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A Sociologia Da Génese Do Estado | Bourdieu E Influências

Por:   •  8/6/2023  •  Resenha  •  2.283 Palavras (10 Páginas)  •  30 Visualizações

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  1. CONTEXTUALIZAÇÃO

O primeiro autor abordado, Pierre Bourdieu, foi um sociólogo francês nascido a 1 de agosto de 1930 e conhecido pelas seus abordagens na teoria social. Algumas das suas contribuições mais relevantes para a sociologia foi o desenvolvimento de conceitos como habitus, campo, espaço social, etc. Dedicou os seus estudos à sociologia das relações de poder e às dinâmicas sociais relativas às desigualdades. Já Charles Tilly foi outro sociólogo nascido a 27 de maio de 1929 em Nova Iorque e que abordou temas como a violência e a formação do Estado. Para este sociólogo, a violência, física ou não, é utilizada, pelos indivíduos numa posição social mais privilegiada e até mesmo por instituições, como modo de manipulação e de coerção para obter mais poder monetário ou político. Relativamente à génese do Estado moderno europeu, podemos apontar que se refere ao conjunto de processos históricos que consolidaram a formação dos Estados tais como os conhecemos atualmente na Europa. Essa formação foi feita através de, por exemplo, concentrações do poder numa só instituição e da monopolização da violência, tornando-a legítima, bem como a capitalização do mercado e a cobrança de impostos. O objetivo deste trabalho é explicitar os pontos essenciais relativos à origem e à afirmação do Estado moderno na Europa e a forma como a estruturação do poder político se desenvolveu e reafirmou. Além disso, também pretendo explorar o diálogo entre Pierre Bourdieu, Charles Tilly e outros pensadores das ciências sociais acerca da génese do Estado moderno na Europa.

