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O Homem Cordial

Por:   •  4/5/2017  •  Trabalho acadêmico  •  794 Palavras (4 Páginas)  •  377 Visualizações

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O Homem Cordial

O conflito entre Antígona e Creonte é de todas as épocas e preserva-se sua veemência ainda em nossos dias. Em todas as culturas, o processo pelo qual a lei geral suplanta a lei particular faz-se acompanhar de crises, que podem afetar profundamente a estrutura da sociedade. O estudo dessas crises constitui um dos temas fundamentais da história social, o regime do trabalho das velhas corporações e grêmios de artesãos com a “escravidão dos salários” nas usinas modernas, tem um elemento precioso para o julgamento da inquietação social de nossos dias. Nas velhas corporações o mestre e seus aprendizes e jornaleiros formavam como uma só família, cujo os membros se sujeitam a hierarquia natural, mas que partilham das mesmas privações e confortos. O novo regime tornava mais fácil, além disso, ao capitalista, explorar o trabalho de seus empregados, a troco de salários ínfimos. A crise que acompanhou a transição do trabalho industrial, pode dar uma ideia pálida das dificuldades que se opõem à abolição da velha ordem familiar, Mas essas mesmas tendem a desaparecer ante as exigências imperativas das novas condições de vida. Segundo alguns pedagogos e psicólogos de nossos dias, a educação familiar deve ser apenas uma espécie de propedêutica da vida na sociedade, fora da família. A crise de adaptação indivíduos ao mecanismo social é, assim, especialmente sensível no nosso tempo devido ao decisivo triunfo de certas virtudes antifamiliares por excelência, como o são, sem dúvida, aquelas que repousam no espírito de iniciativa pessoal e na concorrência entre os cidadãos. A personalidade social do estudante, moldada em tradições acentuadamente particularistas, tradições que, como se sabe, costumam ser decisivas e imperativas durante os primeiros quatro ou cinco anos de vida da criança, era forçada a ajustar-se, nesses casos, a novas situações e a novas relações sociais que importavam na necessidade de uma revisão, por vezes radical, dos interesses, atividades, valores, sentimentos, atitudes e crenças adquiridos no convívio da família. Em outras épocas, tudo contribuía para a maior harmonia e maior coincidência entre as virtudes que se formam e se exigem no recesso do lar e as que asseguram a prosperidade social e a ordem entre os cidadãos, o tipo primitivo da família patriarcal, o desenvolvimento da urbanização — que não resulta unicamente do crescimento das cidades, mas também do crescimento dos meios de comunicação, atraindo vastas áreas rurais para a esfera de influência das cidades — ia acarretar um desequilíbrio social, cujos efeitos permanecem vivos ainda hoje. Para o funcionário “patrimonial”, a própria gestão política apresenta-se como assunto de seu interesse particular; as funções, os empregos e os benefícios que deles aufere, relacionam-se a direitos pessoais do funcionário e não a interesses objetivos, como sucede no verdadeiro Estado burocrático, em que prevalecem a especialização das funções e o esforço para se assegurarem garantias jurídicas aos cidadãos. No Brasil, pode dizer-se que só excepcionalmente tivemos um sistema administrativo e um corpo de funcionários puramente dedicados a interesses objetivos e fundados nesses interesses, Isso ocorre mesmo onde as instituições democráticas, fundadas em princípios neutros e abstratos, pretendem assentar a sociedade em normas antiparticularistas. Já se disse, numa expressão feliz, que a contribuição brasileira para a civilização será de cordialidade — daremos ao mundo o “homem cordial”. Nenhum povo está mais distante dessa noção ritualista da vida do que o brasileiro. Nossa forma ordinária de convívio social é, no fundo, justamente o contrário da polidez. “Homem cordial”: é a forma natural e viva que se converteu em fórmula. Além disso a polidez é, de algum modo, organização de defesa ante a sociedade. Nosso temperamento admite fórmulas de reverência, e até de bom grado, mas quase somente enquanto não suprimam de todo a possibilidade de convívio mais familiar. A manifestação normal do respeito em outros povos tem aqui sua réplica, em regra geral, no desejo de estabelecer intimidade. E isso é tanto mais específico, quanto se sabe do apego frequente dos portugueses, tão próximos de nós em tantos aspectos, aos títulos e sinais de reverência. O que representa semelhante atitude é uma transposição característica para o domínio do religioso desse horror às distâncias que parece constituir, ao menos até agora, o traço mais específico do espírito brasileiro. Note-se que ainda aqui nós nos comportamos de modo perfeitamente contrário à atitude já assinalada entre japoneses, onde o ritualismo invade o terreno da conduta social para dar-lhe mais rigor. No Brasil é precisamente o rigorismo do rito que se afrouxa e se humaniza. Religiosidade que se perdia e se confundia num mundo sem forma e que, por isso mesmo, não tinha forças para lhe impor sua ordem. Assim, nenhuma elaboração política seria possível senão fora dela, fora de um culto que só apelava para os sentimentos e os sentidos e quase nunca para a razão e a vontade

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