realizar esse desmatamento, são utilizados milhares de trabalhadores em regime de escravidão, aliciados principalmente nas cidades pobres do Nordeste” (0m59s).

O problema da migração nordestina é crônico, no entanto, não no fato de os migrantes partirem em busca de melhores condições de vida, mas sim nos motivos que o levam a isso, a situação à qual eles estão inseridos e que os fazem tomar tal atitude.

O Nordeste é a região mais pobre do Brasil, concentrando, segundo dados do IBGE, mais da metade da população brasileira que vive abaixo da linha da pobreza. Muitos municípios nordestinos possuem taxas de pobreza superiores a 60%, em alguns casos esse número chega a mais de 90%. Essa situação é mais gravosa quando se analisa as regiões rurais, de onde saem a grande maioria dos migrantes que rumam para os estados do Norte em busca de serviço.

Some-se a esses dados a falta de perspectiva combinada com a desesperança gerada pela inércia do poder público em relação a políticas de melhoria nas condições acima descritas e torna-se, ao menos, compreensível o fato de que a oferta de mão de obra nessas regiões continua alta, maior até do que a disponibilidade de serviço, ainda que os trabalhadores saibam das dificuldades, ainda que alguns saibam que seus direitos trabalhistas estão sendo suprimidos, conforme se percebe em alguns relatos do documentário.

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