  1. A SOCIOLOGIA DA GÉNESE DO ESTADO MODERNO

Bourdieu apresenta uma nova teoria síntese sobre a afirmação do Estado moderno no continente europeu. Por ser de um caráter sintético, a teoria de Bourdieu aproveita algumas influências de outros teóricos da ciência política. A Max Weber, retira a ideia de que o Estado se apropria do monopólio da violência física legítima dentro da sociedade; acrescenta, no entanto, que essa apropriação vai mais além da violência física, mas também engloba a vertente simbólica associada a essa violência física e à sua legitimação. Isto é, reter o monopólio da violência simbólica é um requisito para o exercício da violência física. Ainda assim, inspirando- 1 se em Durkheim, admite também que o Estado exerce várias influências nos vidas pessoais, mentais e sociais dos indivíduos. Um Estado, segundo Bourdieu, é um empilhamento de institucionalizações que permitem a acumulação de variados tipos de capitais, assumindo um papel importante na força e violência simbólica – “o Estado é resultado de um processo de concentração de diferentes tipos de capital, capital de força física ou de instrumentos de coerção (exército, polícia), capital económico, capital cultural, ou melhor, de informação, capital simbólico, concentração que, enquanto tal, constitui o Estado como detentor de uma espécie de metacapital, com poder sobre os outros tipos de capital e sobre seus detentores.” (Bourdieu, 2008, p. 99). Dessa forma, o Estado consegue adquirir um nível de poder elevado e capaz de legitimar e perpetuar uma estratificação social bem definida, regulando todas as instituições da sociedade. Bebendo um pouco da teoria burocrática de Max Weber, o controlo social protagonizado pelo Estado é legitimado a partir de vários processos – jurídicos – que permitiram a perpetuação no senso comum da população que tal controlo é natural à essência humana. Esse ‘metacapital’ é produto de um processo de eliminação, por parte do Estado, de todas as outras entidades que também têm capacidade de exercer a violência legítima, tal como o Estado. Essa eliminação pode ser feita através de guerras – associadas também ao desejo expansionista do Estado –, com as milícias militares no exterior, ou até mesmo a nível interno, associada à forca e à violência feita por parte da polícia. Outro ponto importante para esse ‘metacapital’ é a capitalização da economia, isto é, a criação de um mercado nacional controlado apenas pelo Estado. É aqui que a cobrança de impostos é oportuna visto que o Estado necessita de arrecadar mais poder monetário a fim de saldar as despesas tanto da guerra como das forças militares dentro das suas próprias fronteiras. Desta forma, o Estado tem na sua posse tanto o capital da violência legítima e da economia, faltando-lhe, no entanto, o capital da informação, isto é, o capital associado à cultura e ao conhecimento. O Estado centraliza em si, através de processos de codificação e objetivação, não só os aspetos económicos da esfera pública, mas também os aspetos culturais, seja a partir da posse de elementos culturais da sociedade, como também institucionalizando e incorporando no seu poder o conhecimento e a produção desse conhecimento. Assim, o Estado moderno emergiu como uma entidade política capaz de mobilizar recursos, estabelecer a ordem interna e se envolver em disputas externas. 2 Assim sendo, com este capital simbólico, constituído pela cultura, Pierre Bourdieu afirma que o Estado tem a capacidade de implementar o poder político legítimo na população, bem como a capacidade de que essa população reconheça uma autoridade no Estado, subjugando-se ao mesmo. Por isto, a génese do Estado está intrinsecamente ligada à burocratização e ao poder e, consequentemente, é responsável pela evolução do seu povo civilizado – “O capital simbólico da nobreza (honra, reputação), que se apoiava na estima social, tacitamente atribuída por consenso social mais ou menos consciente, encontra uma objetivação estatuária, quase burocrática” (Bourdieu, 2008, p. 111). O Estado controla, através da monopolização dos capitais, todas as instituições sociais, promovendo um desenvolvimento humano à semelhança dessas mesmas instituições. Concluindo, Pierre Bourdieu afirma que o Estado tem na sua posse três tipo de capitais diferentes. O primeiro é o capital da força física e da violência legítima, o segundo é o capital económico e, por último, o capital cultural, ou capital simbólico. Ao conjugar esses três capitais, o Estado obtém um ‘metacapital’ capaz de se sobrepor a todos os outros capitais, bem como aos seus detentores. A esse ‘metacapital’ podemos também chamar de capital estatal, que é a condição necessária para que o Estado consiga manter a sua posição de superioridade perante o resto dos indivíduos e instituições. Assim forma-se o que Bourdieu apelidou de “campo do poder, entendido como o espaço de jogo no interior do qual os detentores de capital (de diferentes tipos) lutam particularmente pelo poder sobre o Estado, isto é, sobre o capital estatal que assegura o poder sobre os diferentes tipos de capital e sobre sua reprodução (notadamente por meio da instituição escolar).” (Bourdieu, 2008, p. 99). Nesta altura, considero oportuno também analisar, em complementaridade, a perspetiva de Charles Tilly acerca da génese do Estado moderno – “Why did European states follow such different trajectories, yet almost all head in the direction of greater concentration with respect to capital and coercion?” (Tilly, 1993, p. 142). Para este teórico, é através da monopolização de recursos económicos dentro das cidades e, consequentemente, da coerção estatal que o capital se desenvolve. Dessa forma, o capital irá permitir que várias entidades políticas e institucionais concentrem em si privilégios que, por sua vez, são legitimados a partir da acumulação de capital. A origem do Estado moderno é, para Tilly, baseada num processo de concentração e centralização do poder numa só instituição – o