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O Pensamento de Schopenhauer em Relação à Ciência e à Religião

Por:   •  10/11/2018  •  Artigo  •  1.839 Palavras (8 Páginas)  •  146 Visualizações

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O pensamento de Schopenhauer

em relação à ciência e à religião”

Max HoRrKHEIMER

Nahistória da filosofia moderna a obra de Schopenhauer é tida como modelo do pessimismo: “... quem permaneceria na vida, como ela é, se a morte fosse menos aterrorizante? — E quem poderia sequer suportar o pensamento da morte se a vida fosse um júbilo! Mas ela tem ainda o lado bom de ser o fim da vida, e nós nos consolamos dos sofrimentos da vida com a morte, e da

morte com os sofrimentos da vida. A verdade é que as duas estão inseparavelmente ligadas, pois constituem um labirinto do qual é tão difícil quanto desejável escapar”, é dito no segundo volu- me de sua obra principal, e ele cita Voltaire: “Je bonheur nest qu'un rêve, et la douleur est réell” 2 Ele esclarece “que ainda que milhares tivessem vivido na felicidade e na volúpia, a angústia e a agonia mortal de um só indivíduo não seriam suprimidas; e tampouco

meu bem-estar presente desfaz meus sofrimentos passados”? O cristianismo, com o qual ele se pretende continuamente de acordo, “pois... no evangelho mundo e mal são usados quase como sinôni- mos”, teria pelo menos até o século dezoito, e mesmo no presente, acrescentado não só o pensamento do céu e do inferno, mas muito mais ao destino individual no além. Mesmo as vítimas cristãs do sadismo romano, como relata o historiador Harnack, considera- vam a própria morte sob tortura na arena como um caminho cur-

O texto dessa conferência se encontra em Horkheimer, M. “Schopenhauers Denken im Verhiltnis zu Wissenschaft und Religion”. In: .Gesammelte Schriften. Org. de Alfred Schmidt e Gunzelin Schmid Noerr. Frankfurt: Fischer Taschenbuch Verlag, 1985, vol. 7: Votrâge und Aufzeichnungen 1949-1973, pp. 240-52. O tradutor agradece as sugestões e correções de Fernando Costa Mattos.

1. Schopenhauer, A. Simtliche Werke. vol. II. Leipzig: Grisebach, pp. 677 e ss.

Em francês no original: “a felicidade é apenas um sonho e a dor é real” (N. do T.).

3. Idem, p. 678.

Cadernos de Filosofia Alemã nº 12 — p. 115-128 — jul.-dez. 2008

to, ainda que doloroso, para a beatitude eterna. À vida de homens verdadeiramente religiosos, que tinham a consciência atravessada pela própria culpa, possuía um sentido que hoje é questionado. Mesmo a interpretação psicológica de Schopenhauer é duvidosa. O consolo da própria morte não provém somente do sofrimento na vida, assim como o consolo do sofrimento não provém somen- te da morte, como se sem ela a felicidade tivesse também de ser definitivamente excluída. Mais duvidosa ainda é a metafísica, quer ela indique o além, o em-si, como um positivo — o bem -, quer ela o indique como um negativo — o mal [Schlechte] e o nada. O pensamento humano pode ordenar os fatos da percepção, mas não

pode ir além deles, mesmo que seja o anseio de origem teológica por um outro mundo que não este. O conceito de seres superiores, seja no singular ou no plural, não é mais subjetivo do que o con- ceito do Nada.

Até a renascença, e para muitos grupos sociais ainda até o século dezenove, o Deus todo-poderoso e infinitamente bom, bem como a obrigatoriedade de seus mandamentos, não eram menos certos e realistas do que as teorias físicas e químicas o são hoje. Quem negava a criação do mundo de acordo com a bíblia não passava apenas por herético, mas por mentalmente deficiente. A idéia da vida neste mundo incluía o pensamento do além. Prová- lo, desde quea religião se viu ameaçada pela ciência, formou tanto psíquica quanto socialmente um motivo fundamental para fo- mentar a filosofia na civilização ocidental. A administração [da

vida] ainda não é tão ampla como será no futuro, caso catástrofes não retardem o processo. À filosofia cumpriu continuamente, nos tempos modernos, a função social de conciliar com o progresso técnico-científico, por meio de provas da existência de Deus, o pensamento da recompensa e do castigo depois da morte, e com isso o impulso interior para a ação socialmente necessária. À tarefa se tornou cada vez mais difícil, e por fim insolúvel. Já a perspicaz reflexão de Descartes é interrompida pelo recurso ao argumento

da existência de Deus. Ele diz que, se não houvesse nenhum ser perfeito e supremo que correspondesse à viva representação em mim, então ela não poderia estar em meu espírito, já que a causa nunca é inferior ao efeito. Para ele, opostamente a Kant, a exis-

Max Horkheimer O pensamento de Schopenhauer...

tência pertence à perfeição. Que eu possa pensar em Deus seria garantido pela certeza de sua existência. A precariedade das de- monstrações em favor do teísmo, mesmo nos grandes pensadores filosóficos, tornou-se regra nos séculos seguintes. John Locke, o pai do empiriocriticismo, retorna à prova cosmológica. Leibniz, o racionalista, esclarece a idéia de um ser supremo como imanente à razão, assim como as leis lógicas, sem cuja observação a verdadeira reflexão [Besinnung] não é possível. Mesmo Kant, o genial crítico das habituais provas da existência de Deus, não constitui exceção.

À partir do imperativo categórico é postulada a certeza em um ser supremo, ao passo que, tendo em vista o horror no passado e no presente, a afirmação de que cada sujeito humano tem o respeito ao próximo como uma lei interior não parece menos improvável do que as doutrinas monoteístas do Eterno.

Se na filosofia como na religião a convicção na efetividade da justiça celeste garante uma disposição no fundo otimista, então Schopenhauer, apesar de seu ateísmo, não era meramente pessi- mista. Ele vincula à teologia cristã, além da tese comum da terra como um vale de lágrimas, também a idéia de um destino justo da alma individual para além da morte. O renascimento paraa exis- tência sofredora, assim como, por outro lado, o retorno à unidade absoluta, seriam proporcionais, segundo seu ensinamento, à subs- tância moral do indivíduo, à sua medida em compaixão e simpatia [Mitfreude], ou a seu ódio nessa vida. Tal promessa correspondia, de um modo novo, mais racional, à necessidade pela justiça eter- na, cujo crescente descrédito, cuja negação mesma no presente, condicionam inconscientemente o mal-estar da nova comoda ve- lha geração. Sofrimento inocente, triunfo do mal, todo horror de

milênios não

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