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Transcrição Aula Magna - Luís Roberto Barroso

Por:   •  15/3/2016  •  Resenha  •  5.811 Palavras (24 Páginas)  •  1.259 Visualizações

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Gostaria de começar essa apresentação contando uma pequena história que gosto de narrar a meus alunos no primeiro dia de aula.

É um caso conhecido como o arremesso de anão ocorrido na França há alguns anos atrás. Uma cidade próxima a paris tinha em uma casa noturna um evento conhecido como arremesso de anão pelo qual os frequentadores da casa noturna se inscreviam e podiam arremessar o anão e aquele freguês que arremessasse o anão a maior distância ganhava o grande prêmio da noite. Horrorizado com esse evento o prefeito municipal o proibiu a pratica e o estabelecimento entrou com um recurso perante a jurisdição administrativa postulando o reestabelecimento daquela atividade tendo como litisconsorte naquele caso o anão que afirmava que não se sentia diminuído com aquela atividade e que a interdição não atendia aquilo que a ele parecia desejável. Essa instância administrativa refutou a decisão do prefeito e permitiu que esse evento continuasse naquela casa noturna. Houve, no entanto, um recurso para o conselho de estado francês que reestabeleceu definitivamente a proibição desta atividade afirmando que uma pessoa é sujeita de direito, e não objeto de direito, portanto, não pode ser arremessada. E se aquele individuo precisa-se renunciar sua dignidade em razão de suas condições de vida, o estado tinha o dever de restabelece-la; a dignidade de uma pessoa não é um patrimônio individual, mas é também um patrimônio social que deve ser protegido pela sociedade. E assim se entendeu que a pratica do arremesso de anão não poderia ser validamente exercida no âmbito da França. Esta decisão foi celebrada como uma decisão que fez valer a dignidade da pessoa humana, mesmo quando essa pessoa se encontrasse em condições adversas; essa, no entanto é uma maneira de ver esse assunto, pois em outras partes do mundo, a pratica do arremesso de anão é admitida e em um caso especifico o anão compareceu a juízo e disse que a vida dele era solitária e que a partir do momento que ele começou a participar desse evento, ele começou a ganhar dinheiro e fazer novos amigos, e que ele nunca tinha sido tão feliz; e nesse local (EUA) a pratica do arremesso do anão foi consentida e legitimada.