Estado – provocados pela necessidade de 3 financiar guerras além-fronteiras e, por isso, arrecadar mais dinheiro. Dá-se assim a expansão do Estado, tanto a nível físico e territorial, como a nível fiscal e de mercado. A necessidade de financiar a guerra permitiu a implementação de sistemas de cobrança de impostos, como referi anteriormente, e a criação de processos burocráticos que seriam capazes de lidar com os recursos adquiridos com os impostos. Associado ao capital simbólico de Pierre Bourdieu, verificamos que para Charles Tilly também era defensor da ideia de que as relações socias entre o Estado e os indivíduos são baseadas numa obediência ascendente. Isto é, tendo na sua posse o poder legítimo do uso da violência, o Estado consegue garantir que a população dentro do seu território seja obediente e conformista ao conjunto de normas que o mesmo impõe através da capitalização da cultura. A legitimação da violência física está relacionada com os processos de jurisdição e burocráticos, que surgem devido ao aumento dos gastos nos confrontos militares, sobre a população que reside num território. Isso permite que o Estado una essa violência sem enfrentar represálias morais por parte dos seus cidadãos, resultando na sua estabilidade no poder e no comando. O Estado direciona sua atenção para assuntos militares, judiciais e fiscais, o que resulta na criação de múltiplas jurisdições, culminando no entendimento das questões relacionadas ao processo de burocratização dos Estados europeus. No que diz respeito à influência marxiana que Bourdieu apresenta no seu pensamento, verificamos que o materialismo dialético e a análise histórica do capitalismo e da formação do Estado capitalista de Karl Marx foram um dos pilares de Pierre Bourdieu. Marx propôs uma análise das estruturas sociais delimitada pela luta de classes e pela dicotomia entre a infraestrutura e a superestrutura. A dicotomia entre a infraestrutura (esfera económica da sociedade) e a superestrutura (esfera política e ideológica da sociedade) assenta na ideia de que quem controla a infraestrutura, também controla, direta ou indiretamente, a superestrutura. Assim sendo, o Estado – localizado na superestrutura – serve os interesses da classe económica dominante – localizada na infraestrutura –, perpetuando uma ordem social capitalista, revelando uma predominância do poder e capital económico nas relações sociais. Então, podemos dizer que Bourdieu foi influenciado pela teoria marxiana na medida em que ambos consideram que o Estado concentra dentro de si não só o poder político, mas também o poder económico, influenciando a vida da população de cada Estado e perpetuando as relações de poder existentes. 4 Além disso, outro paralelo entre as teorias de Bourdieu e Tilly e a teoria de Marx é relativa aos aparelhos repressivos do Estado. Marx considera que existem dois tipos de aparelhos opressivos: o aparelho repressivo (a força coerciva e repressiva usada pelo Estado para manter a ordem social, como por exemplo a polícia e o sistema prisional) e o aparelho ideológico (instituições e mecanismos que moldam e reproduzem as mentalidades e valores da sociedade, como por exemplo a religião e a família). Assim, percebemos que estes dois aparelhos trabalham em conjunto para manter o status quo e, consequentemente, perpetuar o poder do Estado no mesmo. O contributo de Max Weber para a teoria bourdieusiana tem como base a sua perspetiva conflituosa da sociedade. Isto é, para Weber, as mudanças sociais fazem-se através de dois grupos antagónicos e onde o poder político é marcado pelo poder ou dominação de um sobre o outro. Essa dominação tem presente uma dinâmica em que o Estado tem de impor à população a sua autoridade, a fim de conseguir uma obediência por parte dos seus ‘súbditos’. A forma como o Estado legitima essa obediência é a partir da legitimação também da autoridade, que pode ser autoridade tradicional (sociedades feudais onde o poder era patriarcal e hereditário), autoridade carismática (líder confiante e persuasivo) e autoridade burocrática. É esta última que admite ao Estado o seu poder atual e a capacidade de este criar e propagar normas sociais. No que toca à sociologia da génese do Estado de Norbert Elias, podemos ver um foco na questão física do território. Isto é, os Estados competem entre si para obter um território maior e, por consequência, mais poderoso através da violência física legitimada. No seu livro O Processo Civilizatório, Elias descreve a origem do Estado como resultado de um processo de pacificação e centralização do poder que se tem vindo a alongar durante os séculos. Para este autor, as mudanças nas estruturas socias e nas relações de poder estão diretamente ligadas ao desenvolvimento do Estado enquanto instituição, que, por sua vez, está ligado ao processo civilizatório. No entender de Norbert Elias, o processo civilizatório é um conjunto de transformações duradoras no tempo das normais sociais e dos padrões de comportamento, onde existe uma monopolização da violência física legítima por parte do Estado devido à crescente interdependência social e à formação e à complexificação das estruturas de poder. O controlo do Estado sobre essa violência legítima vai permitir que algumas ramificações do Estado, como 5 a polícia ou o sistema judicial, consigam manter uma ordem social e, por conseguinte, o mantimento da pacificação social. Um dos conceitos mais célebres de Émile Durkheim teve grande influência sobre Bourdieu no que toca à génese do Estado moderno. Esse conceito é referente à solidariedade social e a sua importância na criação e manutenção da coesão social, isto é, a sociedade moderna é marcada pela complexa divisão do trabalho (onde cada pessoa é especializada em determinada área, tornando, cada vez mais, todos os indivíduos interdependentes). Dessa forma, o Estado surge como um motor de regulamento, coordenação e equilíbrio social.

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