O que eu quero exemplificar com essa história é que no direito, e principalmente no mundo da interpretação, vigora o primado da relatividade, dos diferentes de pontos de observação. Portanto é o ponto de observação odo interprete que fará a diferença no que é correto, justo e legítimo; portanto é importante advertir as pessoas que o mundo do direito é o mundo da relatividade, e portanto quem pretender trafegar pela vida com uma mochila de verdades plenas ou de certezas absolutas não encontrará felicidade e realização no direito; esta é a observação inicial que me parece próprio de se fazer em um debate a propósito da interpretação jurídica em geral e da interpretação constitucional em particular. A interpretação constitucional, começando o nosso roteiro, é uma modalidade de interpretação jurídica; uma das mudanças de paradigma no direito contemporâneo foi precisamente o reconhecimento de força normativa à constituição. A constituição é uma norma jurídica invocável pelas partes e seus advogados e aplicada diretamente pelo poder judiciário; superou-se, portanto, o modelo europeu tradicional em que a constituição era vista como um documento político, como uma convocação à atuação dos poderes públicos. Pois nesse ambiente em que a constituição é percebida como norma jurídica, aplica-se naturalmente a interpretação constitucional o conjunto de elementos tradicionais da interpretação jurídica que são o elemento gramatical, histórico, sistemático o elemento teleológico. O elemento gramatical estabelece que a interpretação jurídica se faz a partir do texto da norma e esta fixa também as possiblidades de atuação criativa do interprete; a norma oferece para utilizar a linguagem de Kelsen a moldura dentro da qual o interprete pode estabelecer sua criatividade e suas escolhas. E aqui duas observações são importantes, em primeiro lugar embora a interpretação gramatical tenha seu peso a literalidade da norma muitas vezes pode trair o sentido da norma de modo que a interpretação gramatical é um ponto de partida ela oferece os limites possíveis de sentido, mas como regra geral a interpretação não deverá estancar na literalidade da norma. Há um famoso voto do STF de muitos anos atrás, o ministro Luís Galeote, em que ele disse que a interpretação literal é a pior. Segundo elemento tradicional da interpretação jurídica é o elemento histórico; na tradição romano-germânica esse é o elemento menos prestigiado, é o elemento que leva em conta a intenção do legislador no momento da elaboração da norma e o contexto no qual a norma foi criada, embora a interpretação histórica não seja irrelevante, pensa-se hoje me dia que uma norma uma vez posta em vigor ela se liberta progressivamente da vontade subjetiva que a criou e passa a ter uma existência objetiva que permite que o seu relato se adapte continuamente as novas situações da vida, de modo que a interpretação histórica converte-se paulatinamente em interpretação evolutiva; é isso que faz com que por exemplo, a norma constitucional que assegura a liberdade de expressão ou a norma constitucional que assegura o sigilo da correspondência é isso que faz com que estas normas incidam também sobra a comunicação por meio eletrônicos via internet ou assegura as manifestações de expressões via internet, embora o constituinte de 1988 jamais tenha cogitado naquela ocasião que o mundo se interligaria da maneira que se interligou por meio de uma rede mundial de computadores; portanto a interpretação histórica se converte em interpretação evolutiva e consequentemente é essa ênfase que deve presidir a atuação do interprete. E em terceiro lugar, o terceiro elemento tradicional de interpretação é o elemento sistemático; a ordem jurídica é um sistema, sistema pressupõe unidade e harmonia e, portanto, um sistema pressupõe que as diferentes partes que o componham não se choquem e convivam harmoniosamente e, portanto, as normas jurídicas não devem entrar em rota de colisão; o direito não tolera antinomias e para impedir os conflitos de leis, para impedir os conflitos normativos, a ordem jurídica prevê e prove três grandes critérios que são generalizadamente utilizados. Primeiro critério é o critério hierárquico; quando duas normas entram em rota de colisão, a primeira coisa que o interprete deve fazer é verificar se uma norma é hierarquicamente superior a outra, e se for o problema está resolvido, a norma superior prevalece sobre a inferior e, portanto, se uma lei ordinária colidir com a constituição, prevalece a constituição, se o regulamento colidir com a lei, prevalece a lei. O segundo critério utilizado para a solução de conflitos normativos é um critério temporal ou cronológico; quando duas normas de igual hierarquia entram em rota de colisão, prevalecerá a norma posterior, lei posterior revoga a anterior, a menos que, e este é o terceiro critério, estas leis se relacionem entre si como norma geral e norma especial. E aí, o terceiro critério, é o critério da especialização; a norma especial prevalece sobre a norma geral, e, portanto, a lei orgânica da magistratura que incide sobre os magistrados, ela prevalece sobre o estatuto dos funcionários públicos, ou uma lei orgânica especifica para os professores prevalece sobre a norma geral para os servidores públicos de uma maneira geral. E o quarto e último elemento tradicional de interpretação é o elemento teleológico; interpretam-se as normas jurídicas para realizar os seus fins, para realizar os propósitos nelas contidos e consequentemente se uma licitação, por exemplo, estiver assegurado igualdade entre os participantes e tiver assegurado a escolha da melhor proposta, o juiz não deverá anula-la pela ausência de uma formalidade, pela ausência de um carimbo ou publicação se isso não tiver tido uma consequência material relevante; as formas são instrumentais e portanto realizados os fins não se deve anular um ato por um vício menos relevante de forma. Com isso, portanto eu percorri o conhecimento absolutamente convencional em matéria de interpretação jurídica e fiz menção aos elementos tradicionais da interpretação, o gramatical, o histórico, o sistemático e o teleológico; esse é, como disse, o conhecimento básico na matéria. E é sempre prudente estabelece-los para harmonizarmos a nossa linguagem.

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